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Erotico-->5. COMO SE FOSSE REALIDADE -- 22/10/2003 - 06:44 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Adonias logo adormeceu e sonhou. Estranhamente, no entanto, manteve, durante todas as façanhas que realizou imerso em sua consciência, um liame espiritual de lucidez que lhe permitiu regular o quanto ia aprofundando-se na fantasia e o quanto ia exercendo de domínio sobre os acontecimentos oníricos.

A primeira sensação que teve foi a de Jesus descendo aos infernos após o desenlace na cruz. Ele era Jesus, mas não com a imagem de homem, pessoa dulcíssima a perlustrar os campos, os desertos e os mares, como que volitando ao invés de decalcar no solo as pegadas de seu peso material. Ali, a sutileza de seu corpo imaterial era muito maior. Era como que uma fonte de vibração energética, que transparecia ao derredor como um clarão de forte luminosidade. Era uma figura que se caracterizava como a de uma pessoa com forma humana, mas que se projetava para o mundo externo como uma irradiação. Ele tinha a sensação de que seu crânio estava despojado de tudo o que pudesse representar um invólucro, uma carapaça. Era mais do que a sensação de estar despojado dos cabelos e da barba. Era como se estivesse fazendo emanar de si a forma que estava delineada no âmago do ser.

Adonias sentia-se dentro e fora de si. Era capaz de ver e de avaliar tudo ao seu redor, numa esfera perfeita de conhecimento, ao mesmo tempo que ia observando e anotando todas as transformações que ocorriam em seu corpo novíssimo de energia. Sentia-se perfeitamente bem e controlava todas as reações “físicas” e “mentais”, segundo a necessidade de intensificar a sua participação no mundo do contato corpóreo, como também nos eflúvios melífluos dos pensamentos que se correspondiam com as entidades com que ia deparando-se em sua caminhada.

E foi adentrando um longo túnel iluminado com reflexos vermelhos que nasciam de um ponto indefinido ao fundo. Enquanto se delineava um caminho, ele ia seguindo rapidamente, flutuando, sempre em frente. Ao deparar-se com despenhadeiros, deixava-se descair sem apoio, sustentado por invisíveis cordames que manobrava através da força de sua vontade e determinação, vindo a repousar no fundo, fosse de que natureza fosse o solo: árido, magmático, rochoso, líqüido, ígneo, enregelado.

Subitamente, encontrou-se com o fantasma de seu pai. Não era um homem vivo. Era uma aparência de gente, uma fugidia imagem que não se estabilizava à vista, como se os olhos do filho tivessem adquirido a propriedade de fazer transparecer na fisionomia do outro todas as reações íntimas promovidas pelas emoções e também pelas reflexões eminentemente intelectuais.

Em lugar de pedir perdão ao pai, Adonias limitou-se a interrogá-lo com o olhar, adaptando o seu costume de pouco falar com as pessoas à visão de sonâmbulo, que se mantinha coerentemente em sintonia com a personalidade real.

Fernando foi quem falou:

— Meu filho, a sua presença neste ambiente de profunda agonia vem trazer-me um bem-estar que há muito tempo eu estava precisando. Você não sabe quanta dor este meu velho coração tem sofrido. Eu estou preso às minhas ânsias de mortal desejoso da salvação prometida por Jesus mas me envolvi em ódios que macularam todo o bem que hei feito na crosta. Voltei-me contra o Criador porque não deu certo a minha promessa em relação a você manter-se fiel à Santa Madre Igreja. Agora estou sentindo-me melhor, porque você veio visitar-me, mas, pelo amor de Deus, não gere maior desespero em minha alma aceitando o convite do homem que se apresentou com o nome de Adão, mas que eu tenho visto por aqui, acicatando os infelizes com seu tridente em brasa. A tal da Igreja Cristã da Misericórdia Divina é um embuste, simplesmente, para abocanhar o dinheiro e as almas dos incautos.; o dinheiro, para o conforto material.; as almas, para o desprezo eterno das fraquezas humanas neste antro de terror.

