Enquanto fiquei a lucubrar alguns temas sobre que escrever particularmente, Rosália apareceu, dois meses após o seu decesso, para trazer uma primeira mensagem, através de psicografia. Eu não estava presente à sessão, mas fui citado duas vezes, conforme mais adiante transcrevo.
Antes de mais nada, é preciso cercar de cuidados a identidade do espírito que se comunicou, como sendo mesmo o de minha última esposa. O médium nos conhecia mas não nos era íntimo, porque ao “Louvor ao Pai” Rosália foi muito poucas vezes. As informações de praxe, como nome da parentela, locais e datas, corresponderam integralmente. Quanto a mim, a citação de “Guto”, como chamávamos em casa ao Augusto, não me surpreendeu, porque não conheço um que não seja assim chamado. Entretanto, de qualquer modo, o nosso médium ignorava o apelido familiar.
O que me deixou bastante satisfeito foi o fato de Rosália conhecer o texto que empreendi no capítulo anterior, sem demonstrar azedume ou sequer um mínimo laivo de ressentimento. Ao contrário, como se poderá ler no trecho seguinte, que copio na íntegra, até me pediu desculpas por me haver usado como de sua propriedade, desconsiderando a minha precisão destes momentos de isolamento e de exame da realidade objetiva.
Eis a referência:
“Ao meu querido Murilo, deposito a seus pés uma rosa colhida no jardim da residência que me abriga, como demonstração de nosso amor maduro, talvez extemporâneo, mas de grande proveito para minhas reflexões atuais. Sei que ele precisava de uma esposa menos aferrada aos projetos teóricos e menos dedicada aos trabalhos práticos, porque eu o punha ao meu dispor vinte e quatro horas por dia. Que esta rosa ideal (ou virtual) tenha o odor de um pedido de perdão. Um beijo e um abraço bem apertado, em nome de Jesus.”
Quando li pela primeira vez o texto, ainda trazia um ranço de má vontade em relação ao fato de o médium ter dado passagem a essa comunicação que me parecia apócrifa, dado que faz muito pouco tempo que Rosália desencarnou. Estava tão envolvido emocionalmente que nem notei as semelhanças sutis entre os dizeres delas e os meus. Mas, apenas para citar, aquela retificação parentética do “virtual” foi definitiva.
Hoje estou aceitando a mensagem como original, ou seja, dela mesmo, embora me haja passado pela idéia que bem poderia ter sido elaborada por um espírito, a seu mando, para o efeito da reconciliação. Isto tenho ensinado no centro, nas aulas a respeito do fenômeno mediúnico, de maneira que estou bem a par do que escreveu a respeito o nosso Codificador.
Mas que importância terá esse fato, se a mistificação vem do plano espiritual e não visa senão trazer muito conforto às almas aflitas pela perda de um ente querido? De qualquer modo, fico atento para a possibilidade de haver alguma conotação sutil no texto, preparada para me desviar do exame mais ponderado pelo intelecto, insinuando algum argumento que possa iludir-me nas conclusões. Foi pensando assim que elevei meu pensamento ao Senhor e orei com muita devoção, pedindo por Rosália e por todos os seus amigos da espiritualidade, agradecido e comovido.
O segundo trecho é o seguinte:
“Para o meu Murilo, tenho a informar que Márcia não se encontra nos círculos familiares dos ascendentes do meu gentil consorte, devendo freqüentar, portanto, a esfera em que ‘convivem’ os parentes dela. Fique em paz, no entanto, porque, se ela habitasse alguma região inferior, teria sido bem mais fácil localizar-lhe o paradeiro. O meu ex-marido veio ao meu encontro no dia em que faleci, mas hoje estamos separados, porque está preparando-se para reencarnar. Sobre isto, não posso acrescentar mais nada, para não fomentar idéias supersticiosas ou preconceituosas, como ocorre tão constantemente quando se suspeita que o filho de fulano seja o espírito de sicrano. ‘Guto’ é uma criatura maravilhosa, lutando ainda para superar certos problemas da última encarnação, mas isso ele mesmo tem repetido em suas comunicações.”
