Rômulo praticamente não
conseguiu pregar os olhos. Estava inquieto, como já era de se esperar de um
homem em sua condição. A esposa levantou-se por volta das 7:00hs e, já sabendo
que o marido não sairia pra trabalhar, pelo menos não tão cedo, arrumou-se e
foi até a cozinha preparar o café da manhã. Enquanto Cristiane se veste ele
caminha até a sacada do apartamento e acende um cigarro, perdido entre estar
atordoado pelas revelações da noite anterior e pela noite não dormida.
Cristiane prepara a mesa e chama o marido, já sentada, agindo naturalmente,
como se nada houvesse acontecido ou, ao menos, nada que devesse chamar sua
atenção.
- Você não vem comer? –
como se o chamado da mulher estivesse distante demais para ser ouvido, ele
reage lentamente, dando uma última tragada no cigarro antes de retornar ao
interior do apartamento e caminhar até a mesa.
- Não conseguiu dormir?
Você tá com um aspecto horrível, já tô ficando preocupada.
- Como você conseguiu
dormir depois de ontem? E como consegue agir naturalmente, como se não tivesse
acontecido nada? Esse não é o tipo de coisa com que alguém lida naturalmente,
sem qualquer tipo de reação ou de consequência, eu ainda não consegui entender
não só a forma como você vem reagindo a tudo, como se não se importasse ou como
se o que fez fosse perfeitamente normal.
- Senta. Melhor você
comer antes que acabe passando mal. Não vai adiantar agir assim, o negócio é
você me ouvir e tentar ver a coisa do meu modo. A gente tem muito sobre o que
falar.
- Não, eu não quero
comer, responde ele, quase histérico. Eu quero é saber o que tá acontecendo
aqui! Eu sempre achei que você me amava e, de repente, vejo você entrando num
motel no carro de outro homem! Dá pra você me explicar isso???
- É o que eu tô tentando
fazer. Senta.
Sem saber o que
responder, olhando para um lado e para o outro, o marido traído se senta à
mesa, olhando para a esposa e, depois, para a comida. Perdido entre a fome, que
parece não se preocupar com os problemas do casal, e a curiosidade, que acaba
falando mais alto e ordenando que a necessidade fisiológica espere, ele busca
manter a calma e, finalmente, é retomado o diálogo entre os dois.
- Tá bom, fala. O que é
que tá acontecendo?
Ela toma um gole do café
antes de começar sua narrativa.
- Antes de mais nada,
respondendo ao que você deve estar se perguntando, a resposta é sim; ainda te
amo, nunca deixei de te amar e não acho que isso vá acontecer um dia. Não é um
relacionamento perfeito, admito, tem problemas como qualquer outro, embora nós
tenhamos uma vida boa, agradável e tranquila. Mas, embora esse romantismo todo
fosse bonito e me fizesse bem, eu admito que houve um momento em que eu acabei
descobrindo um caminho alternativo, que eu acabaria seguindo ainda que não
necessariamente me desviasse do curso atual da nossa relação.
- E foi aí que você decidiu
me trair? Quando isso aconteceu, foi depois que a gente se casou? Você acha que
o trabalho fez com que eu me tornasse ausente demais?
- Não, não foi depois.
Foi bem antes, praticamente na época em que a gente estava terminando o
colegial. Mais precisamente durante a viagem de formatura. Você se lembra? – o
espanto toma conta de Rômulo e ele respira fundo, como se apenas tomar fôlego
pudesse fazê-lo recuperar o autocontrole e não fazer algo do qual poderia se
arrepender posteriormente.
- E como pode falar que
continua me amando se você me trai por todo esse tempo? Você se deita com outro
cara, deixa ele fazer o que quer com você e diz que continua me amando? Qual a
lógica disso, qual o sentido?
