Como que na sequência de
uma reconciliação, o café da manhã preparado pela esposa tem direito a cereais,
torradas com pão francês, ovos mexidos e suco de laranja. O diálogo após o amor
da noite anterior não foi muito além do que já havia sido debatido pelos dois
anteriormente, cessando quando o sono bateu, pouco depois dos pedidos de
desculpa indiretos, quando Rômulo admitiu que não poderia jamais ter
desconfiado da esposa depois de tudo pelo que passaram. Um beijo selou a paz
entre ambos e, logo depois, o sono bateu pesado e ele nada mais viu até o
amanhecer.
- Bom que tenha chegado
essa época, não gosto do calor.
- Eu sei, diz ela,
alimentando-se junto ao marido. Às vezes eu acho que muitos casamentos acabam
caindo na monotonia justamente porque não resta nada mais de novo pra que
maridos ou esposas descubram um sobre o outro. Sei lá, parece que a coisa acaba
caindo meio que na monotonia. Talvez você ter tido aquela desconfiança ontem
tenha sido bom, de certa forma...
- Monotonia, rotina, são
coisas que fazem bem... Ainda mais em alguns casos em que aparece cada novidade
perturbadora, como alguns casos que chegam pra mim no escritório.
- É? O que anda
acontecendo por lá?
- Um exemplo, um camarada
tá pedindo a separação da mulher porque descobriu que tá sendo traído. Os dois
têm uma casa, com edícula no fundo que é alugada pra uma rapaz. A mulher aproveitava
que o peão saía pra trabalhar e se realizava com o inquilino. O cara começou a
ficar desconfiado quando a mulher não recolhia mais o aluguel do cara. Ela
disse que tava depositando o dinheiro na conta, mas há uns três meses que não
chegava mais. A coisa acabou em briga quando o marido chegou em casa, pegou o
sujeito na cama com a esposa e foi pra cima. Mas o cara era maior e o corno
acabou tomando uma surra...
- Além de corno, ainda
apanhou, diz a mulher, rindo com a boca cheia de pão. Coitado, contorna ela,
quando percebe o espanto do marido, ainda que contido, com sua reação diante da
traição da esposa do cliente. E aí, que fim vai dar isso?
- Ele quer separar e
ficar com a casa, aí vai expulsar a mulher e o inquilino. Mas admite que ainda
ama a mulher. O duro é que ele não tem nenhuma prova do adultério e, se larga
ela assim, ainda vai ter que dividir os bens, já que não são casados no
papel...
- Situação complicada
essa. Ainda deu sorte que a mulher não meteu uma Maria da Penha nele, nessa
época é só a mulher abrir a boca que o marido tá indo em cana, mesmo sem ter
feito nada...
- Felizmente, nós não
temos esse problema, diz ele, segurando na mão da mulher, que sorri enquanto
mastiga o pão. Bom, melhor eu me arrumar pra ir trabalhar. O trânsito pro
centro já deve estar um desastre.
- Vai lá. Daqui a pouco
vou pra academia.
Tão logo escova os
dentes, Rômulo se despede da esposa e ganha o corredor, esperando o elevador
chegar. No caminho para o estacionamento do prédio, contato com um ou outro
vizinho, conversa jogada fora, sorrisos amarelos, um bom dia aparentemente
amistoso, como é de se esperar do convívio entre pessoas que residem no mesmo
prédio e não necessariamente se relacionam.
Ao chegar ao térreo ele não se detém, caminhando em direção à saída.
Cumprimenta o zelador e um dos porteiros, ambos tentando disfarçar alguma
reação quando o advogado passa pelos dois, que continuam conversando e, olhando
em volta quando ele se afasta, entram no prédio. Se Rômulo por algum instante
nota a reação dos dois trabalhadores ela logo é esquecida, tão logo ele entre
em seu carro e esteja dirigindo em direção ao escritório.
