O MAIOR acontecimento festivo dos indígenas no Rio Grande, antes da Guerra dos Índios, foi o Rito da Passagem – 25-06-1647 realizado às margens da lagoa Macaguá, atual açude Gargalheiras, município do Acari, de onde a notícia percorreu toda Europa e ficou na história da humanidade, sem a necessária atenção, a exemplo de outros fatos da terra Potiguar.*AF.
01- Rito da Passagem foi a grande festa realizada pelos índios Tarairiú, a 25 de junho de 1647, no mesmo local onde, atualmente está a Barragem Marechal Dutra1 ou Açude Gargalheiras, município do Acari-RN, 210km - Oeste de Natal.
02- Esse grande acontecimento foi levado ao conhecimento de toda Europa em 1651, pelo historiador francês Pierre Moreau, através de seu livro publicado naquele ano, em Paris - baseado no relato do holandês Roulof Baro.
03- Naquele ano – 1647, a bacia do açude Gargalheiras tinha o nome de lagoa Macaguá denominada pelos indígenas tapuias, do povo Tarairiú, chefiado pelo rei ou cacique Janduí – dominador de todo o sertão no então Rio Grande.
04- Depois de 360 anos – ainda sabemos muito pouco dessa ocorrência, no Rio Grande do Norte porque vivemos esquecidos da importância histórica e cultural daquele acontecimento para a coletividade nordestina e brasileira.
05- A festa do Rito da Passagem durou mais de uma semana com 3 a 5 mil2 índios, em torno da lagoa Macaguá, constituídos de mulheres e homens – crianças, jovens e velhos, vindos de outros locais do sertão.
06- As mulheres grávidas ali tiveram seus filhos, sob as árvores, durante o dia ou à noite, como parte da festa, segundo os costumes indígenas, sob a proteção dos pajés ou tuxauas, a exemplo do que se repete, hoje em dia, nas tribos indígenas.
07- O casamento de jovens – foi outra passagem significativa da festa, após muitas horas de preparação dos noivos, com suas tangas longas, feitas de grandes penas de emas e outras aves, expostas nas costas, desde a cabeça até a cintura, conforme os hábitos e as recomendações indígenas.
08- Os adolescentes e jovens masculinos foram, naquele mesmo dia, segundo a tradição nativa, marcados pelos pajés, com pontas de pau ou de osso, transpassadas pelos tecidos laterais do rosto, enquanto o sangue3 escorria, sem choro nem lágrimas, oferecidos ao deus Tauba.
09- Para que servia essa marca? Era o símbolo próprio do povo Tarairiú, conforme o seu maioral – Janduí, também assim caracterizado desde criança, como descendente do povo Gê, ainda existente no Brasil.
10- No final das tardes – início das noites, às margens da lagoa, as índias solteiras faziam as danças de roda, de mãos dadas, cantando e sorrindo, com gestos de alegria, esperando a hora do rito de união aos seus companheiros ou futuros maridos
11- O peixe, especialmente a Traira pescada, fartamente na lagoa, era um dos principais alimentos naqueles dias, além do milho e mandioca produzidos na região, pelos habitantes de então, enquanto o algodão5 era exportado para Europa por mercenários e piratas franceses.
12- No céu azul, o Sol banhava as montanhas e serras, enquanto as aves de rapina, inclusive a Macaguá ou Acauã6 – espécie de gavião, sobrevoava o espaço daquela lagoa, onde os indígenas jogavam os restos de comidas transformados em carniças para servir de alimentos aos animais.
13- Após um longo ritual de cura sobre uma criança doente, um dos feiticeiros Tarairiú – foi expulso7 daquele ambiente, pelo fato de não haver salvo o menino, com suas manifestações de rezas e bafejos de fumaça – próprios dos curandeiros nativos.
14- O cadáver daquela criança – foi motivo de culto com respeito e amor dos seus familiares, assim como de outros indígenas, ao ser cozido e comido, depois de ter sido oferecido aos participantes do ato canibal, sem ódio e vingança.
15- Nas semanas anteriores aquele encontro, os jovens índios fizeram, diante das moças tribais, as corridas do tronco em suas aldeias, como demonstração de força, coragem e masculinidade, visando conquistar8 as suas pretendentes para a união definitiva ou casamento dos homens brancos.
