Desde criança que escutamos dizer que o único ser inteligente sobre a Terra é o homem; os animais são mero instinto e não têm sentimentos. Afirmação vazia e desprovida de verdade, pois temos inúmeros casos de provas ao contrário em que vemos exemplos da inteligência dos animais, assim como de suas demonstrações afetivas.
Há relatos científicos devidamente documentados de animais que adotaram outros de raças diversas como filhos. Porcos amamentarem tigres, leões. Um caso famoso de uma leoa que adotou um veado órfão e por ai vai. Nos bandos de chimpanzés, quando morre um filhote, a mãe triste passa dias e dias carregando o filho antes de abandoná-lo. Esse, entretanto, é somente o prólogo de um caso de paixão animal.
Dez e meia da noite de um dia qualquer do ano de 1969, após a aula cinco amigos, todos adolescentes entre 14 e 16 anos, caminham tranquilamente para suas casas. Três deles moravam no próprio bairro; os outros dois faziam companhia, pois se dirigiam ao ponto de ônibus mais próximo, onde pegariam o transporte para suas casas, e aproveitavam a caminhada e o tempo para baterem um papo depois das aulas e trocarem umas idéias. Falar nas meninas, nas paqueras, comentar sobre as matérias, eventualmente, sobre as provas. Enfim, papo de adolescentes.
Naquele dia, os cinco sentaram-se na calçada de uma residência e aguardaram pacientemente a chegado do ônibus. Enquanto conversavam, surge uma cachorra faceira, balançando o rabo, mostrando uma felicidade ímpar ao encontra-los ali. De tão feliz, postou-se junto aos amigos e ficou, como se já fosse uma velha conhecida de todos.
Um deles, mais experiente, vendo que a cachorra havia se interessado por eles e balançava o rabo constantemente, disse:
- Essa cachorra está no cio. Está procurando um cachorro para cruzar.
Dessa conversa nasce uma idéia: comer a bichinha; não no sentido literal, mas amoroso. Discutem os cinco entre si, se topariam a parada. Uns aceitam; outros relutam com a idéia. Depois de muita discussão o assunto tem uma decisão unânime: todos aceitaram comer a cachorra. E saem dali em busca de um lugar mais propício àquele conluio amoroso, ou com preferirem àquela bestialidade.
Perto de onde estavam, um quarteirão e meio à frente, havia uma casa abandonada, rodeada por terrenos baldios. E pra lá levaram o animal. O trabalho maior foi conduzi-la até lá, que de quando em quando parava e ameaçava desistir. Entretanto, o problema foi solucionado com uma técnica fundamental para o sucesso da prática.
O sujeito que dera a idéia, bem traquejado no assunto de comer cachorra, quando ela parava, ele se abaixava e sutilmente roçava seus dedos no colecionador, espécie de arquivo de papéis muito usado por estudantes daquela época, e a bicha volta a balançar o rabo e o acompanhava, feliz. E nessa toada chegaram à dita casa.
Lá, surge uma questão de ordem. Quem seria o primeiro a comer a cachorra? Resolveram disputar na porrinha a colocação de cada um na fila para prática do ato sexual. O que dera a idéia, por justiça e haver incentivado o enlace, foi excluído do jogo e a ele coube o primeiro lugar da fila. Definidas as posições de cada um, foi passar ao ato propriamente dito.
Depois que todos tinham comido a cadela, voltaram para o ponto do ônibus e por lá ficaram até o ônibus passar, tendo os dois colegas que moravam noutro bairro ido embora, os demais se dispersaram, cada um em busca de sua casa.
A cadela, entretanto, tinha ficado por ali, perto deles. Quando todos foram embora, ela acompanhou o sujeito que a comeu primeiro, e junto seguiu até a casa dele. Ele entrou e ela ficou lá fora. Como as casas, naquele tempo, não tinham muros, quando muito uma cerca, a cachorra ficou fora, no terreiro, mas podia entrar tranquilamente no alpendre da casa.
O sujeito mal chegou, logo se deitou tranqüilo, e dormiu. Até por que adolescente dorme à toda. Por morar na casa de uma tia e a casa ser bem pequena, dormia na sala. Nos quartos ficavam o casal e os filhos, portanto, qualquer barulho na parte da frente da casa, ele seria o primeiro a escutar. E foi isso o que aconteceu. Pelas altas horas da madrugada, ele acorda com um barulho na porta. Achou aquilo estranho e ficou escutando. Daí a pouco o barulho se repete, e parece alguma coisa arranhando a porta.
Abrir a porta não era problema, pois perigo quase não havia. Como o barulho não o deixava dormir, resolveu ir verificar.
A porta da casa era dividida em duas partes: de cima e de baixo. A de baixo abria-se independente da de cima, sendo que a parte de cima sempre era aberta primeira. Neste caso, era preciso abrir só a de cima, por que dava para ver o que estaria arranhando a outra parte da porta. Quando ele abriu, deu de cara com a cachorra deitada, passando as unhas ligeiramente na porta, e ao vê-lo, voltou a ficar feliz e balançar o rabo, alegremente, já imaginando noutra trepada, um carinho, ou em gratidão, alguma coisa para a coitada comer.
Nada disso. Vendo a cachorra, ele tentou de todas as maneiras foi expulsar a bicha da porta da casa. Em vão. Ela não arredou e permaneceu até de manhã. Quando ele saiu, ela tentou acompanha-lo, mas ele conseguiu se desvencilhar do animal.
Entretanto, por pouco tempo, pois, à noite, por volta das dez e meia, novamente lá estava a bichinha, no mesmo local do primeiro encontro, à procura dos seus amados estudantes. E assim ficou até o cio terminar, quando sumiu de vez.
Nunca mais eles tiveram notícias daquela bela cachorra que deixou saudades. Porém, algum tempo depois, soube-se no bairro que nasceram cinco cachorros com cara de gente. O primeiro parecia uma batida de carro, com se diz por aqui, uma "barroada" - abalroamento -; o segundo chamaram-no de catrevagem; o terceiro acharam parecido com o Topo Gigio - personagem de TV nos anos sessenta e setenta; o quatro tinha cara de árabe; e finalmente o quinto parecia com outro personagem de televisão: o Catatau.