Caminhando pela rua onde
mora, Rômulo logo chega até a praça, cerca de cinco quadras adiante. As
revelações da esposa ainda o perturbam e nem mesmo o ar da noite ou o anonimato
gerado pela cidade em torno dele conseguem fazer com que deixe de se sentir
como se todos o observassem como o marido mais enganado de todos os tempos. Ele
olha em volta enquanto caminha e traga seu cigarro, observa as pessoas, seu
cotidiano e se pergunta o quanto pode estar acontecendo debaixo de seus narizes
sem que saibam, o quanto podem estar sendo roubadas, quantos maridos, como ele,
podem estar sendo traídos, quantos filhos podem estar matando seus pais e mães,
quantas filhas devem estar se drogando ou se prostituindo... a sensação de
entorpecimento, de podridão causada pelas
revelações de Cristiane invadem sua mente como uma embriaguez cruel e
crescente, trazendo esses pensamentos à sua mente como que numa escala
evolutiva, uma sequência daquilo que lhe foi contado. Chega a causar tontura,
náusea, pensar que todo esse tempo esteve dividindo seu corpo e sua cama com
aquela mulher que, para ele, era praticamente sem mácula e que há pouco, em
poucos minutos, revelou-se quase uma Messalina, deixando claro que praticamente
tudo que já havia sido criado em matéria de sexo já havia sido experimentado
por ela, ao contrário do que acreditava ser real. O romance, a pureza, a quase
santidade de seu relacionamento era apenas coisa de sua imaginação, uma farsa,
algo que só existia em sua cabeça, como, provavelmente, acontece com milhares
de maridos e esposas pela cidade afora.
Chegando à praça, ele se
senta em um dos bancos, ignorando as pessoas à sua volta, os garotos jogando
bola na quadra, os que se exercitam nas barras, as mães conversando umas com as
outras enquanto suas crianças brincam nos brinquedos do parque... tudo isso lhe
passa despercebido nos primeiros minutos em que está lá, observando o movimento
no local mais por reflexo do que por realmente estar interessado no que fazem
ali. Cristiane não sai de sua cabeça e ele não consegue afastar da mente a
descrição do homem que desde a época do colégio a faz agradecer por ter nascido
mulher, bem como o que lhe falou sobre a origem dele, fato que lhe surpreende
quase que tanto quanto suas proezas sexuais com outros homens, que ele tem
quase certeza de não terem sido as únicas. Provavelmente ela lhe contaria mais
se ele houvesse continuado em casa, ouvindo-a, se é que não está ligando para o
amante e se preparando para sair e encontra-lo neste momento ou, por que não
dizer, chamando-o até em casa. Afinal, se ela foi capaz de contar tudo o que
fizeram, por que não faria isso? Para Rômulo isso seria apenas a última pá de
terra no túmulo de sua masculinidade, a gota final depois de tudo o que ouviu.
Seria apenas a firma reconhecida em um documento em que ele mesmo se atesta
como o que seria o maior corno da história da humanidade.
Então, para e pensa no
que foi dito pela esposa; sobre como o sexo não pode ser o ponto central do
casamento, mas algo que ela pode fazer com qualquer um por quem sinta desejo,
ao contrário do sacrifício de se manter um lar, de se dividir responsabilidades
que realmente requeiram confiança e de se compartilhar tanto sacrifícios como
lucros obtidos através deles. Não haveria, então, nada errado em ela procurar
outros homens e talvez nem ele outras mulheres, seguindo essa linha de
raciocínio. Entretanto, para alguém com a criação familiar que teve isso soa,
inevitavelmente, mais como uma tentativa de justificar suas traições do que
como um ponto de vista realmente defendido pela esposa. Mas isso é algo que ele
nunca iria saber, uma vez que ele nunca a traiu ou teve a oportunidade de
fazê-lo, já que era um homem franzino, comum, sem grandes atrativos que
chamassem a atenção das mulheres. Ironicamente é justamente este fato que
confirma que a mulher que o trai com frequência realmente lhe ama, pois não
fala em abandoná-lo, independente do prazer que ele já se mostrou incapaz de
proporcionar a ela.
