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Erotico-->AS AVENTURAS DO PADRE DEODORO EM CAMPOS ETÉREOS — XLVIII -- 03/09/2003 - 08:36 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Terminada a concentração, pôde avaliar que Domingos estava ruminando idéias de afastamento das sugestões de reencontro com Rupério e Augusto. Evidenciava-se para a acuidade mental do monsenhor que Rupério era rejeitado por haver apostatado, através da demência, do credo católico. Quanto a Augusto, abria-se um vácuo nas reminiscências do companheiro, como se houvesse perdido a noção do coleguismo. Solicitou o amparo de Joaquim, que lhe evidenciou que Augusto havia perecido aos vinte e oito anos em acidente de automóvel, o que o deixou perplexo. Investigou mais a fundo os sentimentos de Domingos e descobriu que acusava o acidentado de suicídio, arremessando-o e às recordações ao fundo dos Infernos. Era como se tivesse sido traído pelos três.

Abalado com as revelações, pediu amparo a Margarida. Joaquim, imediatamente, assumiu a indução do beneditino para o assentimento de acompanhar o grupo:

— Vejo que o seu serviço em prol dos reclusos neste círculo purificatório está muito adiantado. Você não precisa aceitar o nosso convite para subir um pouco mais na direção do Reino de Deus. No entanto, se estiver lembrado da obra de Dante, “A Divina Comédia”, deve saber que, no Purgatório, as almas estagiam durante algum tempo num local até serem transportadas para a região seguinte, onde desenvolvem outras virtudes, até merecerem sair do sofrimento. O que viemos propor-lhe, sem qualquer obrigação de admitir a necessidade do progresso moral, já que o amigo está satisfeito consigo mesmo, é que siga conosco para a região em que nós mesmos nos situamos. É de todo justo que nos recomende prudência nos dizeres, porque não deveremos correr o risco de desagradá-lo. Por certo, também, precisamos comprovar que estamos interessados em seu bem-estar. O que lhe daria condições para depositar confiança em nós?

Domingos analisava os reflexos de luz que emanavam da tez com que se adornava o instrutor. Era visível para o grupo que respeitava o potencial perispirítico dos visitantes, efeito magnético que os habitantes do monastério jamais haviam conseguido. Então, atreveu-se a inquirir:

— Se não me der bem, posso voltar para cá?

— Claro que sim. Para isso estão aqui a sua enfermeira e os guardas que o trouxeram do túmulo. Por acaso, você não confiou a sua saúde a eles? Alfredo e Arnaldo retiraram-se na companhia de Deodoro por livre deliberação. Quanto a Margarida, acredito que você não a tenha visto saindo, embora lhe deva ter sentido a falta. Por que viriam agora apenas para tentá-lo? O que acha que esteja faltando-lhe?

— Falta-me receber o abraço de todos.

Deodoro não se conteve:

— Graças a Deus!

Enlaçaram-se os dois jovenzinhos imberbes, cheios de planos para o futuro. Vingava, finalmente, a mentalização promovida para dar ao recluso a esperança concreta de ser recebido por Jesus.

Não demoraram para adentrar na colônia, tendo havido necessidade de envolver Domingos em grossa capa energética, para que não sofresse com a resistência que opunha à velocidade da deslocação. Não chegaram com a rapidez do pensamento, mas, tal como o trovão se ouve depois de se ver o relâmpago, assim também se realizou o trajeto sob controle dos que da colônia vigiavam para que não ocorresse qualquer surpresa desagradável.

Ao chegar, Domingos se refez do susto e se maravilhou com a visão externa da grande cidade etérea. Ao ser colocado em suas novas instalações pessoais, modesto quarto apetrechado com móveis aparentemente novos, exclamou:

— Mas isto é o Paraíso!

Quanto bastou para que todos se tranqüilizassem quanto à disposição do sacerdote de ali permanecer sem obstáculos.

Feitas as recomendações de praxe para o descanso e o estudo e fornecido o roteiro das atividades dos próximos tempos, apresentaram-lhe um dos enfermeiros que serviria de cicerone para a exploração do lugar. Lembrou-se Deodoro de que tal abertura não lhe fora concedida ainda, ao que recebeu a explicação de Joaquim:

— Você, meu caro, está integrado nas equipes dos professores e dos alunos. Tem liberdade de ir e vir sem vigilância, podendo satisfazer todas as curiosidades legítimas, dirigindo-se diretamente aos encarregados de cada departamento, em todos os ministérios. É isso o que pretende nos próximos quinze meses, porque não desgastará menos tempo para conhecer de fato todos os serviços que prestamos à comunidade e aos que socorremos lá fora?

