O século XIX viu o surgimento dos últimos grandes Estados. Nesse século, não somente Alemanha e Itália fizeram seus aparecimentos no cenário mundial, mas, também, os Estados Unidos puderam realizar seu destino manifesto, transformando-se em um grande Estado continental.
O século XX, entretanto, conseguiu evidenciar as máximas expressões de estadolatria, com o aparecimento do fascismo e do comunismo, e, também, de importantes Estados surgidos do desmembramento dos impérios coloniais.
Acrescente-se que, durante os 50 anos que durou a Guerra Fria, o mundo girou em torno de um sistema de relações interestatais centrado em dois grandes Estados. A última década daquele século, entretanto, transformou-se na era do ocaso dos Estados.
Em nenhum momento da evolução histórica da humanidade os Estados encontraram-se em tal condição de desprestígio. O novo Direito Internacional aponta para concepções tais como: direito de ingerência, tutelas supranacionais, direitos humanitários e soberanias limitadas; todos os quais coincidem no desconhecimento da primazia estatal dentro da ordem internacional.
Por outro lado, o fenômeno da globalização vai carcomendo implacavelmente as funções dos Estados e as identidades sobre as quais estes se assentam, ao mesmo tempo em que o fenômeno étnico e os fundamentalismos vão escavando suas bases de sustentação.
Observa-se que o poder que anteriormente os Estados detinham atualmente tende a fluir em três direções distintas: para cima, orientado aos organismos supranacionais e coletivos; para os lados, em direção às organizações não governamentais; e, finalmente, para baixo, dirigido a regiões cada vez mais autônomas.
Particularmente chamativo é o duplo processo de desmontagem que se opera sobre o Estado, desde as instâncias da globalização e do fundamentalismo. Sob o influxo da globalização, os Estados vão se desfazendo de boa parte das funções que os caracterizavam, adentrando em processos de privatização e abandono de serviços públicos. Cada vez menos os Estados se distinguem das corporações privadas e cada vez mais vão se regendo pelas mesmas normas de competitividade.
Os cidadãos, crescentemente desassistidos e ansiosos, observam como ao seu redor tudo passa a reger-se pelas exigências e pela ética do capital privado. A inevitável erosão da lealdade do cidadão para com o Estado vê-se reforçada com o desgaste da identidade nacional que a globalização traz em seu bojo.
É o resultado inevitável da homogeneização planetária. De alguma maneira, o fenômeno globalizador vai pressionando, de cima para baixo, o Estado, através de uma intensa ação asfixiante. A única resistência capaz de interpor-se a essa ação devastadora e implacável é representada pelos núcleos de identidades subsistentes, ou seja, os fundamentalismos e os etnicismos desatados, que conspiram sistematicamente contra os Estados, destruindo seus alicerces.
Paradoxalmente, a crise do Estado tem vindo acompanhada do surgimento indiscriminado de novos Estados. Somente do desmembramento da União Soviética, da Iugoslávia e da Checoslováquia, surgiram 22 Estados independentes.
Porém, não foi somente no velho bloco socialista que se produziu este fenômeno. Países centrais dentro do mundo ocidental, como Canadá e Bélgica, confrontam a mesma ameaça. O porquê deste fenômeno está intimamente ligado à própria crise do Estado.
Quatro elementos centrais explicariam o processo em marcha: primeiramente, os núcleos radicais de identidade que buscam conformar Estados que atendam às suas particulares características.
Em segundo lugar, a possibilidade de encontrar, em nível planetário, os elementos de complementariedade e integração que davam sentido ao Estado. Em outras palavras, na medida em que os Estados se integraram globalmente, e deixaram de ser unidades de auto-sustentação, torna-se possível que suas regiões componentes possam aspirar a uma existência independente.
Em terceiro lugar, o próprio fato de que o êxito na economia global não é determinado pela quantidade de recursos naturais, mas sim, pela qualidade de seus recursos humanos. Os segmentos e regiões mais avançados do interior dos Estados começam a ver, como uma carga desnecessária, os territórios e porções sociais mais atrasados, buscando desvencilhar-se deles.
Em quarto lugar, sob a proteção dos organismos de segurança coletiva e do novo Direito Internacional, já é possível a subsistência de Estados débeis, tornando-se desnecessário o escudo protetor dos Estados mais fortes.
Em síntese, hodiernamente, a crise que o Estado enfrenta é a própria fonte de sua proliferação, ou seja, os Estados ampliam-se em quantidade, porém significam cada vez menos em termos de soberania e autodeterminação.
(*) Coronel-aviador; membro correspondente do Centro de Estudos Estratégicos da ESG, membro titular do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e vice-diretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.