Matéria extraída do livro 'A Verdade Sufocada - A história que a esquerda não quer que o Brasill conheça' de Carlos Alberto Brilhante Ustra -
Autorizada a divulgação desde que mantido o texto na íntegra, o nome do site e o do autor.
No dia 5 de dezembro de 1971, um domingo, eu descansava em minha residência, conversando com o “Velho” Expedito, ouvindo os seus casos da época em que trabalhava como segurança do presidente Getúlio Vargas. Os outros três membros da equipe que dava proteção a mim e a minha família divertiam-se com as aventuras do “Velho”. Ele era um policial experimentado. Já fora da Polícia Federal, da Guarda Civil e agora era da Polícia Militar de São Paulo. Eu confiava demais no “Velho”. Era um “cão de guarda”. De longe “farejava” e sentia a presença de tudo que fosse estranho. Um grande policial e um devotado amigo que sempre se expôs para nos proteger. Pedro Expedito de Morais morreu, já aposentado, como primeiro sargento da PM de São Paulo.
Eram mais ou menos 16 horas, quando o telefone tocou. O oficial de dia pedia a minha presença urgente. Acabara de haver um tiroteio na Rua Cardoso de Almeida, no bairro Sumaré, entre a Polícia Militar e três terroristas. Na reunião da Comunidade de Informações, na última quarta-feira, eu solicitara ao chefe da 2ª Seção da Polícia Militar que colocasse barreiras para controle de trânsito nos prováveis locais onde os terroristas mais transitavam.
Conforme combinado, após um estudo da Seção de Análise do DOI, escolhemos alguns locais críticos e indicamos as zonas de maior atuação terrorista para que a Polícia Militar montasse as barreiras.
O tiroteio que acabara de ocorrer era fruto do atendimento da Polícia Militar ao nosso pedido e, principalmente, de sua eficiência.
Imediatamente me dirigi ao DOI, tendo ao meu lado, com a metralhadora sempre pronta, o “Velho” Expedito e os outros três membros da equipe. Em pouco tempo me inteirei dos fatos.
José Milton Barbosa (Cláudio, Castro ou Rafael), ex-militante do Partido Comunista Brasileiro, sargento expulso do Exército, vinha com sua companheira Linda Tayah (Bia ou Miriam) e Gelson Reicher (Marcos), quando se depararam com a barreira da PM. No carro, transportavam bombas e explosivos, além de armas e munições que usavam em ações e em treinamentos realizados em locais afastados.
Desses treinamentos, participavam com freqüência: Lídia Guerlenda, estudante de Medicina e integrante do Grupo Tático Armado da ALN; Gelson Reicher, também universitário, recém-chegado de Cuba, onde fizera curso de guerrilha; José Milton Barbosa e Linda Tayah, entre outros. Vinham preocupados. No dia anterior, o grupo tivera um problema sério no treinamento. Lídia Guerlenda teve a mão decepada ao manusear, perigosamente, uma bomba de fabricação caseira que explodiu antes de ser arremessada.
José Milton, Linda Tayah e Gelson, todos de um Grupo Tático Armado (GTA) da ALN, apanhados de surpresa, abandonaram o carro. José Milton, com uma metralhadora INA, Linda e Gelson, cada um com um revólver .38, invadiram uma casa e fizeram os moradores como reféns. Gelson Reicher fugiu do cerco polícial pelos fundos da casa. José Milton e Linda, pulando muros, em desabalada carreira e sempre atirando, tentaram a fuga. O tiroteio foi intenso. No final, José Milton estava morto e Linda Tayah, ferida na cabeça, foi presa. O soldado PM Alcides Rodrigues de Souza também foi ferido no braço e na coxa.
José Milton Barbosa usava documentos falsos com o nome de Alexandre Rodrigues de Miranda. Seus codinomes eram Cláudio, Castro, Rafael, Camilo, Rui, Thomaz, Zé, Matos e Alberto.