A citação do tempo despertou Deodoro para o fato de precisar caracterizar quanto levaria para desfazer os malfeitos em relação aos seres que o tomavam como inimigo.

Perguntou-lhe Joaquim:

— Quantas são as pessoas que você acha insatisfeitas com as suas atitudes e atividades?

— Considerando tão-somente as de meu relacionamento pessoal, acredito que, além das dezesseis mulheres que julgo haver iludido de certo modo, há muitos conhecidos do confessionário e diversos colegas que precisei advertir, sem contar os alunos que admoestei, que esqueci ou que, simplesmente, reprovei. Não haverá meio eletrônico desenvolvido para o conhecimento dos cuidados que deveremos ter em função de não perdermos as melhores oportunidades de reconciliação? Se Eufrásio se comunicou com os pais por meio de ofício, não terei também a possibilidade de encaminhar, através dos protetores particulares de cada um, uma espécie de circular, carta de intenções ou diploma de compromisso e obrigação, na qual assumo a responsabilidade pelos meus erros, faltas e defeitos (se não tiverem sido crimes mesmo), a serem ressarcidos oportunamente, conforme sentença transitada em julgado nos tribunais do coração, em nome do amor de Jesus?

— Quer dizer que o número não é menor que o milhar?

— Acho que ultrapassa de muito, embora dependa do caráter de cada um perdoar-me por nuto, sem fazer correr o processo.

— Defina “nuto”.

— Perdão. “Nuto”, do latim, é o ato de aprovar ou consentir com simples oscilação da cabeça. Daqui a extensão do termo, em sentido figurado, para “desejo, arbítrio, vontade”. Sempre estou esquecendo-me que o Professor Joaquim não estudou no seminário.

— De qualquer maneira, posso garantir-lhe que a sua ilação está muito próxima da realidade do entrosamento ideal dos que, um dia, se viram em lados opostos. Também a suposição do recurso eletrônico está correta. Por conseguinte, é possível estabelecer contato com todos os seres disponíveis...

— Quem não estaria disponível, por favor?

— Primeiro, os que avançaram evolutivamente e se viram guindados para planos superiores. Não nos cabe mais do que reivindicar que nos ajudem. Ora, a simples caracterização de seu atual nível de progresso é suficiente para nos informar que superaram todas as crises de consciência que lhes foram provocadas por atos de maldade ou de injustiça. Estão além do mal e do bem conforme os compreendemos. Depois, existem seres tão perversos nas profundezas das Trevas que nem mesmo os espíritos de luz arcangelizados pelos trabalhos em prol da humanidade são capazes de catequizar, nem que seja para a simples formulação própria do desejo de serem felizes. Quanto a estes, apenas para justificar a assertiva, não crêem que receberiam ajuda, se viável? Existem, também, você sabe, os que, como Augusto, se encontram encarnados, cumprindo missões ou sofrendo exílios de regeneração. Não convém trazer-lhes um problema que deve estar amortecido pela injunção dos deveres e opressões mentais produzidos pela matéria. Outros, consultados, apesar de estarem em condições de responder, desprezariam a solicitação por não darem nenhuma importância à pessoa que os invoca. Causariam muito trabalho, sem resultado prático algum, porque nos forçariam a providenciar contatos de intervenção, com probabilidade nula de sucesso, porque está na vontade deles a decisão de reconsiderar. Há, finalmente, aqueles que estão na região limítrofe da acusação como uma modalidade de pensar sobre o Universo, que o terão na conta de adversário, da mesma forma que você se julga responsável, na companhia de muitos, pela miséria humana.

— Mas não seria preciso definir para quem devo pedir perdão?

— A minha resposta coincidiria com uma das matérias programáticas que você irá cursar durante alguns anos. Resumo-lhe, porém, o principal. Quem depositar nas mãos misericordiosas de Deus a solução dos problemas, trabalhando paralelamente para o aperfeiçoamento do espírito, em equilíbrio intelectual e emocional, sem ânsias de conquistas aceleradas, irá freqüentar os círculos da vida e da morte sem medo, assistindo o soerguimento dos que sofrem a desdita da imperfeição, ou seja, todos nós.

— Devo concluir, querido mestre, que precisarei de outras encarnações para lograr acertar as contas pendentes?

— E quem você conhece que não precisa? Não é verdade que nem todos os itens de sua programação para o último encarne foram cumpridos? Por exemplo, não sente a necessidade de ter e de criar filhos, espelhando-se no exemplo do que está sucedendo aos seus pais?

