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Erotico-->2. DIFÍCIL ASCENSÃO -- 30/11/2002 - 06:42 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Um dia, acedi ao gentil convite.

— O irmão deseja seguir-me?

— Sim. De todo meu coração!

Ia estender-me em explicações, mas o generoso socorrista indicou-me para que silenciasse. Precisaria das forças restantes.

No caminho, vozes se ouviam, atemorizando-me, quase me pondo desfalecido. As energias de amparo do benfeitor, contudo, davam-me alento.

— Suicida! Criminoso! Vilipendiador das obras do Senhor! Carrasco maldito! Espera aí que vamos te pegar. Não penses que estejas a salvo, protegido. Esse acólito da luz deseja escravizar-te! Sem-vergonha! Cachorro imundo!...

E outros termos que me punham pesaroso. Ofendiam minha mãe, meu pai, meus irmãos. Falavam da esposa:

— Corno manso! Não tens vergonha na cara?

As vozes revelavam-me a mim mesmo. Era como se eu mesmo lançasse, réprobo, todas as imprecações. E a memória se fartava de lembranças idênticas, em que, no desvario, xingava os recém-chegados, como se os reconhecesse nos inimigos de sempre.

Várias vezes dobrei os joelhos. Mas a raiva se controlava. As lágrimas como que escorriam as deletérias virulências morais. Voltava-me para a necessidade de prosseguir. Apelara sentidamente por socorro. Não podia volver à negritude do sofrimento mais profundo.

— Vamos prosseguir, irmão! Vamos prosseguir!

E apanhava-me pelo braço. Sem nojo dos molambos disformes e fétidos em que as carnes se desfaziam, ao contacto.

Tempo enorme se despendeu no resgate. Houve momento em que senti a presença de outros seres a me protegerem. Formava-se à minha vista cúpula de fortes vibrações, contra a qual se chocavam formas-pensamento de todo feitio. Monstros mitológicos. Dantescas figuras, tridentes nas mãos. Vampiros a esvoaçarem velocíssimos, dando de encontro com o campo de força. Quase chegava a rogar para que me abandonassem na escuridão, tanto medo punham em meu coração aqueles seres ameaçadores enviados das profundezas.

— Que terei feito para merecer o apanágio da salvação?

— O Mestre ama a todos, igualmente. O seu sofrimento, irmão, chegou ao extremo que lhe era suportável. A cada um conforme as obras. É certo. Mas o fardo não pode ultrapassar as forças. Deus é pai de misericórdia e envia os seus anjos. Não é verdade que você, querido, recusou-me muitas vezes? Aceite, agora, os infortúnios menores. Não se embale pelo ódio, pela vingança. Faça da dor a companheira. Transforme o desespero em harmonia. Ponha sentido no sofrimento. Revigore-se ou acabará apartando-se de novo do seio da comunidade que o agasalhou nos últimos milênios.

Era a primeira lição de amor. Inesquecível lição. Intraduzível sentimento de reconforto aquecia-me o ser. Parecia erguido, afinal, perante a opinião. Os apartes afetivos da lúcida exposição causavam-me calafrios. Mas o tom em que o amigo dizia as palavras da benevolência induziam-me à paz.

Às vezes, surpreendia-me a mim mesmo, na ânsia da desforra, pensando em que me havia agredido com extraordinária revolta. Intensificavam-se os ataques das horrorosas entidades. Ouvia preces cantadas, em soturnas vozes. A cercadura tornava-se mais luminosa. Esquecia os desafetos. Continuava a caminhada.

— Irmão, ponha tento nas palavras que lhe fiz gravar na mente. Repita-as incessante, incansavelmente. Jesus ama igualmente a todos.

— O meu sofrimento está chegando ao fim, porque não poderia ir além de minha condição de suportar...

Era difícil manter o pensamento lúcido, quando as sensações eram desagradabilíssimas. Envergonhava-me do estado dos farrapos carnais que mal cobriam o esqueleto. Arrastava as vísceras pelas vias imundas. Queria protegê-las, resguardá-las do ataque dos enormes roedores e dos mamíferos vorazes. Às vezes, pedaços se perdiam atrás do globo de proteção. Mas a dor não recrudescia. Apavorava-me ver ser devorado. Mas caminhava.



Chegamos a ampla clareira, em que outros círculos luminosos se situavam.

Seres esquisitos, vestindo uniformes e máscaras impenetráveis, apresentaram-se dentro da bolha. Ajoelharam-se e estenderam as mãos para o alto. Pareciam oferecer-se à divindade. Queriam despertar piedade e comiseração. Depois desciam os braços e espalmavam as mãos enluvadas em minha direção, formando coroa de intensa luz.

Aos meus olhos, os despojos da miseranda carcaça iam unindo-se. Devagar. Trabalho de paciência, no restabelecimento das formas. Onde os tecidos se juntavam formavam-se grossas cicatrizes, até que o esqueleto desapareceu debaixo das costuras. Os pés e as mãos eram uma chaga só. Dedicaram-se a eles com extraordinário carinho. Aos poucos, tomaram forma, lívidos, exangues. Insensíveis, como se de cera. Quis tocar-me o rosto. Não havia sensação. Mas percebi na face a pressão de algo forte, firme. A dor me fez desmaiar.

Era o primeiro momento de descanso, desde que ingressara no seio da morte.

— Graças a Deus!

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