A vida corporal é imitação do devir, em outras palavras: uma ficção da realidade desconhecida. Tudo é ficção, até mesmo o ir e vir da vida, é uma ficção e não consiste e ressurreições sucessivas, mas, ressurreição, pois, o homem morre uma só vez.
— Não compreendo. Lázaro morreu duas vezes e ressuscitou.
— Lázaro não ressuscitou. Foi reavivado.
— Esta fé não cabe em mim.
— Fé é como um grão de mostarda. Cabem centenas em um dedal.
— Creio que Deus pôs o universo inteiro num dedal.
— Então, não pode Ele te dar uma fé capaz de remover montanhas?
— Montanhas são obstáculos. Pedras de tropeço no caminho.Não sei quando a ficção esbarra na realidade nem aonde a hipérbole se choca com as paredes alegóricas da verdade.
— Ora, Bob! Não há círculo quadrado, nem quadrado redondo. Quando estamos diante da verdade absoluta, o devir acontece. E não precisa compreender. Basta crer.
— Não tenho certeza se entendi. Falas de limpar a chaminé?
— Teu interior é a tenda em que deves guardar o maior tesouro. Se compreendes que entender é entrar na tenda, então, habitarás o santuário da sabedoria e conhecerás a verdade absoluta.
— Verdade absoluta é uma necessidade lógica.
— Não banalize o sagrado.
— Não façamos teatro litúrgico. Se nos aproximarmos muito da alma, sufocaremos a carne. Retrocedamos. Não é chegado o devir.
Ravenala desligou o monitor. Guardou o roteiro e rascunhos de Estrela que o vento soprou.
— Desculpe-me, hoje não temos nada para o lanche — disse abrindo a porta de entrada principal do apartamento.
— Não tenho fome. Tenho sede!
— Saia!
— Minha santa! Ficas mais santa quando lhe retiro o “S”.
— Saia!
Foi.
E pensou na água que lhe pode dar de beber a Samaritana de Vespasiano.
***
Adalberto Lima, fragmento de Estrela que o vento soprou.
Imagem: Internet