Olhos de corça era a imagem que lhe vinha à mente ao fitar, de longe, a bela morena que estava sentada a três mesas da sua. O ar seco lhe trazia a sensação de fuligem, todos reclamavam da rarefação de umidade. Ele se lembrava dos anos do deserto e a imagem que lhe vinha agora, sem forçar, era a de um oásis maravilhoso. Porque a moça, longe de desviar seu olhar, sorria levemente com o canto dos lábios. Ela estava sozinha, ele estava sozinho. O Universo conspira mas, nesse caso, transpirava pelos seus poros (lera em um livro que o universo interno em nada difere do Universo externo; todos os átomos de um vibram no mesmo diapasão do Outro.)
--Vê aquela moça, Jason?
--Quem não vê, doutor?
--Jason!
--... Vejo.
--Então; ofereça um drink daqueles maravilhosos que você faz a ela. Eu pago.
Chegaram à mesa dela um drinque com uma bola de sorvete, frutas vermelhas e chantilly. Ela olhou e ouviu a voz de Jason à meia-luz. O seu olhar rebrilhou quando ela, discreta, se voltou a mim e ergueu a taça. Alguém a tinha cortejado também; no entanto, aparentemente, no doce jogo em que nossa espécie se engalfinha há milênios, eu havia ganhado o round. Quem quer que houvesse sido, ela descartou porque, erguendo o corpo, veio em minha direção e o que vi, certamente valera a noite, o drink e o que mais fosse.
--Posso sentar?
--Claro! Quem sou eu para negar a vinda de uma deusa?
--Exagerado!
--À sua saúde!
Como sentar-se perto de uma musa? Descontraído? Risonho? Franco? Ou algo contido, com uma taça na mão, esperando os passos seguintes para saber o terreno a pisar, se um terreno minado ou um campo de trigo ardente de sonhos? Não há maneira de saber. O que temos de fazer é simplesmente deixar fluir o rio do desejo, deixar a porta aberta à fonte cristalina de prazeres...
--Sozinho?
--Leu minha mente?
--Estamos então. Bela noite!
A Lua desenhava um contorno de sombra... O olhar dela uma ponta de esperança... O meu coração quase saía pela boca.
--Gostei do drinque!
--Jason foi barman em Cuba. O menino sabe das coisas!
--Saboroso!
--Gosta mesmo?
--Uma boa oferta. Aliás...
Abertas as comportas, a conversa se abria a várias nuances; os assuntos variavam, viajávamos de Cuba ao Caribe todo, passando pela Argentina de Che, pela asma do guerrilheiro, pelas ruas de Buenos Aires e pelos lagos de Cancun. Tudo se resumia num ponto entre seus olhos que brilhava, encantava e no seu sorriso que se tornava menos tímido, ao avançar da Noite cigana. O toque de sua mão me estremeceu e ela percebeu.
--Calma...
--Não é medo, em hipótese alguma...
--O que é então?
--Mãos maravilhosas!
O tato fazia centelhas pularem de nossas mãos e os dedos se tocavam em contínuo frenesi. O olfato ampliava-se, sentia eu seu perfume citrino suave e seus cabelos em cachos elaboravam uma lenta coreografia, de luz e sombra; lembro-me de suas pupilas dilatadas no escuro do canto em que estávamos, e os gritos dos outros do bar se emudeciam e o ar ficava saturado dela e sua mão me mostrava o caminho dos sonhos. Eu já não era mais meu mesmo nem ela era parte de mim.
--Centelhas...
--O inverno é seco. Eletricidade eletrostática!
--Acredito em mais algum outro tipo de energia!
Seu beijo suave disparou nosso desejo. Fomos arrastados pela correria de nossos momentos, deixamos o rio correr à sua fonte. A primeira coisa que fizemos ao ficarmos sós foi tocarmos nossas mãos.
Deixo a vocês a continuação, à sua imaginação. De minha parte, eu a chamo de Cigana.
E ponto final.