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Erotico-->13. ESTREMECIMENTOS -- 11/12/2002 - 08:51 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

— Vocês não estão vendo que eu sou uma criancinha de apenas seis anos de idade?

Acordei repetindo a frase, inconsolável. Sonhara, ou melhor, reproduzira todos os sucessos ruins da vida, sempre com a mesma figura de menino que apanhara de cinta pela primeira vez. Acometia as pessoas de poderosas mordidas e, ao receber o troco:

— Vocês não estão vendo que eu...

Honorato não me deu tempo para meditar a respeito da revelação inconsciente. Ao acordar, estava ao lado do leito, dando demonstração de estar a par do sonho.

— Querido Roberto, vamos ver o que lhe reservou esta noite agitada.

— Posso depreender que já saiba...

— Em parte. Sei que esteve repetindo a idade pela vida afora. Como os acontecimentos reais se encaixaram, desconheço.

— Pois a minha verdadeira vida pareceu-me longo ajustamento ao procedimento infantil, como se todas as ações más fossem fruto do revide pelos maus tratos, especialmente em se tratando de castigo para além de minha capacidade de compreensão.

— O seu sonho se limitou até ao ato do suicídio ou você se viu dando as mesmas desculpas no plano etéreo?

— Se quiser saber, até o dia de ontem, à noite, quando lhe pedi para desculpar-me o “fora” a respeito das conclusões apressadas.

— Considera possível que tenha sido tão grande o prejuízo emocional causado por seus pais, para estender-se até a presente fase da existência?

— De maneira alguma. Acredito, bem pensando, que a consciência está a indicar que as frustrações iniciais da vida foram arquivadas para emprego oportuno, sempre que acuado, acusado, pressionado, necessitando tomar drásticas decisões, tendendo, por isso mesmo, à malignidade, já que tinha recursos de defesa armados psiquicamente para o efeito da contemplação, do prêmio, da justificação das ações deletérias.

— Está bem certo disso?

— Claro que não. Estou, de novo, explorando o campo que se abre à minha possibilidade investigante. Entretanto, só reproduzo a solução mais plausível, sem acrescentar outros fatores da personalidade. Pelo que pude depreender das sugestões de ontem, é bem provável, quase certo, melhor dizendo, ou mesmo certíssimo, que tenha tido motivos desconhecidos, transferidos de situações dramáticas de outras encarnações...

— ...ou das correrias anteriores pelo abismo...

— Como assim? Será possível que as situações de débito com os outros seres possam adquirir-se fora da carne?

— Por que não?! Não estamos praticando ações neste exato momento? Tentamos fazer o melhor possível, para não ofender a ninguém. Mas esse pensamento é o de agora. Em períodos anteriores, quem sabe se não vagávamos em busca de concretizar aquilo que você chamou de “atos espúrios”?!

— “Ações deletérias”...

— Também.



Quando adentrei a câmara de reflexões, ia com o ânimo alevantado, crente de que avançaria nas descobertas das causas das maldades, pronto para pespegar nos defeitos de caráter as cintadas das virtudes. Não me deixaria aborrecer, ainda porque sabia que, um dia ou outro, tudo se revelaria e tudo deveria enfrentar, até atingir o domínio de todas as reações espirituais.

Revisei rapidamente a infância e a adolescência. Consignei inúmeras ocorrências de inferioridade psíquica, especialmente de medo e de impotência perante a força alheia. Percebi que, dentro dos grupos de amigos, me sentia confortável apenas quando tínhamos projetos desonestos. Em todo caso, nunca era quem se atrevia. Aliás, quando as coisas desandavam, era o primeiro a disparar de volta para o refúgio seguro do lar, nunca tranqüilo, mas sempre julgando-me inocente das intenções e dos feitos.

Dei como conhecidas as causas das reações e pulei alguns anos, estabelecendo-me diante dos filhos.

Dizia à esposa:

— Leonor, por iniciativa minha, esta criança jamais irá conhecer o desgosto das palmadas. Se, alguma vez, você me vir de cinto na mão para espancá-la, corra comigo, que estarei transtornado. De sã consciência, prometo controlar-me e ensinar ao meu filho tudo pelas boas.

