Rômulo e Cristiane
praticamente não conversam sobre qualquer assunto o resto da tarde. Ele,
alegando cansaço, decide ir para a cama e ela passa os minutos seguintes se
preparando para ir à faculdade. Enquanto a esposa toma banho ele procura manter
a calma diante da cena que há pouco presenciou, pensando se o que lhe incomoda
mais é o fato de ter tocado no esperma de outro homem em seu próprio lençol ou
daquilo se tornar uma confirmação, sem qualquer sombra de dúvida, da traição da
esposa. Não seria possível que fosse dele, até porque nunca ejaculou fora da
mulher, e, mesmo que o fizesse, o lençol certamente teria sido trocado logo
após o ato. Isso, mais o fato de ela estar apenas de roupa íntima em casa,
coisa que ela não costuma fazer, e decidir arrumar a cama justamente naquela
hora.
Quem poderia ser? O dia
todo em casa, sozinha, oportunidades não faltariam. E mais, onde ele poderia
ter errado para dar margem para que uma traição acontecesse? Ele precisava de
respostas para as duas perguntas, seu casamento estava para desmoronar e ele
precisava saber o que poderia fazer para salvá-lo ou, ao menos, se valeria a
pena ainda fazer isso. Mas também sabia que não poderia descobrir com quem a
esposa o estaria traindo se agisse com cabeça quente. Fingiria não ter visto
nada, deixaria tudo como está, por enquanto, e passaria a vigiar os passos da
mulher. Sabe que precisará de um autocontrole considerável para conseguir
manter-se calmo e levar adiante o que planeja, para não falar da vigilância
quase que constante que terá de manter sobre ela. Seja como for, não há outro
jeito.
Deitado na cama, como se
dormisse, ele ouve a esposa sair do chuveiro. Não diz qualquer palavra,
permanecendo deitado. Ela começa a se arrumar, passando um perfume, e colocando
uma lingerie até então desconhecida por ele. Nada que veste em seguida é
provocante em demasia, deixando a entender que ela não necessariamente pensa em
sair para conhecer alguém. Se existe um amante ele, provavelmente, é alguém que
ela já conhece há tempos e que a abordou em uma determinada ocasião. Mas e se
ele não estiver na faculdade? E se for alguém da vizinhança, que aproveita
enquanto o homem da casa está trabalhando para tirar proveito de sua mulher?
Alguém que morasse no prédio, talvez, e que ri na cara do advogado por saber
que faz o que quer com sua esposa enquanto ele trabalha? Pensar sobre o fato o
aborrece, de modo que ele tenha que se esforçar par continuar calmo e não
começar a interrogar a esposa sobre o assunto imediatamente.
- Amor, tá acordado? – A
forma como ela o chama assim chega a soar como uma zombaria, quase como se o
chamasse de corno conformado, traído pela mulher com um homem que nem sabe quem
é em sua própria cama. Ele se contém como pode e responde:
- Tô, só tava dando uma
soneca. O dia foi curto, mas, ainda assim, cansativo. Já tá indo embora?
- Isso. Você quer
aproveitar que tá aqui pra me levar? Aí eu chego mais rápido... – é inevitável
a sensação de que, para ela, não bastaria apenas que ele fosse traído dentro da
própria casa, mas, também, que o marido a levasse de encontro até o local onde
possivelmente encontraria o amante. Ele tenta não pensar na possibilidade de
haver mais de um homem, enquanto se levanta da cama e se veste.
- Tá bom, vamos lá. – ele
levanta da cama e se espreguiça enquanto a esposa, o observando, logo muda de ideia
quanto ao pedido e se dirige novamente ao marido:
- Hmmm, pensando bem,
talvez você esteja cansado do serviço hoje... não quero que você se canse mais
ficando no trânsito. Eu pego o ônibus, não esquenta.
