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Erotico-->27. RACIOCÍNIOS LÓGICOS -- 06/03/2004 - 08:01 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Encerrado na escura jaula, ia Teotônio recompondo as informações do mascarado.

— Se estava a fim de me enrolar, quase conseguiu. Onde se viu me dizer que se passaram cinco anos?! Improvável! Se fosse assim, só se estivesse completamente alienado da realidade. Ou morto…

A suposição fez com que ficasse todo arrepiado, mas não temeu enfrentar a eventualidade.

— Até que teria sido interessante experiência no campo etérico. Pensar que estava vivo, quando apenas era guardado para as confissões íntimas ao Senhor e para a análise metódica da personalidade. Não é à toa que saio do misterioso recinto com total clareza de raciocínio. Vejamos. Se, na verdade, morri, então, mesmo que tivessem passado alguns séculos, a impressão que me deixaram seria de refacção do enredo existencial, em plano diferente do corpóreo. E quem seriam os que lá me asfixiaram por tanto tempo? De acordo com meus parcos conhecimentos, poderiam ser espíritos protetores, preocupados, evidentemente, em preservarem-me dos ataques dos seres malignos, uma vez que me reconheci inferior, cheio de defeitos, não tanto por qualquer extremado sentimento de culpa, mas por ter sabido sopesar os procedimentos da vida, concluindo, sabiamente, como não condizentes com as diretrizes evangélicas. Quando Severino me falava da irresponsabilidade social, queria que eu entendesse que se tratava dos ensinos superiores do Cristo e não, simplesmente, dos regimes políticos mais ou menos voltados para o bem-estar da população em geral. Interessante possibilidade. Estranhava eu que não me vinham à mente os problemas com o pessoal dos diversos empreendimentos que levei à frente. O mais esquisito é que minha “morte” está parecendo-me o mais lógico, principalmente porque não me lembra nenhuma ocorrência de seqüestro tão longa. Qual instituição criminosa reuniria condições tão especiais de manutenção de alguém num único cativeiro, sem que a polícia desconfiasse das atividades dos bandidos?…

Suspendeu o roteiro que tomava a onda de hipóteses, porquanto se desviava para a vida material.

— Se eu estivesse vivo por cinco anos, mesmo assim teria sido dado por morto, com ou sem pagamento do resgate. Reféns vivos dão muito mais trabalho… Deverei, portanto, preparar-me para entender os códigos da novíssima condição…

Sabia Teo que estava considerando as condições como eventuais, entretanto, algo novo se lhe introduziu nos pensamentos.

— Por que devo considerar a condição de espírito como “novíssima”? A ser exata a teoria de minha irmã, o Espiritismo é claro ao afirmar que os que nascem apenas retornam à vida corporal, encarnam, como dizia ela, o que me remete à situação de espírito, a mesma que tinha antes de nascer. O que preciso esclarecer será o fato de não ter retornado, de imediato, ao aparato existencial que usufruía anteriormente. Não seria lógico aguardar ser recebido pelos parentes, pelos amigos, pelos conhecidos, pelos benfeitores, pelo anjo de guarda, sei lá, por alguém com quem me relacionava e com quem convivia?

O termo “convivia” soou extraordinariamente estranho.

— Estarei tendo alucinações? Como é que posso elaborar esse mundo de conjecturas, quando tenho somente indícios de que as coisas possam ter ocorrido à revelia de todas as impressões materiais que teriam persistido por tão longo tempo, durante a reclusão a que fui submetido? Deverei estar atento para os fenômenos exteriores, assim que me largarem no meio da cidade.

A rapidez vertiginosa dos pensamentos causou-lhe certo desfalecimento. Demorou para recuperar a lucidez. Percebeu que estava um pouco zonzo, talvez porque…

— … esteja reintegrando-me à atmosfera da crosta. Se bem avaliei o que se passou comigo, devo ter estado naquilo que Lídia chamava de Umbral, região de sofrimentos e de litígios entre os seres sofredores.; região em que a consciência dos males se confronta com as lições evangélicas recebidas durante o aprendizado corpóreo, desta ou de anteriores passagens pela carne. Tenho a nítida sensação de ter as idéias esclarecidas por informações recebidas por indução mediúnica, tanto que não me julgo capaz de estabelecer padrões de conhecimento, por meio das simples observações captadas das ligeiras menções de minha irmã. O tempo que dediquei às meditações a respeito do misticismo haurido do interesse esporádico pelas religiões e seitas do candomblé, por ocasião da busca de inspiração para a confecção de figurinos…

De novo se via às voltas com os dados oriundos da derradeira encarnação. Não lhe pareceu a melhor estratégia para enfrentar a morte, caso tivesse, verdadeiramente, sido “despachado”.

— Quem terá dado cabo de minha vida? Terá sido o próprio Severino? Mas se é apenas espírito?… Então, devem ter sido os bandidos que me prenderam. Em que momento? Lembro-me de ter chegado vivo ao cativeiro. Ou terei tido apenas a impressão? A confiar na informação da morte de Leonel, devo ter recebido também algum tiro. Como é que criei todo um mundo virtual a partir desse instante, como se tivesse sido real o seqüestro? Terá a mente a capacidade de vivenciar, através da imaginação, período tão longo, incapaz de reação contra si mesma? A inteligência não deveria ter despertado mais cedo e não neste instante tremendo, em que, pela simples palavra de um sujeito mascarado, estou a deduzir inúmeras conclusões?

Pensou no tempo que dedicou a si mesmo. Lembrou-se de ter refletido muito sobre a superficialidade dos conhecimentos, não se dando ao estudo categorizado dos temas superiores da vida.

— Se não me dediquei ao conhecimento das doutrinas da vida e da morte, fui beneficiado pela dedicada aplicação dos que me protegeram de mim mesmo, uma vez que a revelação imediata de minha morte, com certeza, iria me fazer revoltado contra os assassinos. Do jeito que passei esse tempo, pude atenuar as paixões, acatando os desígnios de Deus como justos e irrepreensíveis. Tantas vezes rezei o padre-nosso que incrustei na mente a idéia do perdão. Se me voltar agora contra os homens que me fizeram tanto mal, não poderei dizer que tenha assimilado essa noção fundamental dos ensinos de Jesus.

Veio-lhe clara a passagem do pedido de perdão do Nazareno já dependurado na infamante cruz. Nesse momento, o veículo parou e a tampa se abriu ruidosamente. Foi retirado à força do apertado e desconfortável escaninho. As pernas estavam doloridas. Foi-lhe colocada na mão uma peça de metal, uma chave. Nenhuma palavra. Ouviu o carro afastar-se. Passou a mão pelo gorro. Encontrou o cadeado. Sem esforço, passou a chave. Retirou o capuz. Olhou em derredor. Estava no meio da estrada, em pleno matagal. Sentiu-se sozinho e desolado. A Lua reinava, cheia, num céu sem nuvens. Estava por sua própria conta. Pôs-se a caminhar, enquanto, em sua mente, as palavras se organizavam em versos, irresistíveis, os quais memorizava desde logo. Ao cabo de alguns minutos, recitou o soneto:

Elegia

Estou triste, ao desamparo,
Nesta esfera tão ruim:
Com o pensamento claro,
Ninguém a esperar por mim.

Volto à vida, sem um fim,
E me ponho, caso raro,
A pensar pelo que vim,
Mas, nas dúvidas, eu paro.

Faço versos em má hora,
Sem qualquer necessidade.
Qual é o bem que vigora

Nesta próxima cidade?
Por Deus, por Nossa Senhora,
Quem me ajuda, por piedade?

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