Por algum motivo ele sente
que não a encontrará em casa; ou que não estará só quando ele retornar ao lar.
Uma mulher que é capaz de contar ao marido o que ela contou esta noite é capaz
de tudo. Mas, no fundo, ele parece cada vez mais pensar no que lhe foi contado
como algo aceitável, normal, seja por realmente ser assim ou porque agora é
forçado a admitir que não conseguirá viver sem a mulher, ainda que ela tenha
carregado para a cama dos dois o cheiro de outros homens e o gosto de seus
membros em sua boca, compartilhando-o com o marido há anos sem que ele
soubesse. Um ímpeto de esquecer o passado e voltar para casa e ver a esposa
toma conta dele, ao mesmo tempo em que para, pensa e olha em volta, pensando a
respeito das cenas que viu agora há pouco no parque. Os garotos que jogam na
quadra, os homens que se exercitam nas barras, teria algum deles já estado em
sua cama com sua mulher? As mulheres que conversam enquanto os filhos brincam,
sejam estes de seus maridos ou resultados de alguma traição, estariam essas ali
com o propósito de buscar possíveis amantes futuros? Cada rosto ao seu redor
parecia esconder algum objetivo oculto, alguma identidade secreta, uma vida à
parte que revelava o que realmente eram, ao contrário do que costumavam
demonstrar a quem mais amam ou dizem amar.
Talvez seja este o
problema, ele pensa. A preservação da mentira devido ao fato de que somos
criados desde novos para acreditar em fábulas sobre amor eterno e felicidade,
como se ambos dependessem de se tomar posse do desejo alheio, como se fosse
possível fazê-lo, sendo os relacionamentos, no final das contas, mais baseados
em vaidade e em satisfação do próprio ego do que no próprio amor que dizem ser
o alicerce que sustenta a casa que cada casamento diz ser. Então, mais certo do
que antes, como se caminhasse em direção à certeza absoluta de que a esposa tem razão, ele se ergue e deixa o
parque, andando em direção à sua casa. Apertando o passo, ele consegue fazer o
trajeto em um tempo menor que o anterior, esquecendo-se de cumprimentar o
porteiro quando entra ou notar um olhar apreensivo em seu rosto quando entra no
elevador, como se a presença de Rômulo ali e agora fosse o estopim de um
problema. Logo, ele chega ao apartamento e ouve uma sequência de rangidos
vindos do lado de dentro, não demorando a reconhece-los como vindos de sua
cama. Os gemidos também são familiares, embora ele nunca os tenha ouvido
expressar tanto prazer, perdidos em meio a uma respiração ofegante. Rômulo
entra devagar, encontrando a porta destrancada, como que propositadamente para facilitar
o acesso do amante que agora se serve do prazer proporcionado por sua esposa,
que, agora, visivelmente se realiza entregando-se a outro homem.
Aproximando-se do quarto,
cuja porta Cristiane visivelmente não teve preocupação em fechar, ele observa
pelo espelho na parede a esposa de quatro, abraçando o travesseiro, e um homem
alto, de musculatura bem definida, penetrando-a de forma tão rápida quanto
forte, enquanto ela geme e grita palavrões, numa cena facilmente comparada a um
filme pornográfico.
- Me come, pintudo
gostoso... soca essa rola grande na minha boceta...
O homem sorri e desfere
uma sequência de tapas na nádega de Cristiane, enquanto Rômulo observa a
esposa, presenciando agora, na prática, o que ela havia lhe contado
anteriormente. Ele respira fundo, observa, sem saber que reação deve tomar,
permanecendo na sala enquanto a esposa se entrega ao homem dentro do quarto de
todas as formas possíveis, fazendo pressão com o próprio corpo para trás, no
intuito de obter uma penetração maior. Observando aquela cena, Rômulo permanece
atônito, até que, subitamente, sente uma mão grande, de peso considerável,
tocar-lhe o ombro.