16- Durante o Rito da Passagem em Macaguá, o rei Janduí no silêncio de sua tenda, em companhia das suas mulheres9 e mais de 60 filhos, mais os feiticeiros e guerreiros de confiança – olhavam para o tempo, perdia a esperança no apoio manifestado pelo governo holandês para o combate aos portugueses que dominavam o litoral brasileiro.
17- Desde 1639 – Janduí procurava obter o esperado reforço dos holandeses10 para as lutas contra os portugueses, quando, naquele ano de seca, foi realizada a expedição de 2 mil índios10 do sertão até as proximidades do Rio Grande, atual Natal – como demonstração de força e decisão para a guerra aos lusitanos invasores.
18- A maior decepção de Janduí sobre o governo holandês no Brasil – foi quando houve a negação deste, em 1646 – para que o assassinato de Jacob Rabe, sob as ordens do coronel Joris Garstman, comandante do forte Ceulen, ex-Santos Reis, atual Reis Magos – fosse julgado e vingado pelos Tarairiú.
19- Na chacina11 de Cunhaú-Uruaçu – 1645, no Rio Grande, Rabe tornou-se o centro das atenções indígenas do sertão, após muitos anos de convivência com eles na qualidade de representante ou interprete dos flamengos junto às aldeias do povo Tarairiú, de onde vieram os guerreiros para a tomada do engenho de Cunhaú e a colônia de Uruaçu, em companhia desse agente holandês.
20- Para cessar o grito de guerra dos Tarairiú contra os portugueses, mediante o esperado reforço dos holandeses no Brasil – os diretores da WIC – Companhia das Índias Ocidentais, em Pernambuco – determinam ao seu agente, Rouloef ou Rodolfo Baro junto a Janduí, que fosse levar para este, os pacotes de presentes em machados, tecidos, espelhos, colares e pentes.
21- Fazia mais de 20 anos que Baro vivia com os índios do sertão no Rio Grande, para onde fora levado, aos 7-8 anos de idade, como sobrevivente do navio holandês Mar Azul, atacado e destruído - 1617 pelos portugueses no litoral do Rio de Janeiro – Ilha Grande, quando ele e o comandante foram os únicos salvos, levados presos12 para Salvador – Bahia.
22- Na sua terceira viagem a Macaguá, iniciada a 3 de abril – 1647, quando saiu de sua casa-fazenda Jacaré-Mirim, à margem do rio Potengí, atual município de São Gonçalo do Amarante – RN, Baro cumpria a missão do governo holandês, para evitar que os índios Tarairiú prosseguissem destruindo as plantações e o gado dos colonos.
23- No roteiro do Rio Grande – atual Natal, naquele período, havia somente matas, rios e serras, sem qualquer estrada, exceto o denominado Caminho de Garstman, até próximo de Santa Cruz, por onde Baro foi com quatro auxiliares, no percurso de 80 léguas13 – 480 km até Macaguá, no prazo de 80 dias, em virtude dos rios cheios e muita chuva.
24- A jornada não parecia ser das piores, considerando numerosas outras, feitas com Janduí e seus índios, não somente pelo sertão e litoral do Rio Grande, assim como pela Paraíba, Pernambuco e Alagoas onde ele esteve expulsando os colonizadores portugueses.
25- O rio Picuí – foi localizado por Baro e comitiva na direção Sul de Macaguá, no dia 22 de maio, quando foram vistos, naquele local, quatro guerreiros14 índios, montados em seus cavalos, dispostos em orientar os visitantes até a aldeia de Janduí, situada na margem da imensa lagoa Acauã-Gargalheiras.
26- O pai adotivo de Baro – Janduí recebeu o filho em sua tenda, com alegria e admiração, fazendo ao mesmo tempo, as reclamações sobre os holandeses pela falta de reconhecimento aos Tarairiú dispostos em expulsar os colonizadores.
27- No “altar para os céus” das serras de Macaguá, atual Acari, o prof. B.N Teensma – holandês, assinala que Baro passou mais de 30 dias, ao lado dos indígenas, vendo e participando15 do Rito da Passagem, falando, pensando, rindo, cantando e chorando com eles, relembrando os dias de sua infância e juventude.