- Não, tudo bem, eu não
tô cansado. E você nem estuda tão longe, não tem por que não te levar... – como
se precisasse que o marido ficasse em casa e houvesse sugerido antes que ele a
levasse unicamente para mostrar que não esconde nada, Cristiane insiste:
- Tô falando sério, fica
em casa e descansa. Não é problema nenhum. Eu pego o ônibus aqui na avenida e
chego lá em uns vinte minutos no máximo. Ele vai pelo corredor e é até mais
rápido. Não se preocupa.
Para não parecer suspeito
demais, ele decide voltar atrás e aguardar uma oportunidade posterior para dar
sequência ao plano. Termina por aceitar que a esposa vá de condução e ela,
então, sorri para o marido o beija demoradamente, pegando a bolsa e os
cadernos.
- Te vejo mais tarde, tá?
O jantar tá feito, descansa bastante. Te amo, fica com Deus!
- Também te amo.
Cuidado... – a quase banalidade com que ela parece ter dito que o ama, por mais
calor que houvesse em suas palavras, chega até a assustá-lo. Como seria
possível dividir um lar, uma cama, dizer palavras que sempre pareceram ser tão
significativas com tamanho sangue frio para, possivelmente depois, acabar com
outro homem entre suas pernas? Pela janela, ele observa a rua, vendo a esposa
atravessá-la e caminhar em direção à avenida, onde disse que tomaria o ônibus e
onde, logo em seguida, um carro que surge. Ela não acena ou faz qualquer gesto
indiscreto, apenas caminhando na direção do veículo e entrando naturalmente,
como se já conhecesse o motorista. Um novo indício para uma traição,
praticamente já confirmada, pensa Rômulo, que leva as mãos ao rosto e respira
fundo. Decidido a tirar a estória a limpo, ele se prepara para ir à faculdade à
noite, no intuito de observar os movimentos da esposa e esclarecer tudo.
Pouco tempo depois, ele
já está próximo à instituição, estacionando a uma distância segura, no intuito
de não ser avistado pela mulher, para, em sequência, caminhar em direção ao
prédio. Ele se lembra que a escola não possui catraca à entrada, o que deverá
facilitar sua entrada e o acesso até a sala de aula onde Cristiane estuda. O
advogado permanece atento, no intuito de não ser visto por ela e, ao mesmo
tempo, possivelmente presenciar algum ato que o leve a crer ou ao menos
suspeitar de que ela realmente o estivesse traindo, mas, procurando manter-se
calmo, lembra-se que apenas estar na companhia de outro homem não apenas não
provaria nada como, ao mesmo tempo, poderia prevenir a esposa possivelmente
infiel de que ele agora acompanha seus passos. Procura, portanto, ser
cauteloso.
Nem um sinal da mulher
pelos corredores por onde passa ou proximidades da lanchonete. Decide, então,
subir até a sala de aula, onde ela possivelmente estará. Nada pela rampa de
subida e são poucos andares para que ela use o elevador. Não demora muito até
que ele chegue à sala, olhando para dentro pelo vidro da porta e não vendo
qualquer sinal de Cristiane na carteira onde ela costuma se sentar. A suspeita
aumenta, e ele caminha para fora dali, observando o corredor no intuito de
encontrar a mulher. Nada. Utiliza as escadas em vez do elevador, observando
ainda uma área mais isolada onde casais possivelmente poderia estar caso
quisessem um pouco mais de privacidade, mas não encontra nenhum sinal e a
expectativa pelo que pode ver à medida que o tempo passa, bem como a incerteza
do que pode estar realmente acontecendo, aos poucos o consomem.
Não há mais o que fazer
ali, ele pensa. Não faz sentido continuar procurando sem que se saiba onde e
também há a possibilidade de se começar a chamar a atenção da segurança e,
possivelmente, acabar causando um embaraço ainda maior. Um escândalo não apenas
chamaria a atenção da esposa para as espreitadas do marido desconfiado como,
ainda, iria fazer com que os olhares da universidade caíssem sobre ela e a
fizessem pagar por algo que não estaria fazendo, supondo que fosse inocente. Sendo
assim, buscando manter a calma, ele se dirige à saída, caminhando até seu
carro.
