Um belo dia, indo discutir alguns assuntos com o pai, Rosalinda descobriu que havia certa intimidade do velho com a moça que substituíra Lavínia desde que esta a acompanhara para a sua loja.
Roberta surgiu do nada, passando para trás todas as balconistas. E não foi porque conhecesse o serviço. Ao contrário, no começo, toda vez que Rosalinda comparecia à loja do pai, estava a moça recebendo instruções do velho, que, com infinita paciência, ia levando-a pela mão a todos os setores de seu comércio.
Intrigou-se a filha com aquela presença jovem ao lado do pai, moça que beirava os vinte e sete, vinte e oito anos, alta, loira, bonita, de profundos olhos azuis, sempre com um sorriso cativante nos lábios, como se a vida lhe estivesse sendo um mar de rosas.
Mas Rosalinda não quis chamar a atenção sobre o problema do pai, buscando os serviços profissionais de uma detetive. Queria saber o grau de envolvimento deles.
Dois meses depois, chegava o relatório das observações. Ali se registrava que Roberta vivia sozinha num apartamento, onde recebia a visita do patrão a cada semana, sempre no comecinho da noite, nunca em período superior a duas horas.
De posse do endereço da funcionária, num domingo de manhã, deixou Beatriz na casa dos pais, dando a desculpa de que iria trabalhar no centro espírita. Certificando-se de que o velho não sairia, rumou para o apartamento da protegida.
No caminho, imaginou um pretexto para poder entrar no edifício, ou seja, que iria oferecer à moça a vaga deixada por Lavínia mais de um ano antes, vaga ocupada por uma pessoa que ameaçava deixar o emprego para casar-se.
Anunciada pelo interfone, o porteiro recebeu imediata autorização para conduzi-la ao apartamento, sem necessidade da elaborada desculpa.
— Que bons ventos trazem tão importante pessoa ao meu modesto lar?
— Vim saber quais são as suas intenções com o meu pai.
Roberta percebeu que Rosalinda sabia mais do que poderia deduzir das visitas à loja. Mas não quis abrir o jogo, preferindo aguardar pelas revelações da outra:
— Eu não sei exatamente a que você se refere.
— Sabe, sim. O velho tem vindo regularmente visitá-la. Eu quero saber se você pretende escorchá-lo o quanto puder, inclusive causando um problema muito sério para a nossa família.
— Você está pensando que sua mãe vai separar-se dele?
— Entre outras coisas.
— Não seria o caso de perguntar a ela?
— Mas aí eu é que estaria levantando a lebre. O meu interesse é preservar a paz de espírito dela.
— Se eu lhe disser que Rodolfo vem visitar-me como um pai visita a filha, você vai acreditar em mim?
— Pois ele faz muito tempo que não vai me ver.
— É porque você está a toda a hora levando sua filha para a casa dos avós. Ele não precisa ir vê-la.
— E por que precisaria ver você?
— Para saber se está tudo bem comigo.
— Sobre isso vocês podem conversar de patrão para empregada na loja.
— Lá os nossos assuntos são todos relativos ao serviço.
— E eu não vi que ele estava abraçando-a e beijando-a, há uns dois meses atrás?!...
— No dia do meu aniversário, ele fez questão de me agradar, inclusive dando-me um precioso presente. Eu gosto muito dele. Sem ele, eu estaria na rua da amargura. Foi ele quem me deu este apartamento e é ele quem me orienta na vida.
— Estou vendo que você é finória, minha cara, com esse rostinho lindo, esse corpinho de bailarina e esse trato de primeira.
— Por favor, Rosalinda...
— Dona Rosalinda, pra você.
— Não me obrigue a revelar os meus segredos. Eu acho que Rodolfo não iria gostar disso.
— Você fala o nome dele com uma intimidade que simples funcionária não teria.
— Eu não sou uma simples funcionária. Eu sou, como ele mesmo me chama, a Robertinha.
— Você está querendo dizer que eu fiz mal em vir conversar com você? Que eu deveria ter ido diretamente entender-me com ele?
— Eu não estou querendo dizer nada. Você é quem sabe se deve ou não colocar seu pai sob julgamento, já que, precipitadamente, tirou conclusões a nosso respeito.
— Vai me dizer que ele não vem vê-la pelo menos uma vez por semana.