28- Sem haver mais as fortes chuvas de maio-junho, Baro iniciou o seu regresso ao Rio Grande, dia 7 de julho, seguindo o mesmo roteiro de antes, até o forte Ceulen, onde se apresentou à tarde de 14-7, ao comandante Cornélio Bayaert, como interino de Joris Garstman, este convocado para ir a Pernambuco fazer depoimento sobre a morte de Rabe.
29- Antes da missão Macaguá, o alferes Baro havia adquirido em 1644, com o dinheiro do primeiro ano de serviços16 naquela Companhia, uma terra na aldeia Jacaré-Mirim, ao norte do rio Potengí, onde ele pretendia fazer agricultura e pecuária, nos anos seguintes, sem prejudicar suas atividades na organização holandesa.
30- Outra decisão de Baro foi a sua viagem à Holanda em outubro daquele ano, para o casamento com Lobberich Wijbrants, em Amsterdam, tendo regressado ao Brasil nos dias posteriores, com o fim de continuar na mesma função de antes.
31- Na expectativa do atendimento, a exemplo do que ocorria com outras pessoas comprometidas com o governo holandês em Pernambuco, inclusive o coronel Garstman – então comandante dos flamengos no Rio Grande, Baro apresentou requerimento aos diretores da WIC, no sentido de que ele fosse autorizado à criação de gado17 em sua fazenda, às margens do rio Potengi.
32- A permissão esperada – foi negada, no inicio de 1648, motivo pelo qual Baro preferiu afastar-se ou deixar18 a Companhia para cuidar, exclusivamente de sua fazenda, ao lado da esposa, na terra em que ele cresceu, ao lado dos índios, com quem aprendeu a ser livre, o que jamais ocorreu.
33- Em decorrência de tais questões – Baro preferiu, em agosto, quando completava cinco anos de função na Cia. das Indias Ocidentais, desligar-se da mesma, ou seja – demitir-se, pois os planos adotados19 anteriormente, estavam sem indicadores positivos.
34- Os sonhos de Baro, assim como de Janduí – a partir do Rito da Passagem ficaram no abandono20 e esquecimento, no mistério do tempo, ou seja, sem história, até mesmo na hora da morte, pois ambos não têm a definição dos motivos, datas e locais dos finais de suas vidas.
35- Apesar de quase 4 séculos desses acontecimentos – ainda podemos esperar que a cultura dos indígenas - seja reconhecida, admirada e respeitada na linha infinita dos três tempos, a partir do Acari, pelos grupos socioculturais do Brasil e necessariamente da Holanda que preferiram soterrar os fatos históricos e culturais dos Tarairiú.
36- No sub-solo e nas serras do Acari – ainda estão numerosas reservas da arqueologia indígena, sem o completo reconhecimento dos pesquisadores em Arqueologia, História e Cultura do país, particularmente do Rio Grande do Norte, apesar da localização de muitas peças, além de inscrições rupestres feitas pelos indígenas que viveram naquela região.
37- As informações colhidas até o presente, indicam que o município já dispõe de 70 sítios21 arqueológicos, sem considerar, certamente numerosos outros existentes naquela área, assim como os indicadores descobertos por curiosos ou leigos em pesquisa, interessados no reconhecimento dos valores antropológicos deixados pelos indígenas da caatinga do Seridó norte-rio-grandense.
38- A população atual do Acari – 11.209 habitantes – 2000, na sua maioria tem poucas informações sobre este assunto, menos ainda a maior vontade em saber dessa ocorrência histórica e cultural que poderia valorizar, cada vez mais, a sua origem no plano antropológico, como outro peso maior para a projeção cultural e histórica daquele município.
39- O descaso ou alienação sobre a história indígena tem a sua maior dimensão no Rio Grande do Norte, na segunda metade do século 17, quando foi concluída a extinção quase total dos índios, desde o litoral até o sertão por motivos territoriais adotados pela colonização dos europeus vitimas das guerras dos 100 anos naquele continente.
40- No final da 1ª. Guerra Mundial, dos 100 ou 80 anos, Filipe II, da Espanha, teria concluído o trabalho de expulsão dos protestantes das terras do reino espanhol22 até 1648, quando Rodolfo Baro, depois da missão a Macaguá, foi morto à margem do rio Potengi, sem ter os motivos de causa e efeito nos relatos da história.