Assim que chega ao
estacionamento, na Rio Branco, Rômulo deixa a chave com o funcionário e caminha
em direção ao prédio onde fica seu escritório. Não demora muito para que a
discussão com Cristiane seja esquecida, uma vez que ele, tão logo entra no
prédio, começa a pensar nos compromissos que vai ter de enfrentar durante o
dia, razão pela qual chegou mais cedo ao escritório. A secretária, acredita
ele, já deve estar ajeitando os papéis para a audiência das 13:00hs, uma vez
que ele disse que gostaria de examinar os documentos antes de sair. Mais uma
vez, dentro do elevador, socializa-se com os demais inquilinos e funcionários
do prédio, à medida que os conhece. Poucos minutos depois, chega ao escritório,
no décimo andar.
Passa pela porta de
vidro, não vendo a secretária em sua mesa. Sabendo que ela já se encontra por
lá, decide chama-la, enquanto leva sua maleta até o escritório.
- Ângela, você tá por aí?
– Antes que possa ouvir qualquer resposta, vê a secretária saindo do banheiro,
seguida de um homem de macacão azul, que demonstra uma discreta, mas existente
apreensão. A mulher procura não esboçar qualquer insegurança e ajeita, tentando
não chamar a atenção do chefe, a roupa e o cabelo.
- Bom dia, chefe... Eu
chamei o zelador pra dar uma olhada no vazamento do chuveiro. Ele já tava quase
acabando, não esperava que fosse chegar mais cedo. – Pensando no dia que vai
ter no fórum e sem disposição para entrar em atrito com a secretária, numa
fração de segundo o advogado acha a melhor forma de responder:
- Ah, sim, espero que
tenha conseguido resolver. Às vezes quero tomar um banho pra ir pra casa ou
algum outro lugar depois do serviço e fica aquela água gelada pingando em mim
enquanto tomo o banho quente...
- Não se preocupa, não,
doutor Rômulo, tá tudo arrumado. Se precisar de alguma coisa de novo é só
chamar.
- Obrigado, seu Osvaldo.
Até mais. – O zelador deixa a sala, sem olhar para trás, deixando a entender
claramente o que fazia ali, com a secretária do advogado. Ele se vira para a
funcionária, vendo-a ajeitar a roupa e, mais uma vez, o cabelo, não conseguindo
esconder o espanto, embora contido, ao olhar para o rosto da mulher:
- Limpe o canto da
boca... – ela passa o braço no local indicado e o patrão nota que há pequenas
manchas na blusa da mulher, sobre as quais ele não se preocupa em comentar. –
Ângela, o que você for fazer, não faça aqui, tudo bem? Preparou os papéis que
eu pedi?
- Já, sim... estão ali em
cima da sua mesa. Na verdade, já tinha deixado uma parte pronta ontem e hoje só
juntei tudo.
- Certo. Eu vou me
preparar pra audiência agora, marque os compromissos de acordo com a
disponibilidade da agenda, tá bom?
- Tudo bem. – O advogado
dá um sorriso e caminha em direção ao escritório. A secretária, percebendo a
vista grossa, se mostra um tanto constrangida e percebe os pontos manchando sua
blusa, tentando se limpar.
Dentro de sua sala,
Rômulo começa a organizar os papéis quando, num determinado momento, se pega
pensando na cena que presenciou quando chegou ao escritório, no que havia
acabado de ocorrer entre a secretária e o zelador, mais do que visivelmente
notório, e também, ocasionalmente, na esposa. Ângela, sabia ele, é casada desde
antes de começar a trabalhar para ele, há coisa de três anos. Nunca perguntou
nada sobre o casamento dos dois, mas também nunca a ouviu reclamar, embora já
tenha ouvido um ou outro comentário malicioso sobre ela por parte de
funcionários do prédio, o que indica que o zelador, provavelmente, não foi o
único a usufruir dos favores dela. Mas o
que motivaria as traições, ele se pergunta, lembrando que lida com elas dia
após dia no cotidiano do trabalho. O que estaria errado no casamento para que a
mulher se prestasse a tirar a roupa para outros homens e enganar o marido, com
quem divide a cama? Se não há nada que precise compensar através de seus
encontros secretos, seria unicamente desequilíbrio moral?
