Alfredo, em sua fortaleza, comandava extensa rede de contravenções. Desde a época em que ameaçara a cunhada, estendeu os domínios ainda para além do círculo dos marginais bem sucedidos. Se antes podia submeter certos juízes e delegados, influenciando decisivamente nos atos de diversos políticos, nas assembléias legislativas, agora se infiltrara intimamente nas forças organizadas para a salvaguarda da pátria, gerindo as atividades em setores do governo e determinando diretrizes até junto a certos comandantes das forças armadas. O homem criara verdadeiro império dentro da marginalidade.
Dentre os crimes, só não resvalara para o jogo do bicho, respeitando a área de diversos comparsas. Até da organização dos seqüestros participava como mentor e respeitado conhecedor dos princípios e normas, para não se verem os raptores nas mãos dos policiais honestos e da imprensa. Nunca plano seu fracassara.
No morro em que vivia, mantinha o povo agradecido pela sua bondosa distribuição de benesses. Não havia família de comparsas que não se visse amparada em quaisquer circunstâncias de enredamento nas malhas da lei. Se um dos homens era preso ou assassinado, tudo determinava para dar amparo a quem se submetesse à lei do silêncio. Estabelecera rigoroso fundo de assistência para esses casos, de modo que nem a previdência oficial era capaz de socorrer os filiados com tanta generosidade.
Os menores da região recebiam totais condições de freqüentar escola mas, assim que se manifestavam úteis para a organização, eram pinçados e catalogados. Se inteligentes e argutos, eram-lhes propiciados postos de venda ou de receptação de mercadorias roubadas. Dando-se bem, iam para o contrabando. Saindo-se mal, eram levados à prostituição ou ao vício, onde exerciam pequenos mas importantes papéis na distribuição final do tóxico.
Alfredo subvencionava diversas instituições no bairro, de sorte que não havia clube ou associação que não contasse com alguém de sua confiança no comando das atividades.
Se não houvera pátria ou lei, poderíamos dizer que a disciplina que impunha funcionava rigorosamente como pequeno estado.
Mas a presença do benfeitor não se fazia senão por meio dos comandados. Ele mesmo se refugiava em seu palácio, onde podia usufruir tudo que desejasse. Por isso, mantinha-se a par dos eventos no mundo inteiro, podendo entrar em contacto com os aliados em outros países, imediatamente, sem necessitar recorrer aos serviços telefônicos oficiais. Era poderoso e consciente de seus domínios.
Apesar dessa reclusão, conhecia o mundo todo, tendo viajado incógnito inúmeras vezes, evitando tão-só encontrar-se nas cidades em que mantinha sucursais dos ocultos negócios. Passeava pelas ruas de Chicago, de Paris, de Londres ou de qualquer capital da Ásia como verdadeira pessoa da terra, sem nunca chamar a atenção sobre si, mercê de sua equipe de confiança, que lhe propiciava os trajes mais adequados, os gestos mais estudados e o linguajar mais característico. Quando não era capaz de representar alguém do local, passava por turista de terceira categoria, mantendo sempre forte sistema de segurança.
Foi assim que pôde estender seus tentáculos para atividade de difícil realização: o envio de escravas brancas para diversos marajás. Escravas brancas é mera força de expressão, porque manipulava o comércio de morenas, negras e, principalmente, mulatas.
Com tanta facilidade, Alfredo jamais se deixou engraçar por nenhum rabo de saia. Quando desejava encontrar-se intimamente com alguma jovem, fazia a preparação dela através de equipe de gigolôs perfeitamente adestrada para a perversão moral, de modo que jamais a infeliz ficou sabendo estar diante do chefão. Neste ponto, era discretíssimo.
Apesar disso, trouxe ao mundo diversos filhos, de quem cuidava como sobrinhos, dando integral amparo. Quando chegavam à idade de se tornarem úteis, eram admitidos na entidade clandestina com honras de pequenos chefes. Jamais, entretanto, conheciam as razões de tratamento tão especial. Acreditavam-se apaniguados por méritos próprios, embora nada fizessem diferentemente dos demais.
Ajudantes de ordens, conhecedores de todos os mistérios do patrão, havia três indivíduos, cada qual guardando parte dos segredos. Eram os que recebiam as determinações diretamente, por transmissão verbal, para o que havia reuniões diárias, em horários diferentes, de forma a não se encontrarem. Sabiam uns da existência dos outros, mas não quem eram nem em que número.
Poderíamos adentrar em minúcias na explicitação das atividades de nossa personagem, mas o que referimos nos serve para demonstrar o poder que se lhe encerrava nas mãos. Se disséssemos que era tiranete bem sucedido, daríamos tão-só pálida idéia da força da organização, a qual era tão perfeita que, se, um dia, fosse desbaratada, sequer se saberia com qual dos diversos cirurgiões plásticos programados iria refazer a aparência e em qual país iria gastar a fortuna, tão longe iam as suas raízes.
Eis delineada a cidadela que deveriam tomar de assalto seu irmão e família.