- Você acha, então, que
desejo é uma coisa que respeita ética, convenções criadas por seres humanos ou
crenças religiosas? Que a mente, o coração humano, são coisas que podem ser
submetidas a compromissos de modo que nunca venham a mudar suas preferências,
ainda que temporariamente? Bom, então deixa eu te dizer uma coisa, querido... a
vida não é assim; sexo é uma coisa que se pode fazer com qualquer pessoa, não é
preciso sequer que se saiba o nome de quem se leva pra cama. Se isso não fosse
verdade a prostituição seria uma indústria falida e tantas pessoas, homens e
mulheres, não procurariam gente que nem conhecem pra satisfazer suas fantasias.
- Então, esse é o ponto
central? A causa da sua traição na faculdade foi simplesmente satisfazer uma
fantasia? E como isso aconteceu, o que você teve que procurar em outro que não
tem em mim?
- É como eu disse, meu
amor... eu posso ter em outro homem ou até em mais do que um algo que não
consigo ter com você. Mas isso não significa que este mesmo homem ou mesmo um
exército deles iria conseguir ter comigo o companheirismo, a cumplicidade que
você tem comigo. É isso que faz um relacionamento forte, não uma fidelidade
imbecil, acéfala, que nós somos condicionados a aceitar como único caminho que
existe pra ser seguido. Isso significa, unicamente, monopolizar a mente e a
vontade de outra pessoa, tornar-se dono dela, e isso é algo que não tem como
acontecer.
Como se as palavras da
esposa o tocassem fundo, Rômulo respira fundo novamente, sentindo, desta vez,
uma calma que ainda não sabe explicar tomar conta de si. Algo de razoável
parece ser sentido por ele no que é dito por Cristiane, por mais irracional e
contrário a tudo que lhe foi ensinado desde a infância que isso pode parecer.
Ele se pergunta se não estaria sendo confundido pelos sentimentos que nutre
pela mulher, mas não demora muito a chegar à conclusão de que algo novo e mesmo
enriquecedor deve surgir a partir deste diálogo.
- E como foi que você
começou a pensar dessa maneira? O que aconteceu na excursão de formatura do
colégio que levou você a pensar assim? – ela toma outro gole de café e mastiga
o pão com manteiga antes de voltar a falar.
- A coisa toda começou
por causa da minha amiga Lilian. A gente era lado a lado na época do colégio e
ela, apesar de namorar, sempre teve seus casinhos esporádicos. Eu não falava
nada, era problema dela, mas não gostava da atitude porque, na época, eu ainda
era uma garotinha romântica, que só queria saber de viver um grande amor. Mas
foi justamente um mês antes de acontecer a excursão que aconteceu algo que
acabou mudando o rumo das coisas, embora, até esse acontecimento, eu ainda
fosse fiel.
- E o que aconteceu? –
Como se a mente de Cristiane viajasse no tempo ela esboça um sorriso de leve e
imagens de anos atrás começam a tomar conta de sua mente. O marido se incomoda
levemente, sem deixar que isso mexa consigo significativamente ou o leve a
interromper o relato da esposa.
- Você se lembra do
namorado da Lilian? Um alemãozinho de óculos, gente boa, tinha uma coletividade
com o pessoal, mas que dava pra ver que não ia conseguir dar conta de uma garota
como ela...
- Lembro, sim. Até que
gostava do cara, conversava bem com todo mundo, nada a falar dele.
- Bom, a Lilian tinha;
sujeito legal e tudo, mas, pro azar dele, não trepava direito. E ela gostava
muito da coisa, sempre foi a pomba gira em pessoa, tinha uma fogueira no meio
das pernas. E, como uma coisa acaba atraindo a outra, eis que ela acabou
conhecendo outro cara, com quem rolou uma sintonia, e não demorou muito pra
começar a trair o namorado com ele. E, bom... foi numa dessas ocasiões que tudo
começou a desabar e eu acabei passando a ver a coisa toda, o romantismo, os
relacionamentos e a fidelidade de outro jeito, logo na primeira vez em que eu
saí sozinha com ela e o cara, num dia da semana em que você ficou em casa
estudando.