Idas e vindas da Raposa Serra do Sol
(publicado no Boletim nº 12, de dezembro de 2018 do Movimento de Solidariedade Ibero-Americana)
A celeuma deflagrada pela declaração do presidente eleito Jair Bolsonaro sobre a sua intenção de rever a demarcação contínua da gigantesca Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, remete ao cerne da orientação antinacional conferida à questão indígena desde o infausto governo de Fernando Collor de Mello (1990-92), cuja submissão às pressões internacionais na formulação das políticas ambientais e indígenas deu o tom seguido pêlos seus sucessores - até agora.
Apesar de Bolsonaro ter recuado da proposta menos de 48 horas depois, sob pesado bombardeio dos setores jurídicos e midiáticos que apoiam o aparato ambientalista-indigenista que opera no País, o mero fato de ter se atrevido a externá-la reforça a impressão de que seu governo será o primeiro com a determinação de confrontar aquele mecanismo antinacional e neutralizar as suas ações deletérias, que tantos prejuízos têm causado ao País.
Efetivamente, como a demarcação contínua da área de 17500 quilômetros quadrados, com a retirada forçada de todos os "não índios" que nela habitavam, foi objeto de uma decisão do Supremo Tïibunal Federal (STF), em 2009, ela não poderia ser revertida por um simples decreto presidencial, como apressou-se a observar o ex-ministro Carlos Ayres Britto, um dos que mais se empenhou no processo demarcatório.
Não obstante, a polémica foi oportuna para destacar o fato geralmente esquecido de que as terras ocupadas pelos indígenas pertencem à União, que pode autorizar a realização de atividades econômicas nelas, com a devida autorização do Congresso Nacional. Até agora, o poderio do ativismo indigenista e a aceitação das suas diretrizes por sucessivos governos têmimpedido tais iniciativas, haja vista a forma vexatória como foram escorraçados os orizicultores que produziam arroz irrigado com alta eficiência em 100 mil hectares, menos de 6% da área englobada pela colossal reserva roraimense.
Em paralelo, como anunciou a futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina, a questão crucial da demarcação de terras indígenas será retirada da Fundação Nacional do índio (Funai), passando para um conselho interministerial integrado pelas pastas do Gabinete de Segurança Institucional, Defesa, Meio Ambiente, Agricultura e Mulheres, Família e Direitos Humanos (à qual a Funai será agregada).
Não era sem tempo, pois a Funai tem atua do como o órgão executivo da agenda indigenista no Brasil, de forma quase sempre conti ria aos interesses maiores do País, inclusive, dos próprios indígenas, mantidos na condição de subcidadãos a serem permanentemente tutelados pelo Estado.
Por outro lado, um cartão de visitas de alto simbolismo que o novo governo poderia apresentar imediatamente seria a autorização para o início imediato das obras da linha de transmissão Manaus-Boa Vista, projeto crucial para o abastecimento elétrico de Roraima, até agora bloqueado pelo aparato encabeçado pela Funai, pelo fato de o traçado atravessar um trecho de 125 quilômetros da Terra Indígena Waimiri Atroari, como temos relatado regularmente neste Alerta. O governador eleito e interventor nomeado do estado, António Denarium (PSL), do mesmo partido que Bolsonaro, já fez tratativas junto ao presidente eleito para tirar o projeto do papel o quanto antes, o que enviaria ao aparato ambientalista-indigenista um recado decisivo de que a sua hegemonia chegou ao fim.
A demarcação da Raposa Serra do Sol em área contínua, contrariando as posições do Congresso Nacional, das Forças Armadas, do Judiciário estadual, das forças políticas e da maior parte da população de Roraima, foi um dos símbolos da ingerência externa na formulação das políticas públicas brasileiras, na área indígena. Em abril de 2005, antes da homologação da reserva, o então governador de Roraima, disse ao jornal Folha de S. Paulo (24/04/2005) que o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou as pressões externas: "O presidente Lula disse na minha frente e da bancada [do estado] que toda vez que ia ao exterior recebia pressões e reclamações favoráveis à homologação da reserva. Disse que ele tinha pressa em atender a essas demandas".
No mesmo diapasão, durante uma visita a Boa Vista, em junho de 2010, o então ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra respondeu assim às queixas sobre a inviabilização do estado para um modelo de desenvolvimento baseado na agroindústria, devido à colossal extensão das áreas de proteção ambiental e indígenas: "A população de Roraima está pagando o preço em função da necessidade nacional de respeitar o conceito de desenvolvimento sustentável... tem que ser considerado que o bioma da Amazónia é um dos mais importantes do planeta e esse seria um preço a se pagar (Fo-Iha de Boa Vista, 10/06/2010)".
Depois, foi a vez do já então ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Em uma palestra na Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA), em 27 de maio de 2011, ele disse sem rodeios a um grupo de lideranças políticas e empresariais da Região Amazônica: "Realmente, o estado de Roraima foi submetido à intervenção do Governo Federal, mas foi para cumprir as determinações do STF. O Brasil tem que cumprir compromissos internacionais assumidos para a proteção da natureza e minorias indígenas. Então, vocês de Roraima podem esquecer a ideia de se desenvolver utilizando os recursos minerais, hidráulicos e a produção agrícola. Roraima tem só 450 mil habitantes, se sobra apenas 6% da área, têm que pensar emoutra forma de desenvolver o estado (Notícias Agrícolas, 10/06/2011)."
A virtual interdição de vastas áreas do território nacional para atividades económicas modernas, principalmente, projetos de infraestrutura, denota o sucesso da campanha de mais de três décadas movida pelo aparato ambientalista-indigenista internacional contra o desenvolvimento do Brasil.
Nenhum outro país aceitou de forma tão determinante as pressões e os condicionantes impostos pêlos ativistas e governos estrangeiros, neste caso, em troca de recursos "a fundo perdido", para financiar projetos de proteção ambiental e dos indígenas e parte das próprias atividades dos órgãos responsáveis pelos dois setores. Com a decisão de 2009 sobre a Raposa Serra do Sol, o STF chancelou tal ingerência, sinalizando a chancela do Judiciário brasileiro ao conceito de "soberania relativa" implementado pelos altos círculos do Establishment oligárquico anglo-americano, como parte da sua agenda denominada a "Nova Ordem Mundial" pós-Guerra Fria. Tal aberração jurídica somente atiçou a gana daquele aparato intervencionista, que passou a contemplar planos bem mais ambiciosos, a exemplo do famigerado "Corredor Triplo A", oportunamente denunciado pelo presidente eleito (Alerta Científico e Ambiental, 29/11/2018 e 13/12/2018).
Em um contundente artigo publicado no Jornal do Brasil de 30 de outubro de 1993, o jurista Clovis Ramalhete, ex-integrante do STF, afirmou categoricamente que o capítulo da Constituição de 1988 referente aos indígenas (Art. 231 constituía uma "ameaça à organização nacional à sua integridade e ao desenvolvimento", sugerindo a sua revogação.
Em algum momento do futuro próximo, c Brasil se verá diante da necessidade da adoção de uma reforma constitucional, para colocar o princípio da soberania nacional sobre qualquer legislação que possa violá-la. E, ao mesmo, terá que rever a misantrópica diretriz segregacionista da política indigenista nacional retornando ao integracionismo, que permita aos indígenas brasileiros assumirem gradativamente a condição de cidadãos plenos.
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