José Milton Barbosa participou, dentre outras ações, de 8 assaltos a bancos, 5 assaltos a supermercados, 4 assaltos a estabelecimentos diversos, 5 assaltos a carros transportadores de valores e 2 assaltos a indústrias, além dos seguintes atos terroristas:
- Seqüestro do embaixador da Alemanha, quando foi assassinado o agente Irlando de Sousa Régis e feridos gravemente o policial federal Luís Antônio Sampaio e o agente José Banharo da Silva;
- “Justiçamento” do militante Marcio Leite Toledo;
- “Justiçamento” do industrial Henning Albert Boilesen;
- Colocação de bomba na Supergel; e
- Atentado contra a ponte do Jaguaré.
Linda estava em estado de choque. Além de perder o companheiro, estava ferida. Um tiro a atingira na cabeça, tirando-lhe um pequeno pedaço do crânio, sem, no entanto, atingir o cérebro. Imediatamente providenciamos sua internação no Hospital das Clínicas, onde foi operada com êxito.
Após sua alta, considerando a possibilidade de uma tentativa de resgate por militantes da ALN, Linda foi levada para o DOI, onde convalesceu, já que seu estado era bom. A permanência no HC não era conveniente para a nossa equipe, que lá se mantinha de prontidão. Seu efetivo era insuficiente para impedir uma ação violenta por parte dos terroristas que tentassem resgatá-la. Uma ação desse tipo poria em risco a vida de inocentes.
Linda Tayah usava documentos falsos com os nomes de Sueli Nunes e Nair Fava. Seu codinome mais usado era Bia.
Entrou para a militância quando se enamorou de José Milton. Iniciou seu treinamento armado, em locais desertos, com Aton Fon Filho e o próprio José Milton. Aos poucos, Linda foi se adaptando à vida de militante de uma organização subversiva. Passou a participar de “expropriações” (roubos) de carros, juntamente com Aton.
Linda foi presa no Rio por duas vezes, mas, omitindo o que sabia, sempre conseguia ser solta. Naquela época, pouco se conhecia a respeito das organizações subversivas e como agiam, segundo palavras da própria Linda. No início de 1970, Linda Tayah e José Milton, “queimados” no Rio de Janeiro, mudaram-se para São Paulo e passaram a viver em “aparelhos”, na clandestinidade. Seriam mais úteis para a organização em São Paulo, onde ainda não haviam sido “levantados”. Linda, inclusive, deixou de manter contatocom a família, que desconhecia o seu paradeiro. Em São Paulo, atuavam com Yuri Xavier Pereira (Big), Antônio Sérgio de Matos (Uns e Outros), Lídia Guerlenda (Supra), Eliane Potiguara Macedo Simões (Joana), Gelson Reicher (Marcos) e outros.Contra ela pesavam acusações de assaltos, roubos de carros e levantamentos para futuras ações. Linda era uma das militantes que, com José Milton e Gelson Reicher, treinavam lançamento de bombas e granadas com Lídia Guerlenda.
Atuaram nessa cidade por um ano, quando foi presa em dezembro de 1971.
Próximo Capítulo : À espera do filho de José Milton
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08/05 - Nasce o filho de José Milton - Parte 2
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Matéria extraída do livro 'A Verdade Sufocada - A história que a esquerda não quer que o Brasill conheça' de Carlos Alberto Brilhante Ustra -
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Primeira parte - O Combate
Segunda parte - Nasce o filho de José milton
Tempos depois da sua prisão, Linda procurou-me para dizer que achava que estava grávida. Encaminhada ao médico, depois de todos os exames, foi confirmada a sua suspeita. Linda, apesar de ter perdido o companheiro antes de saber da gravidez, ficou exultante com a notícia e passou a sonhar com um menino para ter o mesmo nome do pai, José Milton.
Entramos em contato com sua família, no Rio, e Linda comunicou ao irmão, médico, que esperava um filho de seu companheiro “Cláudio”. O irmão passou a visitá-la, sempre que podia. A partir de janeiro de 1972, Linda ganhava companhia.