Adonias fez o pai calar-se, porque observava que nem todas as palavras que emitia se acompanhavam de reflexos de verdade e de honestidade. O que admirava o padre era o fato de não poder orientar-se com perfeição na tradução dos sentimentos e intenções do pai. Sabia que havia mentiras.; não sabia definir-lhes o caráter, a extensão nem a...

Estando a examinar a sua dificuldade, desapareceu de sua frente a figura paterna. Aí Adonias se afligiu deveras. Parecia-lhe que se preocupara consigo mesmo, egoisticamente, deixando aquela pessoa de seu sangue com o mesmo cabedal de sofrimentos de antes. Reflexionou que o pouco de alívio que lhe concedera nada significava perante a assustadora presença da eternidade infernal.

Quis fazer valer o seu domínio da situação mas o máximo que conseguiu foi perceber que se agitava sobre o leito, voltando de imediato à condição em que se achava dentro do sonho. Foi quando notou que havia o perigo de se queimar nas brasas das paredes, de onde escorria um líqüido que reconheceu como metal fundido. Lembrou-se claramente de que evitava tocar nos objetos aquecidos, com medo de não sentir o calor e se queimar. Ali se dava o contrário: queria tocar para ver se sentia as agruras dos condenados.; entretanto, era capaz de apanhar com as mãos em concha o filete que escorria, mas não percebia nenhuma sensação desagradável. Lembrou-se dos tempos de seminarista, quando a só fantasia de ser arremessado em tais profundezas já o alagava em suores, como se a resposta física correspondesse a uma reação psíquica contra os males que o arremessariam naquela região.

Nesse momento, claramente sentiu ao seu lado uma figura que reconheceu em tudo e por tudo absolutamente idêntica a si mesmo. Um reflexo num espelho não traria mais perfeita concordância. Assim que pôde restaurar-se da surpresa, deu-se o reconhecimento do outro, que se apresentou apenas telepaticamente, dizendo-se que era o Adão lá de cima.

— Como é que o senhor foi acusado por meu pai como sendo um dos piores seres demoníacos deste lugar horroroso e é capaz de se mostrar a mim em trajes angelicais?

— O meu amigo, Padre Adonias, não percebeu, enquanto seu pai falava, que ele transmudava de aspecto?

— Que sabe o senhor a respeito de tudo quanto tratei reservadamente com aquela pessoa que eu deveria amar com mais intensidade e que deixei escapar neste mundo dos miseráveis criminosos mais culpáveis e mais merecedores da sacratíssima vingança de Deus?

— Eu sou apenas uma criação de seu cérebro conturbado pela infestação de variadíssima gama de emoções, muitas conflitantes, outras produzidas por sua condição de espírito errante pela face da Terra, depois que deixou o sacerdócio, sem deixar o hábito. Por exemplo, eu sei perfeitamente que sua intenção é de me surpreender com uma roupa comum, sem o aparato da bata religiosa, se possível de terno e gravata, com essa cabeça luzidia e esse rosto absolutamente glabro. Se me permitir, vou retirar-me, porque apenas senti o desejo de vir dizer-lhe que muitas vezes o diabo não é tão feio quanto o pintam...

E sumiu.

Adonias rejeitava a necessidade de acordar e insistiu no sonho, desejoso de se encontrar com aqueles seres vitimados pela sociedade corroída pela maldade, aquelas famílias executadas pelo tráfico organizado do vício, aquelas crianças cujas vidas se ceifaram nos incêndios criminosos das favelas e dos cortiços e assim por diante, que o seu interesse foi fixando-se na descoberta das razões que o levavam a supor que tais criaturas estivessem merecendo o castigo daquelas regiões. Foi assim que se elevou paulatinamente, querendo encontrar um local mais ameno, onde pudesse observar as almas depurando-se de alguns pecados veniais, para serem recolhidas ao céu pelos anjos do Senhor. No entanto, por mais que se esforçasse, já não conseguia comandar o fluxo psíquico, até que, ao passar a mão pela face, estranhou que estivesse lisa a pele, dando com a ponta dos dedos na dureza dos ossos maxilares e malares.

Acordou. No relógio, os ponteiros denunciavam que a manhã já dealbara e que a aurora de dedos cor-de-rosa se aprestava para as abluções.

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