— Sem querer criar polêmica, apenas para forçá-lo a responder, não é também verdade que nem Jesus nem Kardec deixaram prole?

— Quanto a Jesus, não vou responder, porque é ser de excelsitude superior, cuja angelitude está acima de minha capacidade de conhecimento. Quanto a Kardec, posso garantir-lhe que, em encarnações anteriores, é possível tenha tido a satisfação de haver cumprido tais obrigações. Se não for essa a realidade, nenhuma informação existe de que não precisasse volver à carne. E quanto a você, lembra-se de ter dado a alguém a condição do nascimento?

— Posso citar um trecho em que Kardec se inclui entre os que voltariam ao mundo da matéria?

— Só se for muito expressivo.

— Você decidirá. Eis o texto, extraído do item VI da “Introdução” de “O Livro dos Espíritos”: “Devendo o Espírito passar por diversas encarnações, resulta que todos nós tivemos diversas existências, e que nós ainda teremos outras, mais ou menos aperfeiçoadas, seja na Terra, seja em outros mundos.” Que tal?

— Um pouco genérica, mas está lá a primeira pessoa do plural a configurar a inclusão do autor no contexto da explanação. Continue, por favor.

— Não me lembro de haver criado nenhum filho. Quanto a tê-los, é outra história, a demandar pesquisa milenar.

— Tal pesquisa está a evidenciar que não é possível açambarcar de vez todos os problemas existenciais. Não teria você dito, conforme me permite ler-lhe no cérebro, que a responsabilidade é o dom que exime os circunstantes de responderem pelos atos alheios, seja para a perversão, seja para a conversão?

— Afeta-me, nesta crise existencial, o meu poder de chamar a mim os pecados que pratiquei, porque os dos outros tenho perdoado, em nome de Deus.

— Eis o tópico essencial que nos levou a considerá-lo passível de congregar-se ao corpo docente da “Escolinha”. Digo-o sem medo de torná-lo orgulhoso, porque de há muito vem discutindo a necessidade da modéstia e da humildade. Se fraquejar e um tiquinho de nada de vaidade transparecer, aplique as regras que tão bem conhece de trabalho e de desvelamento da realidade psíquica mais profunda, tendo em vista o crescimento espiritual ter de passar forçosamente pela consideração do próprio valor.

Suspeitaria Deodoro de que as palavras contivessem resquícios de verdade? Para não ir o interlocutor mais longe nas prolfaças (em sentido figurado e próprio), desviou a atenção do grupo para a perquirição inicial:

— Quer dizer que é quase de todo impraticável que saia correndo atrás dos meus credores?

— Se sair correndo, corre o risco de parecer-lhes tremendo obsessor, com perdão do trocadilho.

— Não poderia experimentar o método instrumental de alcance dos espíritos, para exemplificação?

— É para já.

Enquanto atravessavam os amplos corredores, desejou saber Arnaldo por que não empregavam o sistema de deslocação instantânea pelo pensamento.

Eufrásio foi quem explicou:

— São tantas as categorias evolutivas dos que convivem na colônia, que a Governadoria ordenou que os mais desenvoltos se assemelhassem aos mais atrasados, para configurar a igualdade de direitos que caracteriza a nossa democracia. Esclareço que a ordem foi apreciada e votada em assembléia geral, presentes todos os delegados distritais. Não se queria estimular nem o orgulho, nem a inveja, embora, se dermos ouvidos a Deodoro, a lei não se justificaria em sociedade que busca engrenar-se pelos dispositivos do contínuo aperfeiçoamento moral.

Mas Deodoro não queria participar da discussão:

— Vamos deixar as minhas considerações para as aulas que pretendo ministrar aos que se atreverem a registrar-se como meus alunos.

Ao chegarem ao departamento especializado em localização de espíritos desalinhados vibratoriamente com os consulentes, Joaquim precisou explicar ao grupo que não era sempre que se alcançava com êxito descobrir o paradeiro do irmão procurado e acrescentou:

— Antes de mais nada, há que se compreender que os dados referentes ao adiantamento da pessoa vão ficar velados, caso haja repúdio instintivo de algum dos presentes. A aparelhagem está equipada com sensores para captação das emissões energéticas de baixo teor vibratório de todos os que estiverem no recinto, o qual será vedado completamente, impedindo-se a transmissão de ondas deletérias de fora para dentro e vice-versa. Sendo assim, rogo ao irmão Deodoro que se mantenha tranqüilo para obtermos sucesso. Quanto a Margarida, não preciso empenhar-me em insistir na obstrução dos sentimentos de ciúme ou quejandos, porque já passou por esta experiência em razão do curso de enfermagem. Da mesma forma que se procede quando do atendimento dos sofredores, toda ajuda de concentração com o pensamento voltado para Deus irá favorecer a recarga energética dos instrumentos. Ajam como fizeram quando Deodoro se reuniu aos pais e aos colegas, por favor.