Queria passar adiante as lembranças até o nascimento do segundo filho, daí a três anos, mas a memória embatucava. O tempo custava a passar. Os dias se representavam inteiros. Especialmente, via-me dando aula. Crianças de nove, dez e onze anos de idade. Passava de carteira em carteira. Levava sempre a régua na mão. Queria ver os exercícios, as contas, os mapas, as cópias. Não batia com força. Tinha medo do revide paterno e do diretor, como naquela vez em que deixara vergão vermelho no braço do desaforado.

Enquanto não me compenetrei de que estava maltratando os alunos, não lhes dando oportunidade de aflorarem a inteligência, ministrando a matéria tiranicamente, impedindo as manifestações pessoais, criando verdadeiros robôs, onde os melhores eram os que reproduziam item a item tudo que lhes ditara, não avancei nas recordações.

— Terei sido péssimo professor? Terei descarregado nos alunos os rancores de outra época? As minhas classes sempre foram disciplinadíssimas. O diretor juntava os piores e mos passava mecanicamente. Gostava de dominar os mais fogosos e me regozijava quando saíam, abandonando a sala de aula, a escola.

Terrível sentimento de culpa foi assenhoreando-me da consciência. Lembrei-me da disposição de não me abater. Afinal, era para recordar-me dos filhos e não das atividades profissionais.

Súbito, vi-me perante um pirralho de seis anos de idade. Estava em prantos e suplicava por piedade:

— Ó pequeno animal, que você está pensando que é? Pensa que não sei o que você tem aprontado com seu irmão? Que história é essa de beliscar a barriguinha? Olha o que você fez. Pois vai receber a devida lição.

A memória se fixava nas palavras pretendendo escurecer a lembrança das ações. Mas não houve jeito. Desvendava-se a verdade. De cinto na mão, dei três violentas pancadas no moleque e o prendi no quarto.

— Pode chorar à vontade...

— Mas, papai, não está vendo que eu tenho só seis anos de idade?...

Era a reprodução do sonho, não a voz da criança. Esta foi largada lá, até que a mãe foi encontrá-la escondida debaixo da cama.

Naquele momento, soou a sineta. Encerrava-se a segunda sessão íntima.



Honorato percebeu que saíra envergonhadíssimo e não insistiu no tema. Se se perdesse a sessão com os companheiros de pequeno grupo, pelo menos poderíamos, mais tarde, recapitular os pontos essenciais. Não haveria perda de tempo, que o tempo se perdera durante a encarnação.

Pedi-lhe para começarmos com simples pai-nosso. Queria meditar sobre o significado de cada palavra. Na verdade, desejava reviver as sensações da prece dita nas Trevas, que era onde me achava psicologicamente.

— “...perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores...”

Não quis perder o encontro com os do pequeno grupo:

— Extrapolei as orientações do Professor Mário e deixei-me levar para além das relações familiares. Contudo, penso ter achado o nexo dessas recordações. Sempre agi ditatorialmente, em todos os relacionamentos.

— Foi por isso que não desejou que o ajudasse ontem.

— E, no entanto, tenho sido muito dócil. Se estivesse em mim sedimentada a mesma personalidade, teria fugido para o Umbral com os demais.

— Julga justa essa conclusão? Não estará sendo precipitado? Terá estudado todos os aspectos do procedimento habitual? Não poderá a condescendência ter sido originada pelo temor dos castigos tremendos de que foi alvo nas Trevas? Não terá havido acomodação, à vista de não haver outra perspectiva?

— Não está vendo, querido avozinho, que tenho apenas seis anos...

A frase me saiu espontânea, como ditada diretamente pela consciência.

Antes que desfalecesse, recebi forte influxo energético. Ao derredor de mim estavam os orientadores dos cinco colegas de grupo. Pelo restante do dia, dei baixa ao hospital. Romperam-se várias suturas perispirituais.

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