Na mesma medida que eu a conhecera, nosso relacionamento foi se aprofundando. Carla em suas várias nuances, Carla em seus apetites insaciáveis. Engraçado que sabida como ela só, tinha por hábito sempre inventar um prato, uma iguaria. Eu diria que ela tinha um tino, uma espécie de sexto sentido...
--Já tomou um Cabernet?
--Já.
--Isso porque você não conhece um bom Borgonha.
--Vinho francês?
--Ah sim. Acompanhado de um queijo gorgonzola... É uma dupla infalível!
Não tinha jeito. Ela, com sua graça, conquistara um pedaço razoável de meu coração. Difícil ficar sem falar com ela, ainda mais que ela estava sempre com um sorriso na voz aveludada. Em certos dias estava com a voz metálica. Nestes, estava zangada. Noutros, sua voz soava distante, ela estava sonolenta. Mas havia dias em que o veludo de sua voz traía seu desejo. Era então que nossos encontros nos traziam todos os ritos de Eros e Psiquê...
--Meu Deus!
--Nossa, meu bem...
--Aonde esteve hoje?
--Um campo florido. Havia árvores frutíferas. Engraçado, elas tinham brilho próprio. Já o rio era caudaloso e o troar da cachoeira coincidiu com...
E ela desatava a falar; eu a chamava de maritaquinha, ela dizia que sua mãe a chamava assim e ria, ria sem parar até fazer lágrimas. Era um riso que vinha de dentro, de sua alma...O quarto, além de seu perfume, era preenchido pela sua alegria.
Combinávamos, em certas ocasiões, uma rotina de sedução. Ela ficava no restaurante e eu sem avisar previamente, aparecia por lá. Dava um jeito de ficar num local onde ela me visse, sendo que ficava sempre de costas, justo para ser olhada e eu a fitava da cabeça aos pés. Claro que ela gostava. Vinha à mesa, abria o cardápio com sua elegância habitual, fazendo-se de garçonete, e dizia com a voz famosa que lhe era peculiar:
--Vinho, senhor?
--Qual você sugere?
--Hoje, um tinto italiano. Temos vários para acompanhar as massas...
--Hoje vocês têm massa?
Vinha então o cardápio que ela mesma havia feito, para enriquecer mais o seu patrão que de certa forma sabia o que se passava; tanto fazia porque ela lhe presenteava com pratos cada vez mais requintados e seu restaurante já fora até capa de revista. O nome dela despontava, seja pela riqueza de detalhes, seja pela sutileza de seus pratos. Como ela dizia: O simples pode ter muitos sabores... Eu saboreava então, junto com o pão italiano, sua silhueta morena que à meia luz se tornava mais sensual e que aguçava meu paladar com os aromas de seu corpo e vinham as lembranças de nossos momentos mais quentes...
--Gostou da massa?
--Bem, digamos, encorpada.
--Ah, com certeza. Tudo que se faz com carinho...
--...Se faz bem. Eu sei!
Ela se afastava com um sorriso no rosto. Era a senha, o sinal de mais uma noite alucinante, pois que os sinais de seu corpo, a exuberância de seus seios que despontavam em sua blusa era evidentes. Nós nos encontrávamos em seu apartamento, já que o meu era modesto demais para sua presença luminosa. Ela enchia os vasos de flores perfumadas e amarelas, enchia o quarto de pequenas dádivas e velas espalhadas, pétalas de rosas nos lençóis. E se entregava, grudada a mim ainda de roupa e de cabelos molhados, o olhar enviesado e teso, os bicos dos seios duros de prazer e desejo.
Na mesa, fumegava um Risotto al funghi, regado ao vinho branco que tilintava em duas taças geladas, ao som de sua música predileta.
O colchão teria de esperar, porque a noite prometia.