Usina de Letras
Usina de Letras
25 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 63533 )
Cartas ( 21356)
Contos (13309)
Cordel (10366)
Crônicas (22590)
Discursos (3250)
Ensaios - (10780)
Erótico (13603)
Frases (52018)
Humor (20212)
Infantil (5657)
Infanto Juvenil (5011)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1387)
Poesias (141419)
Redação (3380)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2445)
Textos Jurídicos (1976)
Textos Religiosos/Sermões (6398)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->9. PRIMEIROS PASSOS -- 07/12/2002 - 09:22 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Três meses depois de haver despertado, o Doutor Castro estimulou-me a levantar-me. Tivera, algumas vezes, o desejo de caminhar, mas o primeiro fracasso me inibira a iniciativa. Deveria, assim, provar a mim mesmo que estava em condições de realizar pequenas caminhadas. Se conseguisse, seria verdadeira vitória contra os males da personalidade.

Honorato estava presente, bem como diversos auxiliares paramédicos.

— Coragem, Roberto. Confie em que Deus é pai amoroso e que dá a cada um de nós forças para o enfrentamento das dificuldades.

Medo, propriamente dito, eu não tinha. Receava frustrar as expectativas de todos. Contudo, considerei que os amigos lá estavam para amparar-me e saí do leito. Levantei-me sem apoio e, tal criança estimulada pelos pais e avós, caminhei titubeante até a janela. Sucesso absoluto.

Havia uma cadeira mas rejeitei seu tácito convite. Segurei-me no parapeito e olhei para a paisagem. Havia árvores e pássaros, no recanto ajardinado. O céu apresentava-se azul claro. O Sol nascente refletia-se nos andares superiores dos edifícios, pondo reflexos de luz amarelada nos vitrais.

Chorei, sim, mas devo dizer que não fui só eu. Meu bisavô enxugava copioso pranto. Creio que só o Doutor Castro permaneceu sereno, avaliando a “performance” do paciente.

Passada a emoção, voltei sobre os calcanhares em direção da cama. O esforço foi enorme e, sobre o episódio, muito iria conversar com o generoso protetor.

Antes de se retirar, o médico receitou:

— Deverá exercitar-se duas vezes ao dia, sempre sob assistência. Se Honorato estiver disponível, deverá acompanhar o desenvolvimento da recuperação. Meu caro, você não está convalescente. Não se iluda. A doença persiste e voltará a instalar-se plenamente de novo, caso se atreva a ir adiante, antes de cumprir as etapas do processo de regeneração. Os remédios servem para a consolidação das restaurações cirúrgicas, entretanto, diferentemente da Terra, a cura só avançará à medida que o cérebro for registrando as lições que deveriam ter sido aprendidas na encarnação e que se menosprezaram. Se não estivéssemos perante sintomatologia declaradamente física, poderíamos dizer que os procedimentos são meramente psicológicos. Não sei se você esteve a par dos tratamentos dos desvios de personalidade pela psiquiatria. O que fazemos aqui, principalmente, é o mesmo, alterando-se o prisma da importância psicossomática. O verdadeiro termo deveria ser “somapsiquismo”. Honorato está preparado para lhe responder às questões que as observações lhe suscitarem. Voltarei dentro de três dias. Fique na paz do Senhor!

Realmente, se sou capaz de reproduzir o discurso do rigoroso doutor, foi porque Honorato se deu ao trabalho de explicar cada particularidade, tintim por tintim. O que mais me impressionou foi o fato de que a degenerescência moral fosse prioritária nas preocupações dos facultativos.

— Querido neto... bisneto, se preferir...

— Trate-me de filho, que me parece mais envolvente e mais próximo de nosso real enlace afetivo.

— A sua desenvoltura sentimental não me faz senão prever rápido restabelecimento. Vou chamá-lo de filho, mas você deverá tratar-me por avô, que seu pai irá, em breve, reunir-se ao grupo familiar, para onde seremos enviados também, assim que você receber alta.

Honorato gostava de dar as informações com naturalidade, como se fossem do meu conhecimento, em meio às falas, desatento para as novidades. De certo modo, amainava as possíveis expansões emotivas e punha-me à vontade para reagir sem o constrangimento das surpresas preparadas. Descia e subia do bonde, com a certeza de nenhum movimento. Não havia o perigo de cair.

— Se praticar os exercícios, sempre pensando em que está fortemente amparado por Jesus, terá sucessos mais intensos e logo estará caminhando comigo pelo parque do hospital. Não me peça para visitar os departamentos ou as enfermarias. Isso só poderá fazer depois que for aprovado no primeiro curso de evangelização. Por enquanto, contente-se em aprender o “catecismo”, que estou obrigado a ler e a explicar.

Ato contínuo, retirou de sob a manta, como em passe de mágica, pois me dava a impressão de que nada havia ali um momento antes, dois aparelhos luminosos. Mal comparando, os modernos computadores apresentam a mesma tela, onde se lêem textos e se examinam figuras coloridas, inclusive em animação ou em reprodução cinematográfica. Eis pálida idéia da maravilhosa invenção a que o instrutor chamou de “libreto”.

