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Erotico-->16. FORTE DESEJO DE SAIR -- 02/11/2003 - 08:31 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A biblioteca foi a maior decepção para Adonias. Esperava visitar corredores e corredores ladeados por estantes cheias de livros, no entanto, ficou diante de um guichê, recebido por um atendente amabilíssimo, que recebeu os livros de volta, prestativo, dispondo-se a enviar os volumes requeridos diretamente para o minúsculo tugúrio do frade, quando se visse enclausurado. Abria a perspectiva de encaminhar as obras para a sala de conferências, mas fechava em seguida, dizendo que isso teria de ser em horário antecipado de, pelo menos, quarenta e oito horas.

Adão explicava:

— Não se sinta frustrado, amigo. Vejo pelas suas expressões de desagrado que a nossa biblioteca não era o que você esperava. No entanto, é preciso saber que é a maior e mais bem equipada de toda a região. Você imagina quantos títulos possuímos? Diga um número absurdo.

Adonias imaginou logo que as obras tivessem sido microfilmadas ou constassem de arquivos dos computadores, ou que tivessem sido condensadas em CDs., que ele pronunciava “compacte disques”, jamais afeito aos anglicismos que se enovelavam ao vernáculo. Então, arriscou:

— Por baixo, dois milhões de títulos.

— Duzentos milhões.

— Espere aí. São cem mil celas e agora você vem com essa história de duzentos milhões de títulos?!...

— Duzentos milhões de títulos mais quantas cópias você quiser obter, neste caso em fitas cassetes para cegos ou em papel com caracteres em braile, em vídeos com representação teatral ou cinematográfica, adaptadas ou não para as crianças, em qualquer língua estrangeira e assim por diante.

— Qual é o tamanho do computador?

— Estamos ligados a uma rede internacional e tudo nos chega de toda a parte do mundo. O que fazemos, na realidade, é manter um rigoroso e moderno sistema de acesso, de forma que, basta você desejar qualquer obra, vai até um dos terminais e solicita. Quer experimentar?

— Quero.

Aproximaram-se de um dos três terminais ali instalados e Adão pediu que Adonias utilizasse o próprio cartão magnético.

Imediatamente, surgiu na tela um roteiro de três índices. Adonias foi acionando e enfronhando-se no programa, de modo que, após quatro toques direcionados, surgiu um questionário de quinze perguntas a respeito da obra pretendida. Pedia nome do autor, título, idioma, tipo de reprodução etc., inclusive a indicação de uma possível edição.

Nesse ponto, Adonias, lembrando-se da carta em latim de São Jerônimo, solicitou uma edição manuscrita. Logo surgiram na tela cinco referências, para escolha do consulente. O padre percebeu que não havia o nome dos copistas e, aleatoriamente, pediu uma delas. Em três segundos, lá estava na tela o pergaminho, o qual podia ser compulsado página a página, com a indicação clara de onde se encontrava a carta requerida.

Adonias estremeceu. Parecia reconhecer a sua própria letra. De fato, aqueles contornos arredondados com perfeição e as puxadas para baixo de determinadas letras só podiam ser dele mesmo, marca registrada de sua maneira de escrever. No entanto, estava reservada uma surpresa desagradabilíssima: a data que se registrava no documento era do ano de 1332...

Como Adonias fizera todo o trajeto eletrônico em silêncio, não deu a perceber ao médico de que havia um problema a ser solucionado. De qualquer modo, comentou:

— Sabe que eu podia jurar que esse trabalho fui eu mesmo que fiz no convento?

— É possível, respondeu Adão, aguardando que o outro se interessasse pela explicação.

— Então?!...

— Ora, o seu serviço não podia nascer do nada. Então, você devia estar copiando de outro documento. Portanto, nada mais justo do que reproduzir o inteiro teor do texto, inclusive a data antiga. Quem sabe, essa cópia mesma seja aquela que você produziu e que agora foi tida como original quanto à época da reprodução? Não é possível?

— É lógico, pelo menos. Como é que obtenho uma cópia no formato original, reprodução em papiro, em pele ou em papel mesmo?

— Está tudo isso na sua frente. Faça a requisição. Basta assinalar os campos próprios.

Logo Adonias percebeu onde acionar o cursor da tela, conseguindo o que desejava. A resposta eletrônica indicava que o consulente receberia a cópia solicitada dentro de três horas, no seu quarto, número tal etc.

Adonias, diante daquele mistério, sentiu-se zonzo. Apoiou-se em Adão, que recomendou:

— Vamos voltar para o refeitório. Isso é fraqueza. Quando você fez a última refeição?

Adonias gesticulou, mostrando-se perdido no tempo.

— Então, sente-se um pouco e ponha a cabeça entre as pernas. Vamos fazer que o sangue irrigue...

