Quando Rosalinda recebeu o convite para comparecer à clínica de terapia de vidas passadas da Doutora Nilce, convite que ocorreu em pleno jantar oferecido pelo marido ao transcurso de seu quadragésimo primeiro aniversário, ao qual compareceram muitos médicos e empresários, jurou que atenderia ao pedido dela apenas por curiosidade, porque não acreditava que aquele projeto daria certo. Foi a primeira coisa que ela lhe confessou:
— Nilce, eu vim para testemunhar, no entanto, se precisar de fé, não vou salvar-me, porque não acredito que, neste consultório eminentemente profissional, em que os terapeutas são remunerados, possa ocorrer uma sessão mediúnica para a qual sejam atraídos espíritos de boa evolução moral.
— Rosalinda, querida, eu só posso agradecer-lhe a imensa boa vontade de atender à minha solicitação. Se você veio, é que alguma coisa a atraiu, no mínimo a saudade de lidar com a espiritualidade superior, já que faz um ano que você deixou de freqüentar as casas espíritas.
— Mas, três vezes por semana, religiosamente, com perdão de tão mau emprego da palavra, registro os ditados de Esmeralda e de alguns outros companheiros dela.
— Eu sabia que os espíritos de boa intelectualidade nunca agem sozinhos.
— Nunca, minha cara, é peremptório demais. Mas que eles preferem atuar em grupos, isso é sem dúvida nenhuma.
— Eu preciso adverti-la de que o principal não é dar vazão às comunicações oportunas de guias ou de entidades vinculadas ao paciente. O que nos interessa é curar os males físicos através de indícios de problemas cuja origem se situe em vida ou vidas anteriores.
— Quer dizer que, enquanto o cliente fica em estado letárgico ou semi-hipnotizado, o médium pode ou não entrar em transe, para escrever alguma mensagem de interesse direto para o tratamento?
— Você entendeu perfeitamente. O que objetivamos, minhas sócias e eu, é ativar o plano da espiritualidade para compartir conosco o trabalho de auxiliar o paciente a se livrar dos problemas que o afligem. Nós discutimos muito e entendemos que, de uma certa forma, quem evoca o passado de outras encarnações, está exercendo a mediunidade chamada anímica, porque a pessoa começa a intermediar o plano da consciência profunda, sem saber exatamente o que está fazendo, passando ao clínico as informações que ele vai concatenar, para evidenciar quais as causas remotas das crises ou dos traumas psicológicos atuais.
— Vocês já tentaram com outros médiuns?
— A bem da verdade, trouxemos quatro médiuns de incorporação, vamos dizer assim, médiuns que transmitiram mensagens por via oral...
— Psicofônicos...
— Exatamente. Eles, porém, mais confundiram a gente do que auxiliaram, porque interferiam no processo regressivo que estávamos executando. Por isso é que convidamos uma psicógrafa, porque irá trabalhar em silêncio.
— Vocês estão planejando que eu esteja na mesma sala, ouvindo o relato do paciente, ou preferem que me isole em outro cômodo?
— De preferência, se não houver nenhum problema de alcançar o transe mediúnico, gostaríamos que o médium ficasse na mesma sala, discretamente ouvindo as declarações, para concatenar as idéias que lhe forem sendo passadas, segundo um roteiro coerente com a história apresentada.
— Se estou bem entendendo, seu projeto é muito mais ambicioso do que mera experiência. Vocês estão querendo incorporar ao grupo mais essa figura, crendo que o auxílio espiritual possa ocorrer de maneira regular, tornando as entidades, mais ou menos, colaboradoras diretas do grupo dos encarnados.
— Veja bem. Do jeito que você está colocando, vai parecer que nós estamos acrescentando à equipe dois ou três espíritos do círculo de nossos guias ou protetores. Não se trata, em absoluto, disso, porque, então, sim, haveria um compromisso que o próprio Kardec condenou, ou seja, de evocar espíritos a tanto a hora. O que imaginamos é que, como cada pessoa possui pelo menos um anjo guardião ou alguém que vele por ela a partir da espiritualidade, ainda que seja rejeitada pelo encarnado, a essa entidade seria dado um ensejo valioso para expressar seus sentimentos ou sua orientação, em função das revelações que forem sendo feitas.