Apontava-se o dedo para a tela e logo aparecia a primeira questão:

— Que é Deus?

Em seguida:

— Quais são os atributos da Divindade?

— Que qualidades deve possuir a criatura para reconhecer o Criador?

— Quem está mais habilitado para adentrar o Reino do Senhor?

— Jesus pode ser chamado de “ser divino”?

— Quem foram Adão e Eva?

Não havia respostas. Mas as perguntas só avançavam quando atinava eu com o resultado mental que se aguardava. Impressionou-me o fato de que os conhecimentos de meu bisavô não acionavam a cartilha destinada a mim, como se estivesse conectada ao meu específico tônus vibratório.

Claro que não irei reproduzir o curso que, por três meses, “freqüentei”. Só posso dizer que, à vista da recomendação de ir devagar, pude concluir logo todas as lições. Preparava-me intelectualmente, contudo, deveria aplicar os conhecimentos, ao ingressar na “Escolinha de Evangelização”.

Guardo na lembrança os deliciosos momentos em que logrei andar pelos jardins. Não foram raras as oportunidades em que o amável mentor precisou segurar-me para não cair, especialmente quando as questões começaram a vasculhar as virtudes e os defeitos. Disse, anteriormente, que fora capaz de vasculhar toda a vida, com isenção emocional. Diante da testemunha, no entanto, os fatos ganhavam dimensões de ofensa, de perjúrio, de desrespeito. Já não transferia para o veículo físico recondicionado os delíquios conscienciais. Punha-me em cheque pela clarividência das exposições e pela necessidade de reconhecer que procedera em dissonância com as normas.

— Meu filho, saiba que muitos, quando chegam a este ponto das instruções, sucumbem, não pela vergonha provocada pelos malfeitos, mas por se verem sob julgamento, sem direito a defesa. Querem justificar-se perante si mesmos e argumentam contra as leis rigorosas da existência. E partem, resolutos, deixando os vigilantes em palpos de aranha. Houve casos em que regrediram até as Trevas.

— Quer dizer que a pessoa pode adiantar-se até certo ponto, para volver a cometer os mesmos erros?

— Propriamente dito, não evoluíram. Só evolui quem respeita os conceitos superiores e aspira a absorvê-los, integrando-os à personalidade, por meio de sério desempenho, no campo do bem ao próximo. Quando disse “regrediram”, entenda que perderam as oportunidades que lhes foram dadas. Nesse caso, haverão de perpassar novamente por diversas fases do processo de reerguimento espiritual. Sofriam de pneumonia e, estando sendo medicados, pensaram que se livraram da moléstia. Ao suspenderem o tratamento, recaíram. E você sabe que as recidivas soem ser mais perigosas...

Nesse ponto das discussões, deixava eu de entender pouca coisa, aberta a inteligência para a compreensão das explicações menos complexas.

“Que é Deus?”

— Deus é ser perfeitíssimo, criador de todas as coisas.

Reproduzia mal a lição das aulas do catecismo católico. Mas o libreto não liberava a segunda questão.

Intervinha Honorato:

— A sua explicação envolve o conceito de “ser”. Vamos discutir esse tópico?

Não radicalizava. Queria resolver o mistério de maneira cordata.

— Penso que ser seja tudo o que exista. Deus existe, logo é um ser.

Parecia-me o argumento mais lógico do mundo. Mas Honorato retrucava:

— O conceito de existência não lhe parece subordinado a fatores materiais? Você existe?

— Penso que exista. Ou melhor. Se penso, logo existo.

— Deixemos Descartes de lado.

— Descartes?

— Essa frase que você reproduziu foi dita por ele pela primeira vez. Em latim: “cogito, ergo, sum”.

Eu não sabia nada em latim.; e mais me crescia o respeito ao caro instrutor. Em seguida:

— Você existe, logo é um ser?

— Claro!

— Mas não é Deus!...

Embatucava. Não conseguia acompanhar o raciocínio. Era evidente que o fato da existência não implicava necessariamente em que fosse Deus.

— Mas Deus tem de “ser” alguma coisa!

— Vamos considerar outros aspectos.

E íamos de ponto em ponto, até configurar a necessidade de o universo ter tido origem e que, pela natureza das coisas, essa causa deveria ser inteligente.

— Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.

“Quais são os atributos da Divindade?”

A alegria de superar as dificuldades punha-me na condição de aluninho a se alfabetizar. Hoje, recomendaria aos encarnados que lessem “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, porém, naquela ocasião, o que mais desejava era progredir devagar, com boa vontade, com denodo, sem esquecer as dívidas contraídas, mas esperançoso de saldá-las em breve.

Bem considerando, não sei se conseguirei pagar o que devo ao querido bisavô Honorato. Que Deus o proteja e ilumine sempre!

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui