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Erotico-->20. ÂNGELA E CRISEIDE -- 07/08/2002 - 06:57 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A boa moça não conseguia esquecer-se da desgraça de sua vida. Trancara-se em casa desde a época em que o pai morreu, só saindo para as compras ou para o centro espírita, em companhia da mãe. Interrompeu os estudos e não desejou mais participar de qualquer ato em sociedade.

Com o crescimento dos irmãos, Ângela foi por eles estimulada a participar de certas recreações sem malícia, em casas particulares, onde ficou conhecendo jovem que a interessou sobremodo. Ao tempo da correspondência com o tio Carlos, calou a exposição desse namorico, quase diríamos flerte se não houvera alguns passeios e se não tivessem sido trocadas palavras de carinho e afeto.

Mas Ângela era pura de espírito, de sorte que revelou ao jovem a sua condição de mãe sem filho. De início, o rapaz sentiu forte pressão psicológica para abandonar a moça, mas sofreou a repulsa causada com a revelação de ter sido viciada em tóxicos, para enveredar por rumo prejudicial ao relacionamento de ambos, ou seja, pretendeu antecipar as intimidades, sem firmar compromisso. Ângela viu no caso a configuração da realidade de sua vida. Despachou a impudente criatura e nunca mais se expôs sentimentalmente a ninguém.

Pensava muito em Alfredo. Sentia-o frio e distante, malévolo e grosseiro, mas as lembranças eram também ternas e apaixonadas. Havia, no desejo de recuperação moral do tio, certa angústia íntima para sentir-se querida e não odiada pela pessoa a quem entregara a inocência.

Com o passar do tempo, tal visão da figura máscula do ex-protetor foi cristalizando-se-lhe na mente, de forma que o espiritismo teve o condão de despertá-la para a possibilidade de vir a ser o anjo tutelar dele, pensando seriamente em transformar-se definitivamente em sua guardiã, mesmo que tivesse de percorrer as frias cavernas do báratro, o negrume mais terrífico do Umbral, as cadeias mais frementes dos infernos. Em sua fantasia, trocava os termos e subia devagar para o etéreo, despojada de vícios, totalmente vitoriosa quanto à superação das dores e dos sofrimentos. E trazia consigo aquele ser esfarrapado e carente de orientação e cuidados.

Nepomuceno não gostava desses deslizes perigosos para áreas de pensamento que lhe fugiam ao controle. Se fosse para configurar quadros reais, poderia levá-la a imaginar situações que lhe pintaria verdadeiras. Como a angústia da moça a levava para zonas emocionais imponderáveis, Nepomuceno se via de mãos atadas.

Ao surtir desses sonhos, Ângela se entregava a profundo desespero, pois se via impotente para conduzir a vida, qualquer tivesse sido o roteiro traçado. Largada em país de todo estranho, onde até a língua lhe era forçoso obstáculo para os relacionamentos, pedia a Deus forças para bem compreender as condições do existir e para reagir com prontidão às recaídas morais.

Era nesse instante, quando se dava ao plano espiritual, que o avô podia insuflar-lhe na alma a grandiosidade da criação e o amor ao Pai, que deveria presidir todo procedimento de vida. Tivesse esperança que o dia da ressurreição estava próximo.

Com esses benéficos fluidos a ampará-la, Ângela sentia-se revigorada e mais se atrevia a entender os dizeres da doutrina que abraçara com tanto ardor. Ao se dedicar à mediunidade, teve o desprazer de ver-se impedida de receber as manifestações dos espíritos de luz. O mais que fazia era tartamudear lamentações ou vociferar imprecações. Os espíritos a quem dava oportunidade de doutrinação a custo recebiam as orientações dos mentores encarnados, embora se achassem dominados pelos amigos da espiritualidade. Ângela temia que fosse por inferioridade sua que tais tipos de entidades se aproximavam.

Sentindo que poderia prejudicar-se o entusiasmo pelo serviço, Nepomuceno, em calma preleção, através de médium psicofônico, expôs, com proficiência, que Ângela estava bem amparada pelos protetores, que lhe traziam espíritos tão sofredores por saberem que seriam bem recebidos e melhor encaminhados. Não visse no fato qualquer inferioridade de sua parte.

A partir desse dia, Ângela sofreou os impulsos de rebeldia. Tal atitude foi refletir-se vigorosamente na tendência à abstração da realidade. Ao sentir-se tão resguardada do mal pelos amigos espirituais, passou a compenetrar-se de que a vida que levava tinha pontos altamente positivos. Quando se lembrava do tio, agora era para inspirar-se para o bem e para o amor, para o trabalho e para a caridade. Não mais nutria vazias esperanças de suplantar os horrores infernais, mas imaginava que era preciso trabalhar desde já, através das preces, do estudo e do auxílio aos infelizes.

Foi assim que levou a mãe à assistência social. Sabia que possuíam posses e bens de capital. Pediu a Criseide que liberasse parte da verba que amealhara, para oferecimento de agasalhos e de comida aos pobres.

De início, a mãe sentiu forte retração. Possuía bens superiores aos que dera a conhecer aos filhos. Viviam humildemente, embora gastassem com a educação dos rapazes.

Ângela supunha que os cheques mensais do tio é que serviam para as despesas forçadas da casa e demais compromissos, mas enganava-se. Criseide jamais tocou no dinheiro enviado pelo cunhado. Guardara em conta protegida do desgaste inflacionário, no intuito de, um dia, devolver à pessoa que tão drasticamente lhe havia transtornado a vida. Quando Ângela lhe pediu a verba para a benemerência, seu intento de menosprezo ao oponente estava bem atenuado. Já não via Alfredo como inimigo, mas como parente a recuperar para a senda do bem. Não lhe faria a devolução, que só significaria orgulho e inútil supremacia moral. Daria aos pobres, aos necessitados de remédios e de agasalhos, aos famintos, aos miseráveis párias da sociedade. Mas precisava resguardar-se de que o ato não refletisse qualquer má formação de caráter. Precisaria aprender a dar, já que não soubera receber. A porta aberta por Ângela parecia-lhe perfeita.

Sem revelar à filha a verdade do dinheiro destinado pelo tio para a família, estipulou certa quantia ainda superior ao que lhe pedira Ângela e propôs-lhe que se responsabilizasse integralmente pelas doações. Se precisassem dela para ajudar na distribuição dos alimentos e demais itens da benemerência, estaria pronta a colaborar. O que não queria era envolver-se diretamente com o exercício da caridade. Se não se aproximasse demais dos temas em debate, pensava, talvez não sentisse repulsa alguma pelo cunhado.

O sogro, diante de tal propositura, achou prudente não estimular a reflexão a respeito da benemerência, pelo menos por enquanto, pois não via com bons olhos o estímulo que levara a nora a supor-se tão vulnerável à própria maldade. Via-lhe a consciência mergulhada em culpas, embora sentisse que se iniciava a luta pela emersão. O que não queria era vê-la debater-se inutilmente.

Durante o restante do tempo previsto pelo etéreo para a formação do grupo que iria trabalhar em prol da redenção de Alfredo, mãe e filha estreitaram os laços do profundo amor que as unia. Compreenderam-se melhor quando se abriram em confidências íntimas, uma revelando o quanto de mágoa Alfredo lhe havia impregnado o coração.; a outra demonstrando que o ódio que sentira nada mais era que a transmutação de intenso amor. Ambas se aprontavam para o desfecho com ternura e firmeza.

Um belo dia, Nepomuceno assumiu a tribuna espiritual no centro espírita e revelou às pupilas que era chegada a hora de volver ao Brasil, para o objetivo de há muito acalentado. Não falou com clareza a respeito das intenções de ambas, mas foi suficientemente explícito para demonstrar que a iniciativa da redenção do parente e desafeto estava merecendo a aprovação do Alto. Agissem com boa vontade e com zelo apostólico que teriam a bênção de Deus.

Naquela noite, Josineida estava presente e reforçou as palavras do marido, em linguagem cifrada, para não levantar suspeitas nas mentes dos que desconheciam o drama, estimulando e aplaudindo a deliberação do retorno ao Brasil.

Ao se findarem os trabalhos da noite, todos os amigos se consternaram com a notícia da viagem. Perguntaram se voltariam e Criseide respondeu que tudo estava nas mãos de Deus.

Ultimados os negócios no Paraguai, desmontada a residência que ocuparam nos últimos sete anos, em bela tarde de verão, a família toda embarcava para o Brasil em moderna aeronave. Vinham decididos a realizar os seus objetivos. Sentiam-se fortes e amparados.

Em meio a forte tempestade, o avião desapareceu nas águas oceânicas. Não houve sobreviventes.

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