E quanto a Cristiane? Seria ela totalmente
fiel? Ele se pega novamente perguntando-se sobre o assunto, embora a desculpa
dada na noite anterior tenha sido convincente o bastante para que ele não mais
pensasse sobre ele. Mas ele mesmo já fez faculdade e não se lembra de algo
assim ter acontecido enquanto estudava. Não que fosse totalmente absurdo, mas
não há como não ficar surpreso. E, como se uma coisa não puxasse à outra, ele
logo se vê lembrando-se que a esposa passa várias horas sozinha em casa e que
não precisaria ir à faculdade para conhecer um amante ou vários... ou talvez
houvesse conhecido alguém por lá e passasse seus dias com eles, ou simplesmente
houvesse, sim, matado aula para estar com outros homens.
Como se não visse o tempo
passar, o advogado logo está a caminho do fórum da Barra Funda. O trânsito,
como é de se esperar, não colabora. Lá, as audiências parecem se arrastar e as
conversas com clientes, muitos deles criminosos, parecem lentas e improdutivas,
dada a quantidade de vezes que Rômulo tem de explicar, seja o que têm de dizer
diante do juiz, seja a pena que vão ter que cumprir devido a determinado crime
após uma condenação. As horas se passam, e, por volta das 16:00hs, vem a
notícia de que uma das audiências foi cancelada. Indisposto para retornar ao
escritório e acabar tendo de discutir com a secretária devido à possibilidade
de flagrá-la novamente com o zelador do prédio ou algum outro com quem ela se
relacione, ele decide pegar o carro e retornar ao lar.
Tão logo chega ao prédio,
estaciona o carro e não vê a hora de estar sentado em sua poltrona, descansando
em seu apartamento uma vez mais. Ao subir para o prédio percebe o porteiro
fazendo uma ligação no interfone. O homem acena, cumprimentando o advogado, que
entra no elevador e sobe em direção ao seu andar. Ao chegar, abrindo a porta,
vê o zelador adentrando as escadas, provavelmente para distribuir a
correspondência, desta vez, mais cedo. Ele entra em casa, então, percebendo que
a porta se encontra destrancada, vê a mulher, mais à vontade que o normal,
utilizando apenas as roupas de baixo, arrumando a cama.
- Oi, chegou mais cedo! O
que houve?
- Uma das audiências foi
cancelada. Arrumando a cama agora?
- Isso... tirei uma
soneca de tarde, aproveitei, então, pra trocar a roupa de cama. Como foi seu
dia?
- Corrido. Analisando
documentação, audiências e, de manhã, cheguei no escritório e por pouco não
peguei a secretária com o zelador.
- Sério??? Dentro do
escritório? Como foi?
- Ah, eles me ouviram
chegando e saíram de dentro do banheiro, tentando disfarçar, se arrumando... eu
notei que ela tinha um traço de esperma no canto da boca. – a esposa se
impressiona.
- Nossa... e o que você
fez, mandou ela embora?
- Não. Só deixei claro
que ela tem que fazer o que quer que faça em outro lugar. Ia dar dor de cabeça
pra arrumar outra secretária, pagar direitos trabalhistas e tudo o mais.
Contanto que ela faça enquanto eu não estou lá e isso não afete a imagem do
escritório, tudo bem. Mas o que me intriga é que a mulher é casada. E eu já
tinha ouvido alguns funcionários do prédio falando dela antes de eu ter visto
ela com o zelador.
- Meu, é chifre comendo
solto... não dá pra confiar em mais ninguém, diz Cristiane, rindo. Aí a mulher
chega em casa e beija o marido depois de chupar o pau do zelador!
- Pra você ver... Bom, eu
vou tomar um banho. Pelo menos dá pra ficar um pouco com você antes de você ir
pra faculdade.
- É, responde a esposa,
com um sorriso amarelo enquanto o marido, pronto para o banho, dirige-se ao
banheiro. Ela permanece no quarto, arrumando a cama, enquanto ele, vendo o
lençol recentemente tirado da cama mal arrumado no cesto, praticamente caindo
dele, decide arrumá-lo. Assim que o toma nas mãos sente algo pegajoso, que logo
nota ser uma mancha de tamanho considerável e que se espalha pela região
central da roupa de cama, como uma mancha grande de esperma recentemente
derramada...