Eliane Potiguara Macedo Simões foi presa em 18 de janeiro de 1972, em seu “aparelho”. Na ocasião da prisão, ao tentar a fuga, quando pulava um muro, levou um tiro de raspão na cabeça e caiu de costas. Não se sabe se, em conseqüência do tiro ou da queda, ficou sem o comando em um dos pés.
Casada com Reinaldo Guarany Simões, começou a militar na ALN, juntamente com o marido. Em 1970, seu marido foi preso e ela buscou apoio da organização em São Paulo. Depois de vários contatos, foi morar com Lídia Guerlenda por um período e passou a fazer parte de um Grupo Tático Armado (GTA).
Quando presa, usava documentos falsos com os nomes de Jandira Pereira Carnaúba, Lúcia Albuquerque Vieira e Maria Teresa Conde Sandoval. Seus codinomes eram Joana, Kátia e Estela. Contra ela pesavam as seguintes acusações assaltos, levantamentos para assaltos e atentados, roubo de carro e seqüestro de um médico para atender Lídia Guerlenda, que perdera a mão, conforme narrado anteriormente.
Ao voltar de minhas férias, quando fui a Santa Maria visitar meus pais, encontrei o DOI com rotina nova.
Todos os dias, Eliane caminhava pelo pátio por longos períodos. Muitas vezes amparada pelas companheiras, outras por membros do DOI. As recomendações médicas eram seguidas religiosamente.
Darcy Toshico Miyaki, que usava documentos falsos em nome de Luciana Sayori Shindo e Áurea Tinoco Endo, e os codinomes de Cristina e Lia, foi presa no Rio de Janeiro. Darcy viajou para Cuba em 1968, com documentos falsos em nome de Ordélia Ruiz. Nesse país, durante um ano e três meses, participou de um curso de guerrilha. Retornou ao Brasil em junho de 1971, sendo integrada ao Setor de Inteligência da ALN. Residia no “aparelho” de Lídia Guerlanda.
Darcy fora para o Rio, a mando de Yuri Xavier (Big), para cobrir um ponto com Élcio Pereira Fortes (Nelson ou Alfredo). Foi presa, enquanto esperava o contato, na Rua Ataulfo de Paiva, no Leblon.
Recém-chegada, ainda não participara de nenhuma ação armada. Logo em seguida, foi levada pelos órgãos de segurança a São Paulo, onde foi encaminhada ao DOI.
Em 23 de fevereiro, foi presa Mari Kamada, que usava os codinomes de Shiruca, Isa, Mira, Lúcia e Di. Contra ela existiam as seguintes acusações: atentado a bomba na Sears da Água Branca, panfletagem armada, roubo de placas de carros, levantamentos para assaltos e para o resgate de um preso que, ferido em uma ação, era constantemente levado a um hospital para tratamento. Mari, inicialmente, militava na ALN, passando depois a atuar no Molipo.
Em 27 de fevereiro do mesmo ano, foi presa Márcia Aparecida do Amaral, também da ALN, que morava com Mari Kamada. Ela era acusada de tentativa de colocação de uma bomba no Mappin - grande loja de departamentos, no centro de São Paulo -, roubo de veículos, levantamentos para assaltos e atentados, panfletagem armada e pichações.
Márcia usava o codinome de Lila e não portava documentos falsos.
No dia 15 de abril de 1972, foi presa Rioco Kayano, em Marabá, encaminhada inicialmente para o DOI de Brasília e a seguir para o DOI de São Paulo, área onde militava no PCdoB.
A respeito de sua prisão transcrevo o trecho abaixo, publicado no livro Guerrilha do Araguaia, escrito pelo coronel Aluísio Madruga de Moura e Souza:
“...Rioco Kayano ficou sob suspeita ao descer de um ônibus proveniente de Anápolis-GO. Rioco estava sendo trazida de São Paulo por Elza Monerat, militante componente da Comissão Executiva do PCdoB. Elza, comunista com experiência acumulada desde os idos de 1922, ao concluir que corria o risco de ser identificada durante a triagem que estava sendo feita nos passageiros do ônibus, aproveitando-se de sua idade até certo ponto avançada, entregou sua acompanhante, como se diz na gíria de “bandeja” quando informou, para aqueles que faziam a triagem, ter considerado muito estranha as atitudes daquela moça, Rioco Kayano, convencendo assim o coordenador da triagem que acabou por liberar aquela simpática senhora. E, ficando a desconfiança do que, sigilosamente, fora dito por Elza, Rioco foi horas depois presa em um hotel.”
