Por que o Acordo Brasil-EUA para combater cartéis, vigente desde 2003, é um autêntico “Acordo de Patetas”?
Porque – contrariamente ao seu objetivo, que é facilitar a troca de informações entre as partes – tal Acordo coloca obstáculos intransponíveis à troca de informações.
O mais extraordinário nessa trapalhada é que a justificativa do provocante rótulo “Acordo de Patetas” se encontra apoiada na interpretação oficial dos termos do tratado, dada por ninguém menos que a Procuradoria Geral da República (PGR).
A interpretação da PGR
Conforme a interpretação do Acordo feita pela PGR, as investigações realizadas no Brasil sobre um determinado cartel só têm que ser notificadas às autoridades norte-americanas se – dentro da própria investigação do cartel – forem coletados indícios que seus integrantes também praticam o mesmo crime nos Estados Unidos.
E é essa intransponível distância entre os termos do Acordo e o mundo real o fato que justifica chamá-lo de “Acordo de Patetas”.
Ora, os cartéis internacionais são dirigidos por criminosos do colarinho branco capacitados bastante para não deixarem pistas de sua atuação. Assim, é praticamente impossível encontrar indícios, em uma investigação realizada no Brasil, da atuação criminosa dos integrantes do cartel nos Estados Unidos.
A interpretação da PGR que transformou em letra morta a razão de ser do Acordo está contida no Procedimento Administrativo nº. 1.16.000.002028/2004-6, instaurado para decidir se as investigações sobre o “Cartel do Oxigênio” teriam, ou não, que ser encaminhadas às autoridades norte-americanas.
O relator do Procedimento Administrativo, Procurador Pedro Nicolau, mandou arquivá-lo, declarando: “O tratado apenas obriga as partes soberanas a notificarem uma à outra a respeito de investigações que coletem indícios de que os cartéis apurados também atuam no território da contraparte”.
Posteriormente, ao relatar o recurso interposto contra tal decisão, o Subprocurador-Geral da República Paulo de Tarso Braz Lucas entendeu que “não merece reparo o despacho de arquivamento”. Acompanhando o voto do relator, a Câmara de Revisão da PGR referendou o entendimento do Procurador Pedro Nicolau.
Ninguém, dotado de mínima capacidade de discernimento, pode ousar negar que, comparando a interpretação da PGR com os termos do Acordo no qual as partes se comprometem a trocar informações – exceto “se o fornecimento de tal informação for proibido segundo as leis da Parte detentora da informação, ou se for incompatível com os importantes interesses daquela Parte” – dá para concluir, sem medo de errar: o Acordo, de fato, merece ser chamado de “Acordo de Patetas”.
A omissão das autoridades
Apesar de toda essa trapalhada, existe um aspecto ainda mais preocupante: a omissão das autoridades diante do instigante termo “Acordo de Patetas”, utilizado para tratar um acordo firmado por dois países do porte do Brasil e dos Estados Unidos sobre “matéria de importância crucial para o funcionamento eficiente dos mercados e para o bem-estar econômico dos cidadãos dos seus respectivos países”.
Tal omissão é absolutamente inadmissível. Principalmente, porque basta uma simples alteração no Acordo para impossibilitar a interpretação que o está aniquilando. E, o Acordo, conforme seu artigo XII, está aberto a modificações.
A propósito, em carta datada de 07 de fevereiro de 2011, o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, responsável maior pelo combate ao crime de formação de cartel no país, foi informado das razões pelas quais o Acordo Brasil-EUA é chamado de “Acordo de Patetas”.
Considerações finais
Nesses dias da visita de Obama ao nosso país, diversos acordos de cooperação foram firmados entre Brasil e Estados Unidos. Para que tais acordos não percam seus objetivos – como o Acordo Brasil-EUA para combater cartéis perdeu – a atenção a seus termos deve ser redobrada.
Cumpre informar que não existe unanimidade com relação ao entendimento da PGR.
Diversas autoridades que se manifestaram no Procedimento Administrativo a respeito do compromisso de notificar os EUA sobre as investigações contra o “Cartel do Oxigênio”, sintomaticamente, ignoraram a incontornável exigência de coleta “dentro da própria investigação” de indícios da prática do mesmo crime no mercado norte-americano.
Incontestavelmente, a única maneira de saber se o Acordo Brasil-EUA para combater cartéis merece, de fato, ser chamado de “Acordo de Patetas”, é a comparação da interpretação da PGR com a íntegra do Acordo, disponibilizado no endereço a seguir:
João Vinhosa é engenheiro - joaovinhosa@hotmail.com
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