— Às vezes, mais de uma. Quando fiquei doente, vinha todo dia. Já que você sabe quantas vezes ele tem vindo, eu lhe pergunto se pode me dizer quantas vezes a sua mãe, Dona Rosaura, também vem ver-me.
A insinuação de que a mãe estivesse a par de tudo desconcertou a nossa heroína. Calou-se, mas seu olhar exprimia uma expectativa de resposta a uma série imensa de perguntas.
Roberta, por seu turno, deu um tempinho para organizar o que tinha em mente dizer. Por fim, vendo que Rosalinda não se desviava do objetivo que a trouxera, revelou:
— Quando você tinha um ano de idade, há vinte e oito anos atrás, eu nasci. Minha mãe, que você não conheceu, era uma funcionária da loja. Seu pai, desde aquele tempo, cuidou de mim. Minha mãe era solteira e só veio a contrair matrimônio há dez anos atrás. Meu padrasto, contudo, não me aturou por muito tempo. Decidiu levar minha mãe embora, indo morar em outra cidade, deixando-me, aos dezoito anos, sozinha neste apartamento, cujo aluguel era até então pago por seu pai.
— Se sua mãe trabalhava na loja há dezoito anos, eu deveria conhecê-la.
— Assim que se viu grávida, deixou o emprego...
— Então, eu não estou entendendo o porquê de meu pai ter tanto interesse em cuidar de vocês duas.
— Você não percebeu ainda que nós somos irmãs? O caso que você imaginou que ele tivesse comigo, ele teve com minha mãe.
— Santo Deus! E quando minha mãe ficou sabendo de tudo?
— Antes de eu nascer, seu pai contou tudo a ela.
— E ela...
— Ela obrigou-o a separar-se de minha mãe e a dar condições de sobrevivência para a filha que iria nascer.
— Foi uma séria crise no casamento. Por que eles jamais me contaram tudo isso?
— Agora, sim, eu vou sugerir-lhe que você pergunte a eles. Mas eu acredito, Rosalinda (acredito que você não vai exigir mais o dona), que o amor entre eles nunca desapareceu. Minha mãe foi um caso na vida de Rodolfo. Com certeza, uma paixão por carência de afeto quando seu irmão nasceu.
— Quer dizer que ficaram encontrando-se por mais de três anos...
— Eu acho que levou um certo tempo para eles desmancharem de vez. Mas essas águas faz tempo que passaram por debaixo da ponte. Infelizmente, eu não tenho nenhum controle sobre o passado. Espero que você não cause nenhum obstáculo ao meu futuro, ainda mais agora que estou namorando firme e pretendo casar-me. Uma certeza você pode ter: não serei eu quem irá causar nenhum transtorno à sua família.
— Pelo que entendi, seu padrasto levou sua mãe embora com medo de nosso pai. Eu não acredito...
— Vejo que você está encafifada. Quer ver o nosso álbum, para conhecer a minha mãe?
— Não quero mesmo. Já basta aquela foto ali sobre o móvel de vocês dois rosto a rosto, que você se esqueceu de esconder. Meu irmão sabe de sua existência?
— Não que eu saiba.
— Minha mãe pode ter contado a ele.
— Se ela não lhe contou, menos ainda ao filho. Quem deve estar a par de tudo é o confessor deles, mas sacerdotes não contam. Quanto a mim, mantenho o segredo o melhor que posso, mesmo que muitas pessoas pensem o mesmo que você. Até que é bom ter um mistério desses na vida.
— Roberta, eu não sei como devo reagir diante de tudo isto. Devo fazer de conta que não sei de nada? Gostaria de ficar a par de seus objetivos de vida. A minha religião determina que as pessoas devem sempre fazer o máximo para não criar inimizades.
— Eu também sou espírita. Foi esta doutrina que deu forças à minha mãe. A gente pode encontrar-se nas reuniões a que compareço lá na sede da federação. Que tal? Ali eu conheci meu namorado. Talvez nós possamos ligar-nos por laços de sangue, conhecendo-nos melhor e respeitando-nos.
A conversa seguiria nesse mesmo tom ainda durante uma boa meia hora, até que Rosalinda percebeu que estava na hora de sair.
Na porta do prédio, cruzou com um rapaz atlético que entrava e que a cumprimentou dando mostras de conhecê-la. Mas a visão não se fixou na mente da moça, ainda atarantada com a descoberta das estrepolias do pai.