PS: Rioko Kaiano casou-se tempos depois com José Genoino, que atuava na Guerrilha do Araguaia
Pouco a pouco, Linda Tayah tinha com ela, na mesma cela, cinco militantes companheiras de subversão.
Linda, Darcy, Eliane, Márcia, Mari e Rioco ficariam juntas sete meses, no DOI, por opção - mais à frente verão porque por opção -, à espera do filho de José Milton.
O DOI aumentou o número de idas ao Hospital das Clínicas. Era necessário levar Eliane para a fisioterapia, recomendada pelos médicos que a operaram, e Linda para o pré-natal. Uma equipe acompanhava cada uma, em dias e horários variados, para evitar possíveis tentativas de resgate.
Absorvido com os problemas do DOI, pouco tempo me restava para a família.
Diligências, relatórios e reuniões me levavam a estar permanentemente em contato com os problemas que ocorriam no DOI, que iam do risco de morte de meus subordinados, passando pela preocupação com a espera do filho de Linda, até a recuperação do pé de Eliane.
Os fins de semana, quando podia, eram dedicados à família. Ia com minha mulher e minha filha, de três anos, a um parque de diversões. Enquanto ela se divertia nos brinquedos, Joseíta atirava com espingarda de rolha e, como tinha boa pontaria, ganhava de brinde muitos maços de cigarros.
Na volta para casa, sempre preocupado, passava pelo DOI para ver o andamento do serviço.
A nossa ida até lá era ótima para nossa filha. Ela brincava com o Cabeção e a Neguinha, cachorros mascotes do Destacamento, corria pelo pátio, passava de colo em colo.
Para os meus comandados, a presença delas naquele órgão era um absurdo, pois eu estava contrariando as medidas de segurança. Quando chegávamos, alguns presos estavam no pátio tomando banho de sol. Eles poderiam informar às suas organizações que aos domingos eu costumava ir ao DOI acompanhado da família. Este era um dado muito importante, se houvesse interesse em me seqüestrar.
Em um desses fins de semana, quando chegamos ao DOI, Linda, Darcy, Márcia, Mari e Rioco tomavam banho de sol e escutavam música no pátio. Eliane fazia seus exercícios diários, amparada por um integrante do Destacamento. Eu havia recebido os resultados dos exames de Linda e comentara com minha mulher que uma das presas estava grávida. Joseíta, como sempre sentimental e romântica, se emocionou.
Imaginava Linda, sofrendo com a morte do companheiro e sem o apoio da família que morava no Rio. Há dias, insistia comigo para que a deixasse falar com ela. Eu relutava, apesar de que, no fundo, pensasse ser uma coisa boa. Nesse dia, ante a insistência dela, apresentei-a, juntamente com minha filha, às seis presas.
Tínhamos no carro muitos maços de cigarro. Minha mulher ofereceu-os a elas, que, no princípio, relutaram em aceitar. Conversaram um pouco e fomos embora.
Em outro fim de semana, a cena se repetiria. Assim, aos poucos, foi-se iniciando um relacionamento, no princípio frio e depois muito cordial. Nas conversas não tratavam de política ou de ideologia. Apenas havia um sentimento de apoio como se fossem vizinhas, separadas por um muro que não as impedia de dialogar.
A presença de minha mulher e de minha filha se tornou uma rotina para aquelas presas, não só aos domingos. Contavam com elas e, no horário do banho de sol, passeavam juntas pelo pátio. Essas moças não somente aceitavam como reclamavam a presença delas. Começaram as aulas de tricô, para fazer o enxoval do filho de Linda, e as aulas de crochê, em que eram feitas blusas para uso das moças. Enquanto isso, minha mulher trabalhava com elas, ensinando-lhes também tapeçaria. As outras, que não gostavam de trabalhos manuais, brincavam com minha filha. Ela era o ponto alto: gordinha, bonitinha, correndo pelo pátio, preenchendo as horas solitárias daquelas jovens.