Súbito, pouco tempo
depois, ele avista novamente o carro em que viu a esposa há pouco, entrando em
um motel na esquina da rua em que se encontra a faculdade. O mesmo automóvel
preto e com vidros filmados, típico de alguém que ou busca privacidade ou já se
encontra precavido e seguro caso o destino o leve a sair com mulheres
comprometidas. Teria ele, finalmente,
encontrado a esposa? Estaria ela naquele automóvel, realmente a caminho de
traí-lo, seja com quem for? E quem seria o homem atrás do volante, deveria ele,
agora, esperar, invadir o motel em busca da mulher, qual seria a melhor opção?
E se não for o mesmo carro e ela sequer estiver ali? Mas não seria coincidência
demais?
Decide pegar o celular e
ligar para a esposa. Estranhamente, a ligação não acaba em caixa postal. Um
toque, dois e, em seguida, ela atende. Um tom de voz nem alegre, nem triste,
como se, possivelmente, já esperasse a ligação do marido.
- Oi, amor, tudo bem?
- Oi, tudo... tá na
faculdade? – ela hesita alguns segundos antes de responder. Alô, amor, insiste
o marido. Finalmente, a mulher responde, com um tom sério, ainda que
despreocupado.
- Querido, vai pra casa.
Daqui a pouco a gente conversa.
- Mas o que aconteceu?
Você tá na faculdade? – após nova hesitação, enquanto ele ouve um barulho de
portas de carro batendo, ela finalmente responde.
- Mais tarde eu falo com
você, tá bom? Beijo, tchau.
Antes que ele possa dizer
mais alguma coisa, a ligação é encerrada. Ele tenta ligar novamente, mas, ao
contrário de antes, a ligação acaba em caixa postal. Ele tenta mais quatro,
cinco, dez vezes, mas não obtém qualquer sucesso. Agora tem certeza de que a
esposa realmente se encontra no motel em frente e, permanece observando o
local, sem saber que atitude tomar. O primeiro impulso é o de entrar ali,
causar um escândalo, expulsar os dois, mas o autocontrole acaba falando mais
alto. Ele prefere, então, caminhar até o carro e inicia, assim, a volta ao
apartamento, por pouco não batendo o carro em diversas ocasiões. Ao chegar ao
prédio, os porteiros notam a forma pouco prudente com que o advogado manobra o
carro, comentando como algo pode ter acontecido, provavelmente relacionado à
esposa. Como se já soubessem de algo, permanecem discretos e não cumprimentam o
morador, tão logo ele passa por eles. O elevador demora mais do que se gostaria
e os dois funcionários evitam olhar para Rômulo, que logo está, finalmente,
subindo em direção ao apartamento.
Passam-se as horas
enquanto ele espera deitado no sofá. Uma, duas, três, ele observa o relógio e
imagina todo o tempo em que a esposa, dentro daquele motel, deve encontrar-se
nua, permitindo que outro homem se sirva como quer do corpo que, até onde ele
acreditava, seria unicamente seu. Do desejo de matá-la até a possibilidade de
se colocar o relacionamento em ordem passam muitas coisas pela sua cabeça,
lembrando-se sempre de que não conseguiria viver sem aquela que foi seu amor
desde a adolescência e de que talvez deva ser paciente, procurar descobrir onde
surgiu a falha que a levou a buscar o sexo fora de casa, ao mesmo tempo em que
pensa que deveria acabar com tudo e simplesmente fazer uso da situação em seu
favor em um posterior divórcio. Subitamente ele se pergunta quantas horas mais
ela ainda levaria pra voltar, uma vez que já beira meia-noite, o que significa
que ela já deveria estar de volta, ao menos pensando no horário em que estaria
voltando da faculdade. Ele não consegue cair no sono, perguntando-se apenas em
como começará a tratar do assunto com a esposa, lembrando que ainda não tem
total certeza do que estava acontecendo. Estaria ela mesmo dentro daquele
carro, seria ele o mesmo que a pegou? E se algum criminoso houvesse lhe
apontado uma arma e a forçado a entrar no automóvel e, posteriormente, no
motel? Cristiane é formosa, com corpo bem feito de academia, qualquer
pervertido iria querer abusar dela.