— A minha pergunta tem uma razão prática. Acontece que, para mim, esse trabalho irá constituir-se em simples experimento, porque não tenho como ficar à disposição de vocês tantas horas por dia.
— Nós sabemos disso. A razão de convidá-la é a seriedade de seu desempenho. Nós lemos os três livros de mensagens que você colocou na Internet e concluímos que se trata da mais pura manifestação da espiritualidade. Como não podemos recorrer ao saudoso Chico Xavier...
— Se vivo, ele teria mais de cento e vinte anos de idade...
— Temos de confiar, portanto, nos médiuns que conhecemos. Se der certo o que pretendemos, teremos base para trazer para o nosso grupo outros médiuns escreventes, terminando por compor um quadro de auxiliares prestimosos.
— Nilce, sabe que você conseguiu convencer-me? Acho que o seu projeto é bastante viável. Mas ainda tenho um conselho ou uma advertência a fazer.
— Seus conhecimentos da matéria só nos vão ajudar a melhorar a nossa performance. Diga tudo o que sente e pensa, por favor.
— Vocês estão preparadas para analisar as mensagens escritas e descobrir se existem nelas insinuações maldosas ou francamente prejudiciais ao paciente?
— Conversamos muito sobre isso. Caso o protetor do grupo não esclarecer, comentando o ditado falacioso, estaremos resguardadas dos efeitos perniciosos, já que não pretendemos fornecer os textos aos pacientes. Quanto a isto, pode ficar bem sossegada, uma vez que você não irá perturbar ainda mais a mente que estivermos tratando.
— Vamos marcar um horário para a próxima semana.
— No seu caso, você determina os melhores dia e hora, enquanto nós marcaremos com o cliente depois. Mais uma coisa: você vai precisar que nós preparemos papel, lápis etc.?
— Eu tenho, em casa, apanhado os ditados datilografando diretamente no computador. No centro, eu usava lápis ou caneta, indiferentemente.
— Vamos providenciar um computador e também papel, lápis e caneta. Na hora, você decide qual o melhor sistema.
— Nilce, querida, falta apenas a parte dos direitos autorais. Tudo quanto eu escrever aqui, gostaria de poder examinar e, se for o caso, publicar.
— Podemos fazer uma sociedade. Você entra com as mensagens e nós com os casos, desde que os clientes aceitem a divulgação de seus problemas íntimos.
— Tanto para os textos, como para os relatos, vai ser preciso que eles dêem sua permissão por escrito, para não sermos processadas depois.
— Deus nos ampare, Rosalinda, porque estamos com a melhor das intenções, procurando realizar tudo de modo o mais honesto e moral possível. Você não acha?
— Deus sempre me amparou, querida, porém, às vezes, eu preciso refletir muito para encontrar o caminho utilizado por ele. Ultimamente, depois que me vi rejeitada no próprio centro espírita a que eu destinava o melhor de mim, tenho procurado separar o que provém dos seres humanos daquilo que significa a bênção do Pai. Acredite: não é fácil, porque existem os sorrateiros, os que fingem ser o que não são. Eu já cheguei a agradecer a Deus certas palavras traiçoeiras, sem atinar com a maldade delas. Só muito depois é que voltava a agradecer, não mais as palavras, mas o entendimento de que não visavam ao meu bem. Você está entendendo-me?
— Claro, querida. Foi por tiradas como essas que nós a escolhemos para nos auxiliar.
Marcaram para a semana seguinte e Rosalinda, após meditar bastante, chegou à conclusão de que todo aquele serviço nada mais era do que o convite indireto para voltar a emprestar sua mediunidade aos espíritos desejosos de comunicar-se.