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Erotico-->10. O EXAME -- 27/10/2003 - 06:58 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O consultório seria simples não fosse por uma aparelhagem eletrônica cujo comando se dava por detrás de uma parede com dois visores de vidro. Havia um discreto símbolo denunciando a presença de elementos radioativos. Completavam o mobiliário a maca de obrigação e a correspondente escadinha de três degraus, uma ampla escrivaninha, duas cadeiras de espaldar de madeira trabalhada e uma estante envidraçada que mostrava alguns livros e vários arquivos aos moldes antigos, pastas de papelão que passavam a impressão da inoperância. Numa mesa menor, girando a cadeira sobre as rodas, o médico alcançava um moderno computador, com monitor e demais petrechos.

Antes de qualquer iniciativa clínica, Adão quis que Adonias observasse a aparelhagem por detrás da parede protetora do operador da máquina de tomografia:

— Você já esteve num consultório médico com tantos recursos?

— Pelo hospital onde estive internado, um pouco antes de sair, dei um passeio pelas dependências e pude observar como a ciência médica tem evoluído nos últimos tempos. Era um hospital moderno e rico, porque a mantenedora era a própria Igreja. Por isso, essas telas e esses teclados, eu os conheci, muito embora não visse nada funcionando.

— Mais tarde, tendo uma folga em suas atribuições e em havendo um caso especial, eu vou chamá-lo para acompanhar os nossos procedimentos tecnológicos.

Quando saíram de volta ao consultório, lá já se encontrava uma enfermeira, moça jovem e elegante, devidamente trajada de branco, com uma ficha na mão que entregou ao médico.

— Obrigado, querida. Adonias, leia esta autorização, por favor, e, se estiver de acordo, assine. É uma formalidade da Igreja, para que, em caso de alguma complicação, estejamos à vontade para destinarmos os seus despojos à caridade da doação.

Adonias, ostensivamente, pegou a caneta que lhe estava sendo oferecida e, sem ler, apôs a assinatura no papel, ao mesmo tempo que afiançava:

— Sei que não chegou ainda a minha hora, porque pretendo realizar muitos benefícios nesta instituição. Não receie utilizar o cadáver o mais generosamente possível.

— Então, vamos começar. A enfermeira irá prepará-lo e dar-lhe as instruções. Enquanto isso, eu vou descrevendo como é que se realiza o exame.

Dez minutos depois, a máquina estava ligada, fotografando as intimidades do cérebro do sacerdote, ao mesmo tempo em que o médico, do outro lado da parede de resguardo, ia observando, na tela, as imagens fixas que ali desfilavam, uma a uma, enquanto tudo quedava devidamente arquivado na memória do computador.

Foram feitas quatro sessões completas, de frente, por atrás e dos lados, de forma que impossível seria a qualquer problema físico de não se revelar aos escrutínio rigoroso das ondas, vibrações e raios penetrantes do mecanismo poderoso.

Mas Adonias, ao sair da maca, titubeou, enfraquecido, como se lhe tivessem retirado as poucas energias que seu organismo acumulava. A enfermeira aprestou-se a dar-lhe um copo de um líqüido amarelado, que, positivamente, desejava apresentar um gosto parecido com o do sumo da laranja. Evidentemente, estava encorpado com algum medicamento, porque logo pareceu ao padre que melhorava.

Do outro lado da parede divisória, Adão esperava que a máquina lesse eletronicamente as imagens e pusesse às claras o diagnóstico infalível da programação rigorosa ali armazenada.

Ao apanhar o resultado, Adão não fez boa cara, mas não deixou transparecer nenhuma preocupação. Colocou os impressos numa pasta, deu com os botões que enviavam o resultado do exame para o computador central e foi ter com o paciente, para as recomendações específicas:

— Vejo que você já está bem. Sempre que alguém fica por tanto tempo dentro desse aparato desconhecido, enxergando essas luzes misteriosas, respirando sob comando alheio, tendo de prestar atenção a estranhas vozes que vêm não se sabe bem de onde, sai daí como se tivesse visto um filme de terror, em três dimensões.

Adonias percebeu que o médico estava querendo pô-lo à vontade, prevenido quanto a algo mais sério revelado pela máquina. Então, foi direto ao ponto:

— Como é, doutor, quanto tempo tenho de vida?

— Se depender de seu pequeno tumor, vamos ter de aturá-lo por mais quarenta anos.

— Graças a Deus! O senhor sabe que, se fosse para dar a minha vida em troca da salvação da alma de seja quem for, eu sequer piscaria. No entanto, saber que a gente tem de ir embora assim, sem mais nem menos, quando se está formulando um novo ideal...

Não foi capaz de prosseguir. De repente, percebeu que estava entregando suas aspirações mais profundas de bandeja para alguém que não conhecia de verdade, muito embora deixasse claro que muito tinha para oferecer.

— Fico alegre com a sua decisão em favor de nossa causa. Você jamais se arrependerá, posso garantir-lhe. No entanto, vai precisar de repouso, para que os remédios que vai tomar possam fazer o efeito almejado. Você ficará internado aqui mesmo...

— Por quanto tempo, doutor?

— Já tivemos bem uns quinze casos idênticos. Falando sinceramente, houve cinco que abandonaram o tratamento e desapareceram.; cinco que ainda têm seqüelas mas que são capazes de se aplicarem ao trabalho que lhes selecionamos.; e cinco ou seis que se curaram completamente e que hoje se dedicam ao que mais gostavam de fazer. Não faço, portanto, nenhum prognóstico quanto ao tempo e aos resultados.

— Algum óbito?

— Nenhum.

— Então, vou aceitar dar a vocês a satisfação de praticarem comigo a caridade que Jesus pedia a todos. Conte com a minha retribuição integral, em momento oportuno.

Pensando que havia pouco sentimento em suas palavras, Adonias juntou um gesto a elas: deu a volta na mesa e abraçou demoradamente o médico, sussurrando ao ouvido dele:

— Deus lhe pague! Deus lhe pague!

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