Aos poucos, confiança adquirida de ambos os lados, respeitadas as medidas de segurança, começaram as confidências. Linda, falando do seu marido José Milton, do seu “aparelho” simples, mas com conforto, das cortinas de xadrez nas janelas, enfim, do seu lar. Eliane, lembrando, cheia de saudades, do marido exilado no Chile, trocado pelo embaixador suíço, do qual não tinha notícias. Darcy, de sua vida de dificuldades quando fora fazer o curso em Cuba. Mari, Márcia e Rioco de suas famílias e de seus planos para o futuro.
A respeito da narração acima, Ivan Seixas, filho de Joaquim Alencar Seixas, um dos assassinos de Boilesen, entre outros absurdos, em entrevista a O Nacional, de 01/04/1987, declarou que eu usava os serviços de minha mulher para cuidar das feridas e ajudar as presas torturadas a se recuperarem mais rapidamente. Segundo ele, minha mulher, além da fisioterapia, extraía informações que os interrogadores não haviam conseguido.
Afirmações típicas de uma mente deformada pela ideologia. Pela causa tudo, até absurdos inverossímeis desse gênero.
Nossa empregada preparava aos domingos alguma coisa gostosa, uma torta, um bolo e, às vezes, salgadinhos. Assim, o tempo ia passando e a barriga de Linda crescendo.
Todas já tinham sido interrogadas. Já haviam passado pelo DOPS. Era chegada a hora de mandá-las para o Presídio Tiradentes, onde aguardariam o julgamento, rotina normal para todos os presos. Linda, no entanto, pediu que a mantivéssemos no DOI, pois tinha certeza de que ali continuaria a ser bem tratada, a fazer o seu pré-natal. Sabia que no DOI teria toda a assistência até o momento do nascimento do filho.
Com a autorização de meus superiores, ela poderia permanecer até o nascimento da criança. As outras iriam para o presídio. Entretanto, Eliane, Darci, Mari, Márcia e Rioco pediram para continuar fazendo companhia a Linda.
Levando em conta mais o coração do que a razão, contrariando alguns de meus subordinados, levei novamente a situação à consideração de meus chefes imediatos. Com a permissão deles, aquelas seis presas permaneceram nas dependências do DOI até o nascimento da criança, quando então foram transferidas para o presídio.
Se o ambiente do DOI fosse, como dizem alguns, em livros e em entrevistas, onde os gritos atormentavam os presos, onde cadáveres eram vistos pelo pátio, por que essas presas preferiram permanecer no DOI até o nascimento da criança?
O relacionamento delas com pessoal do DOI era cada vez melhor. Comemorávamos seus aniversários e elas participavam de nossas comemorações.
Muitas vezes, almoçavam junto conosco no refeitório. Linda, além do que recebia dos seus familiares, preparava, junto com as outras, o enxoval e nós, os integrantes do DOI, fizemos uma lista e compramos um presente para a criança.
Finalmente chegara o dia. Linda teve, no Hospital das Clínicas, o seu filho. Era um menino moreno e forte. Mandamos flores, fomos visitá-la e partilhamos da sua felicidade.
Nós, os “assassinos”, “os estupradores de mulheres”; nós, que “obrigávamos as presas a atos libidinosos”, que “arrancávamos as unhas dos presos”, que “torturávamos os pais na frente de criancinhas”, que “provocávamos abortos em mulheres”; nós, os “monstros”, havíamos, durante oito meses, compartilhado da espera do filho de Linda, dando-lhe toda a assistência pré-natal, e participado do tratamento de Eliane. Nós tínhamos infringido normas de segurança e rotinas do Destacamento para manter juntas aquelas seis jovens que o destino colocara em nossas mãos e que preferiram ficar no DOI até o nascimento da criança.
