Morte. Este era o único
pensamento que passava pela mente de Rômulo enquanto a esposa adultera dava
andamento a seu relato. A naturalidade com que falava sobre as traições,
demonstrando total ausência de remorso pelos atos que escondeu durante tantos
anos e que continuava despudoradamente a cometer, a quantidade de amantes e a
própria experiência da mulher em atos que ele acreditava jamais ter ela sequer
ouvido falar, quanto mais protagonizado, tudo isso se soma a um sentimento de
confusão e indignação, além da fatal conclusão de que toda sua existência havia
sido nada mais que um engano até aquele momento. Comparado a isso e às
lembranças de todas as vezes em que se deitou com a mulher em quem confiava
logo após ela ter se entregado sem qualquer pudor a homens muitas vezes
estranhos e, em outras, aqueles com quem ele se deparava no dia a dia, a
própria morte chega a ser uma benção sem medida.
- Eu não sei o que eu
faço com você. – diz ele, sentado no sofá, as mãos levadas à frente do rosto
que não esconde uma expressão de angústia jamais sentida. Eu não posso
continuar vivendo uma vida falsa, lado a lado com alguém que diz que quer estar
comigo mas que vive de perna aberta pra tudo que é homem... pra não falar do
seu caso que dura até hoje com esse sujeito que você diz ser... o que tem de
pior...
- Ah, o que tem de melhor
eu diria, diz ela, com um sorriso. Mas isso sexualmente falando. Mas parece que
você não entendeu ainda o que tá acontecendo.
- O que eu não entendi?
Que a minha mulher me trai? Isso você já contou, não teria nem como não
entender!
- Esse é o problema...
esse conceito maldito de traição, como se o tesão de alguém pudesse ser tratado
como objeto do qual se é dono. Pode-se entregar o sentimento a alguém, mas isso
não significa necessariamente que o corpo também vai ser totalmente entregue. A
mulher pode muito bem desejar ter prazer com outro... ou outros até. Só achamos
que não porque somos condicionados a pensar assim. Códigos de ética, moral,
cultura, essa merda toda feita pra quem acha mais fácil nadar conforme a maré
que pensar por si mesmo. Eu já tinha pensado em ter essa conversa com você
antes, tentar chegar no assunto de uma forma que preparasse melhor a sua mente,
mas você acabou descobrindo tudo antes que eu tivesse como te deixar pronto...
aí, deu no que tá dando...
- E existe como preparar
um cara pra saber que é corno? Que a mulher dele faz anos que fica de quatro
pra tudo que é cara, que já participou de festa regada a sexo e droga, que eu
entrava naquele mercado e todo mundo lá já tinha feito com você mais do que eu
jamais ia sonhar? E o que você quis dizer me contando tudo isso, que não quer
mais saber de mim? Que vai me largar?
- Se sexo fosse motivo
pra eu te largar, pra eu gostar ou deixar de gostar de você, eu já teria ido
embora faz tempo. Mas é nesse ponto que eu tô tentando chegar; que sexualmente
eu posso me satisfazer com qualquer um por quem eu tenha algum desejo, que me
dê vontade, porque é uma coisa meramente física, de momento, mesmo que eu
continue tendo vontade de ir pra cama com o sujeito depois. Agora, fazer o que
eu faço com você, construir um lar, ter uma vida, dividir meu espaço, já é
outra coisa.
- E o seu corpo não faz
parte desse espaço, então? Não é o que você tem de mais importante, o que
abriga todo o resto e que simboliza o que seria sua cumplicidade comigo?
- Não... ele é uma
carcaça que abriga tudo que você falou, inclusive os desejos que eu sacio com
outros homens e que não consigo saciar com você. Pra alguns pode ser algo sujo,
profano, devasso, mas eu prefiro pensar que é algo que nasceu comigo e uma
necessidade tão comum quanto qualquer outra, seja comida, bebida ou sono. Não
tenho porque transformar sexo em uma obrigação que só cumpro com uma só pessoa
porque alguns acham que um código moral ou religioso tem que ser fator
determinante sobre o que eu venho a sentir. É impossível decidir o que alguém
sente, por mais que esconda.
Rômulo, subitamente, não
sabe o que dizer, ainda entregue à sensação de mal estar pelo relato da esposa,
mas, agora, também confuso não apenas pelo fato de que a ama e não quer
perde-la, mas, por que não admitir, por ver fundamento nas palavras ditas por
ela, talvez, no fim, haja alguma lógica no que Cristiane diz, embora ele admita
que não é imparcial para fazer tal julgamento, que pode muito bem estar sendo
motivado pelo fato de que o medo de perder a esposa certamente influencia seu julgamento.
- Eu vou sair, dar uma
volta. Preciso pensar, você veio com mais informação que minha cabeça tava
preparada pra assimilar. Acho que isso só não fez eu perder totalmente a razão
porque já faz algum tempo que eu vinha preparando minha mente pra isso, talvez
pelo tipo de coisa que eu vejo no escritório ou talvez por alguns indícios que
você vinha deixando. Não sei. Seja como for... tem mais alguém de quem eu
precise saber atualmente? Algum vizinho ou...
- Não. O zelador e o
porteiro de vez em quando traçam a vizinha aqui do lado, então vira e mexe
estão no andar. O marido dela viaja muito a serviço e aí, bom... não é problema
nosso, seja como for.
- Não, não é. Eu volto
depois.
Rômulo deixa o
apartamento. A esposa, sozinha, senta-se no sofá, apreensiva pela atual
situação com o marido. Ela pressente que ele não a deixará, que lhe será
revelado até mesmo um certo controle que ela não sabia ou não pensava ter da
situação, mas, ainda assim, não contem a tristeza com o fato, esperando que
Rômulo possa entende-la. Pegando o celular, ela manda uma mensagem para Rafael.