O local não dava a impressão de se constituir em avançado laboratório de pesquisas etéreas. Era um auditório pequeno, com vinte e poucas cadeiras, sendo que a pessoa em processo de comunicação se postava mais à frente, ficando iluminada por “spots” coloridos. À frente do público, pequena tela ocupando o espaço central da parede.

Deodoro foi convidado a se sentar e, imediatamente, teve início a operação. Foi quando lhe enevoou a vista, entrando em espécie de transe em que prevaleciam no cérebro as recordações da derradeira encarnação.

Ao se fecharem hermeticamente as entradas, estavam todos os lugares ocupados, sem que o monsenhor tenha dado por isso.

Suavemente, foi desenhando-se na tela a figura de uma adolescente, meninota de, no máximo, dezesseis anos. Formosa, sorria para a câmara em plena felicidade. Em seguida, desapareceu-lhe a imagem.

Deodoro esforçou-se para concentrar-se, mas acabou por acordar.

Joaquim acorreu para auxiliá-lo nas reflexões:

— Não se preocupe. É natural que esteja perturbado. Você reconheceu a mocinha?

— Consignei na memória a primeira experiência amorosa. Esperava encontrar uma senhora de mais de quarenta anos, que era a idade dela ao tempo em que nos amamos, por assim dizer. Essa que apareceu não guarda nenhum traço da outra. Como vou saber se se trata da mesma criatura?

— Pela ficha que acompanha a transmissão, a qual, pela complexidade das informações não são colocadas em “background”, para a descrição das imagens. Acho útil lê-la, para que todos possamos compreender o que sucede com a pessoa de seu interesse.

— Concordo, mas onde está ela?

Imediatamente, na tela, se projetou a orientação técnica, na forma de “curriculum vitae”, onde se lia:

Nome: Idalina
Idade: 16 anos
Situação civil: casada
Prole: um casal de gêmeos
Estado emocional: o retratado.

Deodoro fez um gesto para que se interrompesse a projeção. Apagada a tela, inquiriu do instrutor:

— Por melhor caracterizada esteja a pessoa, ainda não tenho como referendar a tese de que se trata daquela mesma a quem invoquei.

— Vamos passar para a parte do histórico, desde que você aprove que a identificação anterior possa vir a ser do conhecimento dos presentes.

— O que seria prejudicial a ela ou a mim, caso admita a possibilidade?

— Não se esqueça de que a sua chamada ao etéreo precisa do acompanhamento técnico e da sustentação energética de outros seres. Não há a possibilidade de se resguardarem as lembranças mais íntimas, de forma que parte de seu passado irá ser devassado. Para que não seja assim, é preciso que saia à procura das entidades e que as enfrente na liça palpável da realidade, onde poderão acontecer desafios e querelas de todo tipo. Se o seu objetivo é o de rogar o perdão das pessoas, oferecendo-lhes a promessa do resgate dos débitos, está situando-se como protetor, ou seja, como alguém que não tem mais o que perdoar, porque tudo perdoou, e cujos anseios estão completamente moralizados. Este é bem o seu caso, porque as suas ânsias amorosas se desvaneceram ainda na matéria, tendo o seu corpo adormentado a libido e a sua mente buscado afastar o cálice amargo das culpas. Muita gente, porém, ao se deparar com os parceiros sexuais, faz renascer os aspectos sensórios, enleando-se nas reminiscências dos desejos, no sentido de voltar a tê-los, ateando o fogo da paixão no perispírito, inutilizando todo o trabalho da equipe para a finalidade da confraternização. Aí, é preferível arrefecer o ânimo que trouxe o assistido para a frente do auditório, expurgando-lhe, através de atividades meramente intelectuais, as brechas de influenciação do “modus operandi” do espírito encarnado.

— Em suma, concluiu Deodoro, o fato de me haver restituído a feição dos vinte e tantos não pode representar que tenha readquirido os conteúdos cromossômicos do corpo terreno.