41- O sistema de guerras pausadas, mas persistentes adotado pelos indígenas, mediante o uso de arcos e flechas, sem armas de fogo, sempre foi mantido, ao mesmo tempo em que ia tendo aprovação e assimilação dos europeus civilizados daquele longo período de colonização da Américas, mediante a tomada dos territórios ocupados pelos nativos durante muitos séculos anteriores gestação da Guerra de Guerrilhas
42- Na segunda década do século 16, ao ser desenhada a Reforma Protestante, a partir de 1517 – o mundo de então estava com água fervendo na chaleira ou plantando a semente das guerras em solos áridos, sem adubação, conforme a movimentação das lideranças religiosas e políticas que pretendiam se manter em evidência, de qualquer maneira, inclusive com as revoltas e futuras guerras
43- Os nativos jamais poderiam absorver o conhecimento da situação mundial em que estavam inseridos, porém o Rito da Passagem organizado por eles constituiu, por analogia dos fatos, a maior demonstração de força e união em favor dos holandeses e contrária aos portugueses na disputa do nordeste brasileiro.
44- Naquele momento histórico, a Holanda era rainha do oceano – com a maior frota de navios do mundo, visando à sua expansão econômica e religiosa, sem depender de outras nações, ao mesmo tempo em que fazia dos povos vizinhos – o seu maior instrumento de riquezas, com franceses, alemães, ingleses e até mesmo portugueses sob a sua dominação – o forte sobre os fracos.
45- Quando em 1517 – eclodiu a Reforma Protestante na Europa, a Espanha de Filipe II estava em decadência, ao mesmo tempo em que fazia a expulsão dos protestantes das possessões espanholas, motivo pelo qual a Holanda ficou sem acesso aos portos do domínio espanhol, razão pela qual estes foram atingidos pelos flamengos, sob alegação de que também tinham direitos sobre os mares territoriais ibéricos, em decorrência de acordos anteriores.23
46- Os reformistas da Igreja Cristã Reformada – ICR, de Lutero e Calvino tentaram pela primeira vez – 1557-1558, através dos seus adeptos, dominar o Rio de Janeiro, sem sucessos, seguidos pelos holandeses, na segunda oportunidade – sobre Salvador-Bahia – 1624-1625 e, finalmente em 1630-1654 com a invasão de Pernambuco, mediante o apoio de refugiados na Holanda – vindos da França, Bélgica, Espanha, Alemanha, Polônia e judeus dispersos pelo mundo.
47- Os brasilianos dos europeus – indígenas brasileiros desconheciam toda aquela situação política do Velho Continente, mais a sua condição humana de povos semelhantes aos demais, daí porque eram tratados como animais selvagens, tanto na Europa como nas Américas, sendo que nestas tinham o seu próprio canibalismo, a exemplo dos civilizados que souberam, muito bem, reforçar esse hábito de sobrevivência para justificar o propósito de dominação dos nativos, suas terras e dos seus produtos.
48- Além do propósito religioso – Reforma de Calvino para o Brasil, os europeus e principalmente os holandeses, ao lado dos brasileiros, pretendiam conseguir os produtos da terra brasileira, sobretudo o açúcar para comercialização em toda a Europa e demais continentes pois desse modo seria ampliada a riqueza dos pretendentes que, naquela altura, tinham sua economia nacional em frangalhos que deveria ser recuperada.
49- No esforço emocional pela libertação, com as revoltas, guerras e demais gestos de bravura, coragem e decisão, o cacique Janduí, juntamente com seus auxiliares de confiança esperavam ter o apoio dos holandeses para combater e expulsar os portugueses do Nordeste, sem imaginar que esse plano seria impossível com a falta de decisão política dos flamengos que consideravam o açúcar como fator primordial para reforçar a economia flamenga.
50- Na mesa do jogo de Dom João IV – rei de Portugal, o Brasil=Holanda constituía uma das melhores cartas para que fosse mantida a coroa do reino, independente de maiores considerações e decisões que pudessem garantir a possessão feita em 1500, apesar do governo flamengo sobre o Nordeste – 1633-1644, com Maurício de Nassau.
51- Holanda-Portugal, no reinado de Dom João IV, mantinham boas relações sobre os negócios brasileiros, sendo esta uma das razões pelas quais o rei não tinha grandes preocupações a respeito das rivalidades indígenas com os portugueses, segundo a recomendação dos flamengos em benefício dos seus propósitos administrativos.
