Cristiane não chega a
estranhar as luzes do apartamento apagadas ao entrar, mas logo sente o cheiro
do cigarro do marido e percebe que, estranhamente, ele ainda se encontrava
acordado. Não era muito comum vê-lo de pé a essa hora, haja visto que não era
dia do futebol com os amigos, sexta-feira, e, a julgar pelo fato de que se
encontrava na sala, deitado e fumando, não tinha serviço extra para fazer. Ela
se pergunta qual seria a situação, não tardando a iniciar a comunicação com o
companheiro:
- Amor, você tá aí, diz
ela, ao ver Rômulo deitado no sofá. Que aconteceu que tá acordado ainda? Pensei
que já tinha ido dormir... – e ele dá uma nova tragada em seu cigarro antes de
responder.
- Não... tem algumas
coisas na minha cabeça, não consegui dormir ainda. – e ele se endireita no sofá
e se senta, apagando o restante do cigarro e deixando a fumaça sair pela boca
para, em seguida, pegar a carta que lia antes da esposa chegar em casa. Como se
tivesse se esquecido de levantar para olhar nos olhos da mulher quando ela lhe
desse uma explicação ele permanece sentado, passando-lhe a carta e respirando
fundo.
- Você quer me explicar o
que é isso?
- Que carta é essa?
- Isso chegou hoje da
faculdade. É uma carta, dizendo que você vai ser reprovada por falta, que tem
perdido aulas demais. Como que isso pode estar acontecendo se eu te deixo na
porta da faculdade todas as noites ou te vejo pegar o ônibus pra ir pra lá e
você nunca faltou a uma aula? Se você entrou na sala deve ter assinado a lista
de presença, só não assinou se não estava lá. E, se não está na faculdade, pra
onde você pode ter ido? – Cristiane permanece vários minutos olhando para a
carta, lendo-a ou ao menos deixando a entender que o faz. A expressão no rosto
mostra seu inconformismo com a situação e, não muito depois de ler o conteúdo
ou fingir que o fazia, retoma o diálogo com o marido desconfiado:
- Isso aqui já foi tudo
regularizado, não sei por que eles mandaram essa carta. E mais, eu matei ou saí
mais cedo de algumas aulas pra poder fazer trabalho em grupo com alguns colegas
de classe, isso aí foi falha da faculdade. Vou resolver tudo isso amanhã mesmo.
São uns palhaços, no mínimo pensam que vou ficar quieta vendo isso e acabar
sendo reprovada por falta e passar mais um ano dando dinheiro pra eles...
- Mas são muitas
faltas... segundo eles, você faltou a uma determinada aula praticamente uma vez
por semana, e o professor ou professora só dá aula duas vezes na semana. Você
não pensou nisso?
- Acho que fiquei muito
tempo sem estudar e acabei me desacostumando com o ritmo... E outra coisa,
todas as vezes que saí da aula dessa professora já tinha feito a chamada e ela
sabia que a gente estava saindo pra fazer trabalho, não pra vadiar. Não sou
como esse povo que, quando chega sexta, vão todos pro bar e praticamente
esquecem que estudam. Tanto que que eu chego em casa no horário todos os dias,
a não ser que aconteça alguma coisa.
O tom da mulher lhe
parece convincente, bem como a estória que ela conta. Teria uma possível
perseguição por parte de uma professora resultado em uma vingança na qual a
lista de presença teria sido usada como arma? E o que teria motivado isso se,
até o momento em que começou a estudar na faculdade, ao menos segundo Rômulo
sabe, ela não conheceria ninguém por lá? Seja como for, as palavras dela,
associadas ao alicerce que mantém seu relacionamento de pé, os anos que vêm
passando juntos desde adolescentes, o ajudam a se convencer da veracidade de
suas palavras.
- Você achou o quê, que
eu tava te traindo?
- Olha, pra dizer a
verdade, eu estranhei, sim, o fato de você não estar indo pra faculdade ou de
possivelmente não estar. Eu sou homem, sou desconfiado, e vejo cada coisa no
meu trabalho...
- Mas eu tô a vida toda
com você, sabe que eu te amo e que nem penso em outro homem... não tem por que
você ficar com paranoia agora, depois de todo esse tempo e de tudo isso que nós
construímos juntos. A gente tem uma história, uma vida, eu acho que já cheguei
num ponto em que não preciso provar nada pra você. O nosso dia a dia já prova
tudo. Não é?
Ele permanece calado.
Respira fundo novamente e sorri para a esposa, que retribui o sorriso e o beija
demoradamente. Os dois permanecem abraçados apertada e demoradamente, até que a
esposa o puxa para o quarto, retira o vestido que usava e ele, como se
entendesse o recado, passa a se despir também. Os dois se deitam, beijando-se
calorosamente, e logo Rômulo está perdido entre as pernas da mulher, sendo
rapidamente engolido pela fenda quente e úmida que não tarda a dar boas-vindas
aos movimentos de seus quadris. A esposa geme, abraça o marido e ele,
estranhamente, parece ouvi-la balbuciar silenciosamente um nome, impressão que
ele logo passa a ignorar por acreditar tratar-se ainda de efeito causado pela
carta e pela discussão tida há pouco com ela.