Acostumado a corrigir os defeitos de redação de Rosália, pus mais ou menos em ordem os trechos copiados, apesar de o médium ser muito bom no registro gramatical dos ditados.
O que me deixou mais envergonhado no texto foi Rosália haver citado Márcia, primeira referência mediúnica de minha menina. Mas “tremi na base”, como diria coloquialmente de maneira muito expressiva, ao ver que transparecia a possibilidade de Márcia não freqüentar um círculo mais elevado. Aliás, a declaração de que, se estivesse num campo energético inferior, Rosália saberia, não me pôs o coração sossegado.
O mínimo que pensei foi que Márcia, inteirada de minha verdadeira personalidade, ausentou-se, não me permitindo conhecer o seu adiantamento, qualquer que seja, para me facultar perene formulação de superior parecer a seu respeito. Ou não me queria ver decepcionado, ou desejava haurir de minhas preces por mais largo tempo. De qualquer modo, é opinião que desmerece de meus antigos sentimentos.
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Vinte dias se passaram e eis que nova mensagem nos chega de Rosália, desta vez inteiramente dedicada à personalidade de Márcia.
Tão graves foram as informações, que me ponho absolutamente pasmado diante de mim mesmo e de tudo quanto pensei a respeito da mulher que foi minha esposa por muitos anos.
São tão desencontradas as informações com as sugestões que captei de meu inconsciente, que me recuso a aceitar as palavras do texto mediúnico como de orientação sadia para um ser vivente necessitado de melhorar o seu desempenho em certas áreas do espírito.
Tanto pus na cabeça que Rosália exercera em vida um papel de obsessora, que não na vejo hoje de modo diferente, conquanto tudo o que me escreveu esteja absolutamente conforme à lógica das formulações e reações psíquicas daquela criatura que julgava de eleição.
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Escrevi tanta coisa neste caderno de que me arrependo agora que, antes do que prosseguir, estou melhor preparado para começar tudo de novo, utilizando-me do computador, passando a limpo algo que mereça aproveitado e despejando para longe dos olhos alheios os desenvolvimentos menos edificantes, aqueles mais aptos a despertar mórbida curiosidade do que a implantar nas mentes a necessidade de legítimo raciocínio espírita.
Vim para este desenvolvimento preparado para não ter surpresas temáticas, tanto assim que o argumento contrário está na ponta da língua, qual seja, tudo quanto considerei a respeito de registrar os problemas para não me esquecer de lhes dar solução adequada, propondo-me a equacionar cada circunstância psicológica perante a argúcia dos raciocínios objetivos, diretos e autênticos, de um escrito formal e definitivo.
Quanto a Márcia, entretanto, vai demorar muito tempo até que me acostume à idéia de que está muito feliz na companhia de um ser muito querido de outras encarnações, o qual precisava (tanto quanto eu, segundo Rosália) aprender a liberar sua “alma gêmea” (com perdão da expressão condenada por Kardec) para outros amores, em condições cármicas de indiscutível coerção material.
De acordo com Rosália, portanto, Márcia encarnou com a missão de ensinar a duas entidades que o amor evangélico não anda de mãos dadas com o amor dos encarnados, senão durante uma passagem muito rápida pelo orbe. Para as conclusões de caráter moral, remeto os meus leitores a Kardec, sem citações nem indicações bibliográficas. Corra a incursão como uma aventura doutrinária de muito boa perspectiva de aprendizagem.
Rosália ainda comentou que Márcia não poderia fornecer de “moto proprio” estas informações, impedida por seu bem-querer por mim e o seu respeito à minha tranqüilidade moral.
Muito a medo, assinalo que estou no aguardo, agora mais que nunca, de que algum espírito protetor de minha própria família venha confirmar os dizeres a que acima aludi. Afinal de contas, não foi Kardec quem disse que as notícias do etéreo precisam ser repetidas por diversos médiuns, em vários locais, para serem aceitas como verdadeiras?