Entro contigo no tango... a sala escura da noite, amarela das velas e lâmpadas, vermelha das echarpes que cobrem o colo decotado... os homens murmuram olhares por entre o cigarro e a boca de vinho, enquanto algumas mulheres fingem não ver, e nós espaçados pela arena de luz entreaberta, com a música a abrir alas aos nossos torços, desafiando-nos com o olhar por cima do ombro, cada um na sua altivez... sinceros, talvez por isso altivos... a dança que faz sangrar por dentro inicia-se com passos pequenos, quase de ponta em riste, num calcorrear de domínio, talvez impróprio, mas na certeza de ter sido conquistado...
Os nossos corpos atraem-se ao toque, e a quente valsa lenta faz arrastar o terceiro passo, riscando o galgado dominado... entre a presa e a pressa do predador, o instinto não deixa enganar, e estamos ombro a ombro, medindo a altivez de cada, pesando o olhar em cada vez.
Os passos base são dados, primeira plataforma de entendimento, tudo ruma bem por baixo... nunca ninguém se pisa... os defeitos são feitos em ardinas de grito escancarado. O fumo inundava a sala assim como as luzes ganhavam corpo... os nossos corpos afinados, síncronos, dados ao seu lazer de roçar as vestes.
O meu pescoço chega-se ao teu beijo e este fica no ar, riscando os teus lábios um baton rouge na camisa creme.
A minha mão afaga o teu rim, e deixa-se cair pelos teus quadris amêndoa. A tua perna pela racha espreita, pousando em riste na palma da minha mão. Gentilmente, arranhei-te a perna com as unhas... estavas a merecê-las, trespassando os pontos da meia à pele por fim, o teu olhar, falsamente, de ofendida em ofensiva, reprovavas o gesto enquanto te deliciavas o caminho por ele percorrido. A olhar-te, parado na arena, indagava a verdade... e por ela fui, pela tua.
Aproveitando o teu circular, de forma centrifuga aproximei-me de ti... dançámos com os ombros, a tua alça descai, escorrega pelo ombro... vi a verdade do caminho... enquanto a tua mão percorre o meu tronco, fazes cair um botão com a garra pintada... sorris e pensas: sorte paga.
O duelo continuava, enquanto as nossas pernas traçavam os caminhos que as coxas suspendiam, o suor começava a escorrer, os dentes rangiam... o violino começava o seu solo... revelava-me ali, mas porquê, porquê o meu corpo seguia esse caminho?
- Porque cego seguia, e era acompanhado por sê-lo, assim, imprudente.
Assim como ela roçava, eu tocava o fim da coxa... em riste, eu seguia-te juntando-me ao teu ir.