Próximo capítulo: O Revanchismo
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12/05 - O revanchismo e as indenizações - última parte
www.averdadesufocada.com - Extraído do livro 'A Verdade Sufocada - A história que a esquerda não quer que o Brasill conheça' de Carlos Alberto Brilhante Ustra -
Autorizada a divulgação desde que mantido o texto na íntegra, o nome do site e o do autor.
Primeira parte - O Combate - publicada em 05/05/2009
Segunda parte - Nasce o filho de José Milton - publicada em 08/05/2009
Terceira parte - O revanchismo e as indenizações
No dia 05/09/1972, oito dias depois do nascimento do filho de Linda e José Milton, as presas que acompanharam a espera do bebê foram apresentadas ao Presídio Tiradentes, com o seguinte ofício:
“Ministério do Exército - II Exército - Quartel General
CODI/II Ex/DOI - São Paulo - SP - Ofício Nº 574/72-E/2- DOI”. Em 5 de setembro de 1972 - Do Chefe da 2ª Sec/II Ex
- Ao Senhor Dir de Recolhimento de Presos Tiradentes.
Assunto: Solicitação.
1 O Exmo Sr Gen Chefe do Estado-Maior do II Exército, Chefe do Centro de Operações de Defesa Interna, incumbiu-me de conforme entendimentos verbais mantidos entre o Comandante do DOI/CODI/II Ex e esse Diretor, solicitar-vos que as presas abaixo, ora apresentadas, sejam recolhidas em uma mesma cela, possibilitando, dessa forma, que seja por elas mesmas prestada assistência à Linda Tayah, a qual se encontra, ainda, em estado de convalescença, por ter dado à luz recentemente:
a. Rioco Kayano
b. Márcia Aparecida do Amaral
c. Mari Kamada
d. Eliane Potiguara Macedo Simões
e. Darcy Toshico Miyaki
f. Linda Tayah.
2 Na oportunidade, apresento-vos protestos de consideração.
(Ass) Flávio Hugo de Lima Rocha - Cel - Chefe da 2ª Séc/II Exército - Por Delegação: Carlos Alberto Brilhante Ustra - Maj - Cmt do Destacamento de Operações de Informações.”
Durante um período, enquanto houvesse beneficio para a criança - amamentação, contato físico com a mãe -, o bebê foi mantido com elas.
Observações: Os inquéritos e ofícios foram arquivados nos processos das presas.
Quando foi entrevistada por Luiz Maklouf Carvalho, para o seu livro Mulheres que foram à luta armada, publicado em 1998, Linda omitiu todo tratamento que teve no DOI.
Linda, além de omitir, mentiu quando afirmou que só não abortou seu filho durante as torturas, porque tinha um útero de ferro, e vai mais longe. Na mesma entrevista declarou: “Ele se sentia orgulhoso, achava que tinha cuidado de mim” (referindo-se a mim).
Será que no íntimo ela não reconhece o quanto fizemos por ela?
Linda Tayah ainda declarou a Luiz Maklouf Carvalho que deixou de ser interrogada no terceiro mês de gravidez, mas que permaneceu na OBAN porque o inquérito estava em andamento. Não é verdade. O que acontecia, normalmente, era o encaminhamento do preso ao DOPS, depois de ser ouvido no interrogatório preliminar no DOI. Portanto, após serem interrogadas, tanto Linda Tayah, como as outras presas, seriam enviadas ao DOPS, onde era aberto o inquérito e, se fosse o caso, seriam recolhidas ao Presídio Tiradentes para aguardar o julgamento. Elas, como já afirmei, pediram para permanecer no DOI por saberem que lá teriam melhor tratamento.
'Antes de a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos analisar o caso , praticamente a única informação que constava no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos era que José Milton fora morto em tiroteio no Bairro do Sumaré, ao lado do Cemitério do Araçá, na data citada, sendo enterrado como indigente em Perus, sob o nome falso de Hélio José da Silva' - Direito à Memória e à Verdade- livro lançado, em 2007, oficialmente, no Palácio do Planalto, pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, com pompa e circunstância.