52- Por esses motivos e com os seus interesses menosprezados pelo governo Nassau, então teve inicio o movimento de resistência aos holandeses, sob a vontade de Henrique Dias - líder dos escravos, João Fernandes Vieira – Senhor de Engenho e Felipe Camarão - pelos indígenas do litoral, enquanto Janduí com seu povo ficara nas fileiras do governo esperando no sertão que fosse organizada a guerra
53- Antes do conflito, Fernandes Vieira fora beneficiado com doação das terras de latifúndio desde o Ceará-Mirim até Touros, no Rio Grande para a exploração da cana de açúcar, tabaco e outras espécies, sem nunca haver tomado posse das mesmas, assim como aconteceu no Vale do Açu, naquela época, certamente porque não obtivera recursos financeiros do seu engenho em Pernambuco, tampouco do governo Nassau.
54- As terras concedidas a Fernandes Vieira – Ceará-Mirim, também foram invadidas pelos índios do sertão – em 1639, quando Janduí, com mais de 2 mil nativos fez uma demonstração de força, desde o sertão até o litoral do Rio Grande, ao governo holandês para combater ou expulsar os portugueses e seus aliados, do território brasileiro de então, pelo que os governantes resolveram negar o apoio aos revoltosos, sem explicar os motivos para essa decisão.23
55- Os numerosos conflitos ou pequenas guerras dos europeus com os indígenas do antigo Rio Grande ou Nordeste foram realizados periodicamente, durante mais de dois séculos da colonização, nos locais mais diversos – onde, preferencialmente os exploradores começavam as suas atividades agrícolas e pecuárias sob autorização do reino de Lisboa.
56- Os governantes de Portugal e demais países europeus interessados na exploração do território nordestino, jamais tiveram as suas posições definidas e organizadas a esse respeito, principalmente no tocante a Portugal e Holanda, durante a segunda metade do século 17 – quando os acontecimentos em questão tiveram as maiores proporções.
57- Na grande manobra colonialista – Holanda e Portugal souberam fazer muito bem a maior jogada de todos os tempos – levando ao Tribunal Internacional de Haia a questão dos indígenas com esses países, em que a Holanda entrou como vitima, ou seja – deveria ser indenizada pelos seus feitos em Pernambuco, sem fazer com que Portugal perdesse a colônia.24
58- Sem reagir sobre os planos de Portugal para que os holandeses fossem expulsos do Brasil, após 20 anos de dominação25 eis que Holanda fez a sua representação àquele Tribunal em 1654z , visando ao exame e julgamento dos acontecimentos pela corte sediada naquela cidade holandesa, portanto suspeita de independência para tratar do assunto.
59- Somente depois de 15 anos da representação – 166926 houve o julgamento da questão em favor da Holanda, mediante a indenização de 4 milhões de cruzados, a serem pagos pelo reino de Portugal, equivalentes a 63 toneladas de ouro exploradas nas colônias portuguesas, calculadas em 650 milhões de dólares atuais.27
60- Sob as numerosas ameaças da Holanda, temendo que Portugal continuasse indeciso ou passar o calote nos flamengos, estes pretendiam retornar à colonização do Nordeste – se os portugueses não cumprissem os seus compromissos ou deixassem de recolher o dinheiro que ficou acordado no Tribunal Internacional.
61- Nos quatro governos seguintes – 1669ª1709, o pagamento ou integralização do débito de Portugal com Holanda foi realizado no decorrer de 40 anos, sem haver saída para nem um desses governantes28 que por si sós queriam apenas evitar os choques ou guerras com os nirlandeses – poderosos de então no plano internacional.
62- No decorrer de todo esse período os indígenas do Nordeste continuaram o combate aos colonizadores europeus e brasileiros que tomavam conta das terras e todo o patrimônio natural, cultural existentes nos quatro pontos do território brasileiro, onde os nativos tinham apenas as flechas e setas para enfrentar os seus adversários que importavam as armas de fogo contrabandeadas da Europa.
63- O velho guerreiro Janduí, erguendo a bandeira das tribos revoltadas com os portugueses e holandeses continuava combatendo e sendo motivo de perseguição, fazendo guerras pelo Nordeste, contrariando as determinações da Coroa Portuguesa, assim como o apoio dos índios fixados no litoral, sob a liderança de Poti - batisado de Felipe Camarão.