O telefone continua dando
caixa postal e logo são três da manhã, sem que haja sinal da esposa. Súbito, a
porta do elevador se abre e, como se pudesse reconhecer o som de seus sapatos
no corredor, ele parece saber que ela chegou. Não consegue, no entanto, deixar
de associar a forma como reconheceu o andar da mulher à atitude de um cachorro
que percebe a chegada da dona em casa. A porta se abre e a esposa entra em
casa. Sem qualquer saudação, sem dizer sequer uma palavra, o marido percebe que
ela se encontra exatamente como estava quando saiu de casa, sua integridade
física aparentemente mantida e nenhum sinal de que tivesse passado por algum
momento traumático ou, no mínimo, constrangedor.
- Eu ia chegar mais cedo,
mas, depois que você viu o carro e que a gente entrou no motel, bom... até
então nem adiantava mais deixar o celular desligado e eu já imaginava que você
já tinha passado na faculdade. Não ia estar ali à toa.
- Então, aquele carro...
é o mesmo em que você entrou quando foi pra faculdade? De quem era? E você tava
mesmo naquele motel?
- Tava, como eu já deixei
a entender, diz ela, tirando o salto alto e sentando-se no sofá, e aquele carro
era de um colega de classe. Não adianta eu falar o nome, você não sabe quem é.
E eu não acho que seja o momento ainda.
- Mas o que tá
acontecendo aqui, você tá querendo dizer que você realmente anda saindo com
outro? É isso?
- A estória é mais longa
do que você imagina, diz ela, com tom de tédio e desinteresse, agravados pelo
cansaço. Mas sim, acho que já tá na hora de você saber tudo e, por que não
dizer, de realmente decidir se sou eu que você ama ou algo que vive na sua imaginação.
- Na minha imaginação?
Você me trai e vem com essa conversa agora? Do que você tá falando? E que
estória é essa de que você tá falando?
- Eu não vou falar disso
agora, tô cansada.
- Cansada? O que você
enfrentou, uma maratona de sexo? Foi isso que te cansou?
- Não, mas posso te dizer
que eu passei as últimas horas com alguém que me fez sentir como se eu tivesse
passado por uma. – Rômulo morde a mão, furioso, e a esposa mantém o mesmo tom.
A gente fala sobre isso amanhã, agora eu preciso dormir. Você vem? – Tão
enraivecido quanto desentendido, o marido, agora conscientemente traído, volta
a falar.
- Mas como pode tratar
esse assunto dessa maneira? Sem qualquer tipo de vergonha, sem arrependimento
algum... você vai ou não falar desse assunto?
- Eu disse amanhã, diz
ela, mantendo o tom seguro e caminhando em direção ao quarto. Uma sensação de
temor parece tomar conta de Rômulo e sobrepujar a raiva, como se algo para o
qual ele não estava preparado estivesse acontecendo. Cristiane retira o vestido
e pode-se notar marcas de tapas em suas nádegas, bem como manchas na calcinha
que indicam sêmen escorrendo de seu sexo. Ela joga as roupas no chão, sem
cerimônia e se deixa, descoberta, como se não ligasse para o fato de que o
marido traído visse o que se passou com ela. Ele ainda se indaga como as coisas
chegaram a tal ponto, uma vez que praticamente não reconhecia a mulher que se
encontrava, agora, deitada em sua cama. Novamente, deita-se no sofá, até que
ouve o chamado da mulher:
- Você não vem?
Desorientado, ele hesita,
pensa e, finalmente, se levanta, caminhando em direção ao quarto. Deita-se ao
lado da mulher, ainda sem conseguir tocá-la ou sequer dar o beijo de boa noite
de costume. Ela, por outro lado, adormece assim que o marido se deita, sem demonstrar
qualquer remorso ou arrependimento por seu estado ou pelas marcas no corpo.