— Diria que é mais que isso, contudo, a sua sugestão é boa, para a apreciação do fato de que o que lhe dá a forma é a vontade do cérebro de se irmanar aos que labutam na colônia, onde foi adotada a diretriz corpórea segundo a última imagem terrena. Colônias existem onde o aspecto externo elege formas evanescentes, vaporosas, cujas características pessoais se reconhecem pelo teor das vibrações específicas de cada um. Vamos deixar este ponto bem claro para o grupo, porque poderão fixar o padrão atual como definitivo, arriscando-se a se iludirem quanto às conclusões relativas à fluidez da “matéria” constituinte dos diferentes círculos espirituais a partir do que denominamos de Umbral, que é onde estamos imersos.

Enquanto explanava Joaquim, Deodoro ruminava as considerações relativas aos segredos da vida íntima, consciencial. Logo que pôde, observou:

— Não há lucro em revelar aos outros o que se passa em meu coração. Para Margarida, não tenho segredos, tanto que se mantém em sintonia com minha disposição emocional, dando-me amparo quando os transistores sentimentais ameaçam amplificar a mensagem do coração. Não vou além na leitura da ficha catalográfica, bastando-me entender que a mulher que hoje responde pelo nome de Idalina está bem. O mais seria buscar cabelo em ovo, com perdão da vulgaridade da frase.

Voltou Joaquim à carga:

— Está disposto a prosseguir?

— Mais do que nunca.

— Poderemos presenciar cenas de dor e sofrimento.

— Caracterizaremos as necessidades alheias e a extensão da tarefa a que deverei entregar-me.

Em seguida, reacenderam-se os “spots” e Deodoro imergiu em si mesmo. Na tela, plena escuridão. Ouviram-se lamentos e dilacerantes gritos de horror. E só.

Desta feita, Deodoro demorou mais a recompor-se. Finalmente, pôde Joaquim interrogá-lo:

— Tinha você a esperança de encontrar o espírito em melhores condições?

— A bem da verdade, não queria que a minha figura lhe causasse tão terrível flagelo sentimental.

— Não foi a sua figura. Apenas o protetor estimulou as recordações relativas a você. Contudo, não se configure como o inimigo mais encarniçado na mente da sofredora. Está ela em tal estado por razões que nos fogem e que também não nos devem interessar. Vamos experimentar, de novo, elaborar roteiro de vida em que haja escolhido vida de crimes e de vícios, os mais tremendos. Não seria plausível, tão cedo, que tais deslizes não mais ofereçam desprazer quanto à rememoração deles. A nós devem bastar as nossas dores, pelo processo de causa e efeito a que demos origem pelos erros de interpretação das leis. Quanto mais ilustres dentro dos ramos da filosofia, da teologia, da doutrina espírita, para apenas citar as suas especialidades, mais teremos de enfronhar-nos em nós mesmos para a compreensão do outro.

Deodoro não estava à vontade com a linha tecnicista das explicações, tendo em vista a realidade tão cruciante da mulher com quem uma vez mantivera transações sentimentais. Perguntou, pensando saber a resposta:

— Não seria de todo conveniente que suspendêssemos a pesquisa e que orássemos a favor daquela que me trouxe as alegrias de alguns instantes de esquecimento e gozo carnal?

— Precisaríamos desarmar o arranjo dos instrumentos. A colônia não lhe dará para muito breve outra oportunidade como esta. A fila de ocupação desta sala dobra o quarteirão. Está requerendo, em última análise, que olvidemos as outras quatorze criaturas?

— Poderíamos apressar os contatos externos, sem estímulos adicionais para as meditações?

— Perfeitamente. Basta que você se concentre e que não exprima o desejo de volver ao plano da atualidade com o domínio das circunstâncias que nos premem nesta condição de orientandos dos fatores externos, como exigência consciencial de sua própria consagração ao conhecimento dos vetores de sua conduta futura.

Se não foi por efeito das idéias conspícuas do orientador, foi pela influência da vontade soberana com que desejou saber o que ocorria às demais criaturas. O fato é que Deodoro fez desfilar pela tela mais quatorze quadros, rapidamente, nenhum com a felicidade do primeiro nem com a tristeza do último. Pediu e obteve o disquete com todas as fichas completas, para apreciação em particular. Solicitou que o desculpassem pela euforia com que se arremetera para a absorção da verdadeira história dos que, miserandos ou gloriosos, giraram na condição de satélites em derredor de sua personalidade. E rogou que lhe permitissem afastar-se para meditação, levando consigo apenas Margarida, companheira e protetora.

Passou pelos corredores como em sonho, chegou lívido ao quarto e caiu em prostração sobre o leito.

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