64- O cacique Canindé, filho de Janduí – foi perseguido e preso, no final do ano de 1687, juntamente com mais de 9 guerreiros seus, como aliados dos holandeses, por Afonso de Albuquerque Maranhão que fez a entrega dos prisioneiros ao capitão-mor Pascoal de Carvalho.
65- Em seguida, Canindé foi batisado com o nome de João Fernandes29 Vieira, conforme a recomendação da Igreja Católica adotada pelos governantes de Portugal – para que houvesse assim a conversão religiosa, bem como o ingresso do mesmo no sistema do reinado.
66- A terceira providência em cima de Canindé – constou de sua transferência para a formação de uma aldeia, na localidade Jundiá-Peroba – na tapera de Lucas Gonçalves, do atual município de Goianinha, onde havia um grande poço em que o cacique fora depositado sob a forma de castigo.30
67- Para enfrentar os guerreiros de Janduí, o bandeirante Domingos Jorge Velho com 1.300 índios e apenas 150 soldados brancos, foi designado para sair do Piauí – onde combatia os escravos em 1688, com destino ao Rio Grande – fazer o extermínio dos índios que estavam amotinados, esperando o momento para a marana=guerra aos seus inimigos.
68- Naquele ano de 1688 – o Rito da Passagem em Acari – estava com 41 anos da sua realização, enquanto o retorno de Maurício de Nassau para Holanda completava 34, – sem a presença dos holandeses que assumiram a ocupação do Nordeste em aliança com as tribos nômades do sertão
69- A guerra dos índios – também estava prosseguindo na Paraíba, de 1690 1720 com a média de 10 mil guerreiros tribais destituídos das armas usadas pelo inimigo, com baixas sucessivas até 1750, a exemplo das demais colônias nordestinas que ficaram naquela situação de recuo, em busca de outros locais, assistindo à perseguição e morte dos resistentes ao extermínio dos indígenas sob a determinação dos colonizadores.31
70- Recorde-se que desde 1570, segundo a primeira lei da Coroa portuguesa, neste sentido, os indígenas da colônia brasileira estavam isentos32 da escravização que vinha sendo feita naquele período, mesmo que fossem antropófagos, a exemplo dos aimorés da Bahia, além de outros que viviam no nomadismo das caatingas e florestas tidos como “animais sem fé e alma”.
71- A escravidão feita aos índios não constava apenas de trabalhos forçados no decorrer da colonização nas plantações da cana de açúcar, mas, antes disso, pela expulsão de seus territórios mantidos desde os tempos primitivos, seguida pelas perseguições e mortes quando resistiam, daí resultando mais de 1 milhão33 que foram exterminados.
72- No espírito do Rito da Passagem, de modo sub-consciente, predominavam esses fatos, além de toda a história dos índios nas relações com os colonizadores, assim como os seus antecedentes de muitos séculos, desde 1500, mais os posteriores em que se verificam o abandono e alienação da história e cultura do país em que o Rio Grande do Norte tornou-se a única das unidades – sem os legítimos descendentes indígenas.
73- A Ultima Grande Festa indígena no Rio Grande foi o Rito da Passagem no Acari – 25-06-1647, quando o rei ou tuxaua Janduí convocou as tribos do sertão para comemorar a safra de milho, jerimum, mandioca e outros produtos agrícolas, ao mesmo tempo em que reunia os seus aliados sobre a expectativa da marana34 provocada pelos invasores.
74- Naquela grande festa indígena, o mais importante foi o fato ou demonstração de poder, visando ao início da guerra, mediante o esperado apoio dos holandeses, para o combate aos portugueses que pretendiam voltar ao domínio do Rio Grande e todo o Nordeste, depois que os indígenas fossem eliminados de todas as formas do seu território nativo, dando lugar à exploração das terras.
75- Com este número 75 – sobre o Rito da Passagem fazemos uma homenagem ao sociólogo35 Aldo de Melo Freire, falecido em 1975, com 35 anos de idade – Boulogne, Paris, acometido de câncer no fígado, depois do auto-exílio na França, pelo fato de ser perseguido no Brasil como adversário do regime militar, em decorrência da ação clandestina a favor da liberdade política contemporânea, além da indígena. No último ano de vida – Aldo escolheu para a sua filha, o nome de Jussara,36 da língua Tupi, em memória dos valores indígenas brasileiros, através da palmeira com a mesma denominação.