O restante das palavras se perdeu porque Adonias simplesmente desmaiou.

Ao acordar, estava ali mesmo, mas a primeira pessoa que lhe apareceu no campo de visão foi Alice, que lhe massageava os pulsos. Havia um forte cheiro químico que provinha de um pequeno frasco que Adão lhe passava diante do nariz.

Em dez minutos, contados no relógio da biblioteca, Adonias estava restabelecido. Então, apoiado no médico e na enfermeira, caminhou devagar até o elevador. Depois, já mais revigorado, adentrou o refeitório. Passou o cartão no terminal e sentou-se, porque Alice se prontificou a ir buscar a bandeja.

Adão mantinha-se silencioso. Auscultara o coração e medira a pressão do enfermo, com aparelhos portáteis que trazia no bolso. Disse-lhe que estava tudo em ordem e reafirmou que o mal-estar era simples sinal de fraqueza.

Mas a refeição que chegou não era muito farta. Havia uma pequena tigela de sopa, um caldo ralo com umas folhas de couve rasgada. Havia um pouco de purê de batatas e um cozido de beringelas coberto com molho de tomate e queijo parmesão ralado e gratinado por cima. Havia também uma espécie de arroz à grega, com fartura de cenouras, mas era apenas um pires. Como sobremesa, um naco de queijo branco com marmelada, esta embrulhada em papel celofane, a indicar sua origem industrial.

O tempero correspondia ao seu paladar, mas Adonias não sentiu prazer em se alimentar. Enquanto o fazia na presença de Alice, pois Adão se retirara, manteve-se em silêncio, lembrando-se dos pastéis assados que comia em casa. Esse pensamento gerou uma reação de absoluto desconforto. Teve saudade dos tempos em que caminhava à solta pelos calçadões da praia. Foi quando perguntou a Alice se o relógio marcava um horário interno ou se era o mesmo da cidade.

— Agora são cinco horas da tarde. Se o senhor estiver pensando em sair, eu o conduzo até o térreo.

— Não, não. Eu quero mesmo é começar a preparar a minha primeira palestra...

Palestra foi um termo que saiu sem querer, por influência, talvez, do vocabulário que ouvira de Adão. O que ocorreu, então, foi uma transformação radical no humor do sacerdote. Num fulminante cruzar de idéias mais ou menos desconexas, sentiu-se arrastado num redemoinho de situações novas, tremendo estado insólito de quem se vê, de repente, num país estranho, sem domínio algum das ruas e caminhos a seguir.

Adonias, no entanto, soube guardar para si suas íntimas perspectivas de revolta e solicitou a Alice que o deixasse sozinho, pois pretendia ir ao quarto levado pelas informações da chave.

Logo que percebeu que Alice desaparecia na outra ponta do corredor, dirigiu-se ao elevador, no meio de uma multidão, esperou chegar um que estivesse subindo, entrou e acionou o botão correspondente ao andar de saída.

No ponto exato, viu-se fora do edifício, através de uma porta lateral, onde foi recebido por uma pessoa uniformizada, porteiro ou guarda de segurança, que o chamou pelo nome:

— Padre Adonias, o senhor aceita ser conduzido por uma viatura da Igreja?

Dentro do coração, pareceu-lhe que precisava livrar-se de tudo quanto correspondesse àquela instituição, mas um transporte talvez viesse a calhar. Por isso, respondeu, ainda que com um nó na garganta de desconhecida procedência:

— Quero ir para casa de minha mãe.

— Sem problema, senhor.

Com um gesto, o porteiro chamou um carro em cuja porta se lia “Igreja Cristã da Misericórdia de Deus”. Adonias entrou e, surpresa, o motorista era o mesmo do táxi do outro dia.

— Boa tarde, Monsenhor. Vamos realizar a viagem de volta?

— Valério, você não disse que era dono de seu próprio veículo?

— Estou dando a minha contribuição voluntária. Faço isso todo dia, durante algumas horas. Eu acho que é o que me dá o equilíbrio necessário para agüentar tantas horas neste trânsito louco. Então?!...

— Toca de volta, por favor. Ainda bem que o serviço é gratuito porque deixei os meus pobres trocados na Igreja.

Suas palavras, porém, não obtiveram nenhum comentário de troco, de sorte que o veículo seguiu toda a estrada cada qual envolvido pelos próprios pensamentos. Os de Adonias eram a rememoração exata e particular de todos os termos da fala de Anésio que deixara para decifrar depois. Mas havia uma dificuldade: precisava, e não tinha, de um bom dicionário enciclopédico para os termos técnicos, de sorte que foi obrigado a ficar perante uma forma quase sem conteúdo.

“Esse Anésio continua enfadonho até como reconstituição de memória!...”

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