Mas, ao longo do tempo, as versões sobre a morte do companheiro de Linda foram sendo modificadas de acordo com as conveniências e o revanchismo.
1 - Em 1971, no DOI, durante o interrogatório preliminar, ela declarou:
“Só sei que o “Rafael” não conseguiu disparar a metralhadora, assim como eu não consegui disparar o revólver . O policial se lançou no cano da metralhadora e se lançou no meu revólver. Não sei como ele conseguiu, mas se lançou. Sei que o “Rafael” foi alvejado primeiro do que eu, morreu no local mesmo, quase que instantaneamente e eu fiquei ferida na cabeça.”
Observação: Rafael era um dos codinomes de José Milton -
(Este depoimento foi arquivado no inquérito.)
2 - Em 1972, quando ouvida na 2ª Auditoria da Circunscrição Judiciária Militar, na presença do Juiz Auditor, do Conselho Permanente de Justiça, do Procurador de Justiça e de seu Advogado de Defesa, ela declarou:
“Viajava no interior de um automóvel com seu companheiro José Milton Barbosa, pela Rua Cardoso de Almeida, quando se viram diante de uma “operação arrastão”, da polícia. José Milton e “Marcos” estavam armados, logo saltaram do carro e travaram tiroteio com a polícia. Aliás, diz que só viu José Milton acionar o gatilho de uma metralhadora, mas esta não funcionou, e não sabe em que termos houve tiroteio, pois o certo é que José Milton correu e logo foi atingido. A interroganda correu atrás dele, e o viu morto, sendo também atingida, na cabeça, perdendo os sentidos.”
3 - Em 1998, no livro Mulheres que foram à luta armada, de Luiz Maklouf Carvalho, ela afirma:
“... A Ina do Zé falhou. Ele tirou a pistola. Me acertaram um tiro. Quando eu olhei, o Zé estava debruçado no volante, com os olhos entreabertos. Desmaiei, voltei a mim, peguei um cigarro na japona dele e ele saiu todo manchado de sangue.”
Apesar da própria Linda afirmar (1998) que José estava de japona, o livro Direto à Memória e à Verdade afirma que: ' o exame da foto encontrada nos arquivos do Dops /SP, mostra que, em pleno verão, José Milton trajava roupa pesada, com grossa japona de lã e calça de veludo, tendo o pescoço suspeitamente envolto em lenço ou cachecol com uma possivel intenção de acobertar sinais de violência.'
4 - Segundo o livro Dos filhos deste solo, de Nilmário Miranda, após a aprovação da Lei 9.140/95 - que indenizava mortos e desaparecidos políticos que estavam sob a guarda do Estado - e a constituição da Comissão Especial, que julgaria os pedidos de indenização, foi localizada Linda Tayah e seu filho. Ainda, segundo o livro, Linda fez, na ocasião, as seguintes declarações:
“... Quando voltei a mim, vi José Milton sentado ao volante desmaiado, não percebendo nele nenhum ferimento. ( e o cigarro ensanguetado, declarado em 1998 ?) Puseram-nos em duas peruas diferentes e nos levaram à Oban, para salas diferentes. Eu estava lúcida, embora em estado de choque...” ( mas não estava sem sentidos na declaração da Auditoria Militar, em 1972?)
Depois de tantas versões dadas por Linda e, depois de discutirem até se o José Milton estava ou não de japona no momento da morte, fato confirmado por Linda no livro Mulheres que foram à luta armada, a relatora na Comissão Especial, Suzana Keniger Lisboa, para decidir sobre a indenização, escolheu a última versão de Linda e declarou, segundo o mesmo livro de Nilmário:
“... que é impossível precisar em que estado ele chegou à Oban, mas é certo que de lá saiu morto.”
“Voto pela inclusão do nome de José Milton Barbosa por ter sido assassinado dentro da Oban, antro maior dos torturadores de São Paulo.”
A indenização foi concedida, sem que analisassem tantas contradições..
E assim, de mentiras em mentiras, eles vão falseando a verdade, passando-se por vítimas, escolhendo a versão que mais lhes interessa dos fatos.