76- Porque Acari ou Macaguá no último Rito da Passagem organizado por Janduí e os seus subordinados, considerando que no território dos Tarairiú havia outros locais no Rio Grande, onde eles se reuniam, faziam suas festas e seriam de acesso mais fácil, tendo além disso o rio e os peixes, além da caça vivendo nos maiores espaços vegetais?
77- Na Serra Verde, proximidades do atual município de João Câmara – ex-Baixa Verde, assim como perto da igreja do Açu, quando a mesma não existia, além de outra área adjacente à lagoa do Piató – os indígenas do sertão de Janduí – também faziam reuniões de festas, tinham suas moradas embaixo das árvores, além de choupanas ou tapuia do nomadismo em que viviam, daí porque os civilizados passaram a chama-los com esse nome da língua Tupi-Tarairiú.
78- A Casa de Pedra, situada ao Leste da cidade de Martins-RN, com vasto espaço em forma de caverna – foi outra grande área de repouso dos guerreiros indígenas Tarairiú, situada no alto de uma serra, sem rios, nem lagoas, apesar de clima saudável, frio à noite, sem ter a preferência para as grandes concentrações dos selvagens .
79- Hoje em dia – a Casa de Pedra constitui um ponto turístico naquela cidade, muito procurado e visitado, sem haver a exposição de sua história, tampouco o aproveitamento cultural, motivo pelo qual os turistas e habitantes da região, conhecem muito pouco acerca deste assunto.
80- Nem parece que no interior e exterior da Casa de Pedra, o prof. Fernando Gastón Laroche coletou37 em 1983, mais de 5 mil peças líticas deixadas pelos índios, com estimativa de 100 mil anos atrás – para efeito de estudo e pesquisa que poderiam ter sido realizados pela UFRN, depois de ali depositadas para efeito de acervo, sem ter havido essa consideração, razão pela qual, significativa parte desse material desapareceu dos arquivos, enquanto o restante teve de ser recolhido ao Museu Municipal de Martins.
81- Os indígenas, à semelhança de outros seres humanos, davam preferência à
vida nas grandes altitudes, de clima ameno e suave, onde tinham
abundância da caça e às vezes da pesca, para a sua alimentação, bem-estar,
com ar frio e chuvas mais constantes, servindo ainda de amparo e defesa
dos inimigos - seus perseguidores, sendo essas as razões por que o último
Rito da Passagem foi realizado em Macaguá, sob a claridade das estrelas e
Lua – onde a energia cósmica fortalecia as mulheres e homens.
82- Felizmente, depois de tudo isso, ainda hoje um dos artesãos de Martins, tem
as suas carrancas em cerâmica com 1,00m de altura – expostas em cima de
um muro, com todas as características dos indígenas Tarairiú, para efeito
de valorização e a preservação dessa etnia que marcou a história do Rio
Grande e do Nordeste, antes e depois da colonização. Arlindo Freire*
....................................................................................
Notas:
1. No encontro das águas dos rios Acauã e Piancó – braços do Piranhas, formou-se a lagoa Macaguá, antes de haver o município do Acari-RN, muito freqüentada pelos indígenas Tarairiú. Mapa do Rio Grande do Norte – 1997.
2. Os números mencionados resultam de cálculos comparativos baseados nas indicações de Mello – Antonio Gonsalves de, 2001– p. 215.
3. As faces e lábios inferiores dos jovens recém casados – eram perfurados com lascas de pedra branca, como sinal de caracterização do povo Tarairiú, enquanto o sangue – servia, juntamente com a fumaça produzida no mesmo ambiente, de honra ao deus Tauba. Teensma – B. N, Edufal, 2000 – Vol.II, pp.94, 95.
4. Pintura de Albert Eckhout - dança de roda, das jovens indígenas, feita durante a estada do pintor holandês no Brasil, em companhia do príncipe Maurício de Nassau, como representante daquele país – para colonizar o território brasileiro.
5. O milho, mandioca e algodão faziam parte da “agricultura permanentemente possível” durante todo o ano, na Serra Macaguá, atual Serra de Santana, até o século 17, motivo pelo qual, os indígenas Tarairiú costumavam passar todo o verão naquela área de muita fartura, segundo Teensma – BN, 2000 – Edufal, Vol. II, p. 86.
6. Idem, idem – p.87.
7. Idem, idem – p.95.
8. Idem, idem – p.93.
9. Medeiros Filho, Olavo de – 1998 – p.53: o cacique ou chefe Janduí chegou a ter 60 mulheres – poligamia dos Tarairiú.
10. Desde 1639 Janduí estava disposto em fazer a guerra contra os portugueses, mediante o reforço dos holandeses, motivo pelo qual efetuou a jornada de 2 a 3 mil índios do sertão para a sede da capitania, contrariando as recomendações da WIC – Companhia das Índias Ocidentais, organizada pelos holandeses.
11. Teensma, B.N, idem – p.88.
12. Idem, idem – pp. 81 a 85.
13. Idem, idem – pp.89, 91
14. Idem, idem – p. 94.
15. Idem, idem – pp. 94, 95.
16. Idem, idem – p. 86
17. Conselho Supremo da WIC nega o pedido feito por Baro, para que ele fosse autorizado a criar gado em sua fazenda Jacaré-mirim, à margem do rio Potengi. Mello, José Antonio Gonsalves de – 2001 p.213. Nota ao pé da página.
18. Por esse motivo – Nota 18, é provável que Baro tenha feito o seu pedido de demissão da WIC, a 19 de agosto de 1648, sem ter essa alegação assim como outras, inclusive a de que o futuro dos holandeses no Brasil estava praticamente perdido, ou seja, não poderiam vencer as lutas contra os portugueses. Para o seu lugar, dia seguinte – 20 de agosto, Pieter Persijn foi nomeado para exercer a função de Baro. Mello, José Antonio Gonsalves de – 200l, p. 213, ao pé da pagina.
19. Os planos de Baro e Janduí, desde 1647, estavam praticamente, sem qualquer indicativo de sucesso, considerando que daí por diante, os governos de Portugal e Espanha dominavam a situação contrária aos holandeses.
20. Apesar dos seus atos de projeção para a história, tanto Janduí quanto Baro ficaram sem os registros dos locais e datas de suas mortes, por motivos inexplicados, em decorrência da escassez de pesquisa, assim como o propósito dos civilizados – visando extinguir os indígenas do sertão no semi-árido do nordeste brasileiro, mais precisamente no Rio Grande dos séculos 16 e 17, ao contrario do que se verificou com outras lideranças do mesmo período.
21. Fonte: www.turismobrasil.gov.br
22. Shhalkwijk, Frans Leonard, revista História Viva, edição 4 – Fevereiro, 2004.
23. Gonsalves, Antonio de Melo – 1987, p.215.
24. Revista Veja, 11.11.98: Site - Leite, Paulo Moreira, pp.1-4.4.
25. Idem, idem + idem.
26. Idem, idem, + idem.
27. Idem, idem + idem.
28. Idem, idem + idem.
29. Medeiros Filho, Olavo – 1984, p. 120. Cascudo, Luis da Camara – 1984, p .97
30. Idem, idem + idem.
31. História da Paraíba em Fascículos – Cap. IV, p.19 - Governo José Maranhão,
2001-2 - Edição: Gráfica União – Oferta de Francisco Trindade Luna – 2001,
Coordenador Técnico.
32. Boris, Fausto – 1998, pp. 37,38.
33. Darcy, Ribeiro – 1995, p. 105.
34. Marana - TupiGuaraní = Guerra, batalha, combate, briga. Bueno, Francisco
Silveira, 1995 – p. 210.
35. Jussara Freire, socióloga – Universidade de Campos- RJ.
36. Durante a sua vida – depois de ter sido seminarista, Aldo ingressou no
movimento político denominado AP – Ação Popular , tendo por base
de atuação os estudantes, universitários e trabalhadores das mais diversas
categorias, inclusive os desempregados e marginalizados. Nota do autor.
37. Spencer, W. Barros – 1996, pp.32,33 – Brochura. Grifo do autor.
38. Idem – idem.
.........................................................................
* = O autor é jornalista e sociólogo pela UFRN, sócio-efetivo do IHG-RN e
fundador do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Norte.