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Erotico-->32. ENCONTRO DE TRABALHO -- 30/12/2002 - 06:37 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Diferentemente da turma anterior, pondo de lado as exposições pessoais, o novo grupo se aboletou nos assentos, determinado a progredir no conhecimento do assunto que nos fora proposto. Deveríamos auxiliar alguém a absorver os ensinos da cartilha? Deveríamos imitar as reações plausíveis dos seres que iriam ficar sob jurisdição espiritual? Então, deveríamos iniciar imediatamente.

Reginaldo assumiu a coordenação e estabeleceu as diretrizes, em linhas gerais:

— Quem teve a indicação de que receberá pessoa conhecida para adestrar no catecismo evangélico descreverá, sucintamente, o que espera encontrar e fingirá ser essa pessoa. Vamos avaliar o nível de expectativa, relacionando-o com as eventuais dificuldades.

Ninguém se manifestou. Ou aguardavam melhor oportunidade ou não tinham mesmo indícios dos pupilos. Não pude escapar de ser o primeiro.

— Veio-me bem clara a idéia de que a prima Leocádia seria a aconselhada.

Maria se interpôs:

— Não gostei do termo “aconselhada”. Vamos definir a perspectiva de instrutores. Sendo assim, não somos conselheiros. Exercemos o papel de conselheiros, como nos disse Mário. Logo, não temos “aconselhados”. Digamos alunos, ou melhor, companheiros necessitados de ajuda, pupilos ou discípulos, caso não nos confundamos com professores. Ou seja, nós não iremos ensinar mas auxiliar na leitura e absorção dos conhecimentos que se registram na cartilha.

Valdemar sugeriu “afilhados”. Reginaldo preferiu “amigos”. João não opinou e Marlene concordava com qualquer nomenclatura, desde que o que fizéssemos fosse o melhor possível.

— Pois bem, prossegui, Leocádia era mais velha que eu três anos e por ela nutri minha primeira paixonite juvenil. Devo dizer que fiquei na contemplação e no despeito, quando me vi colocado para fora de seu círculo amoroso por “gavião” bem mais velho.

Maria, de novo, interrompeu:

— Leocádia morreu antes ou depois de você?

— Depois.

— Então, estou vendo certa impossibilidade de que seja ela a escolhida como sua...

Engasgou na designação. Eu quis esclarecimentos:

— Por que impossível?

— Quantas vezes você volveu à Crosta?

— Nenhuma.

— Como estão os seus parentes?

— Honorato me disse que quase todos estão desencarnados.

— Aí está! Se você for instruir a prima, irá interessar-se pelo destino dos que lhe eram caros e irá perturbar-se no que tange ao serviço.

A lógica pareceu-me transparente. Maria continuou:

— Conseguiu o irmão Roberto vencer a “paixonite” ou considera que esse amor adolescente lhe possa morar no coração?

— Penso em Leocádia com muita ternura.

— Quem foi ela, em encarnações anteriores?

— Desconheço.

— Esse é outro óbice ponderável. Haverá muito mais curiosidade para restabelecimento dos vínculos e o trabalho poderá descair para o sentimentalismo. Não é o que se pretende dos novéis instrutores. Não vejo nessa sua “intuição” nada mais que o desejo inconsciente de burlar as diretrizes socorristas, no sentido de antecipar o conhecimento do mundo externo. Bem pensando, existe a possibilidade de o amigo estar até suspeitando dessa verdade e esteja vibrando para alcançar ser o diretor espiritual de pessoa que lhe seria infensa emocionalmente, no campo dos sofrimentos. Por que não pediu para orientar a esposa, o pai ou a mãe?

Reginaldo percebeu que a colega buscava descobrir-me as fraquezas mas não concordou com o sistema:

— Se estamos querendo embaraçar o companheiro, fazendo-o desconfiar de que haja malícia em sua postura perante o trabalho, não seria melhor fazê-lo de maneira lúdica, como nos sugeriu o mentor?

João aproveitou a deixa:

— Se quiserem, faço as vezes de Roberto e ele, da prima.

Todos concordaram. Eu protestei:

— Não saberia responder de maneira feminina. Meus atributos são masculinos.; posso até dizer: infelizmente. Mas não sou capaz sequer de saber como é que ela me tratará, depois de me ter visto suicida.

Marlene corroborou-me os pensamentos:

— O teatrinho tende a descambar para a fantasia. Se quiserem, participo da representação na qualidade da prima, contudo, todas as intervenções de Roberto hão de ser analisadas pormenorizadamente.

Não pude fugir à proposta. Marlene exercia poder de fascinação também sobre mim.

Reginaldo perguntou se alguém gostaria de apartear. Silêncio geral.

— Então, principiemos.

Marlene perguntou-me como gostaria de encontrar a prima:

— Posso dar-me a feição de mais jovem ou de mais velha. Loira ou morena.

Observei que eu não tinha nenhuma condição de me metamorfosear, permanecendo no corpo marcado pelas cicatrizes, como dentro de armadura. Mas a questão merecia ser refletida. Não sabia com que idade Leocádia teria desencarnado. Arrisquei:

— Clareie a pele, deixe os cabelos castanhos e puxe os olhos para o azul.

— Poderemos pedir à central de informações para nos enviar o retrato que Roberto projetou nas sessões de reflexão.

Valdemar tinha achado a resposta.

Em pouco mais de dez segundos, estávamos com a figura na tela, a querida Leocádia dos quinze anos.

Maria quis saber:

— É essa a última imagem que tem da prima?

Puxei pela memória. Evidentemente, eu a vira freqüentemente até completar os vinte anos. Mais tarde, encontrei-me com ela esporadicamente. Recordei-a aos trinta e dois e aos trinta e seis. Voltei a encontrá-la aos quarenta e dois.

— Vamos requerer essa fotografia.

A contragosto, solicitei do serviço de informações o envio do retrato.

Surgiu na tela uma Leocádia madura, envelhecida, com ar tristonho. Muitos dos traços estavam esmaecidos, por não ser clara a recordação.

Maria entrou em contato com o centro e pediu para limpar a imagem dos embustes emotivos. Queria a fotografia viva e colorida.

Marlene se concentrou e, em pouco tempo, conseguiu imitar a fisionomia e o porte físico de Leocádia. Diante dela, estremeci. Muitas lembranças me passaram pela mente.

Reginaldo, atento para as sutis evoluções do plasma de minha aura, pediu-me atenção:

— Roberto, querido, é preciso controlar as emoções. Se, diante do simulacro, você demonstra insegurança, que dirá perante a prima!

Reconheci que deveria manter-me calmo. Em pouco tempo, dominei-me. Até João gostou da reação:

— Juro que, se fosse comigo, não me arrumaria tão pronto. Por isso é que estou rezando para que o meu assistido, ou como se deva chamar, seja alguém alheio ao meu mundo particular.

— Pois eu acho — era Maria ponderando — que todos devamos aprender com esta demonstração. As lições não servem só para Roberto. Servem para todos.

Reginaldo contemporizou:

— Vamos esforçar-nos para entender a situação criada. Eis que Roberto, que nunca esteve na Crosta nem contatou nenhum conhecido do último encarne, de repente se vê perante pessoa muito querida, por quem nutria afeto verdadeiro.

Desejei objetar:

— As sensações não disseram respeito, propriamente, ao fato de estar diante de Leocádia. É que restabeleci, de certa forma, as vibrações materiais, como se estivesse preso à carne. Foi recordação mais global. Tanto que a figura de Leocádia mais velha não me desperta o mesmo interesse que a da jovem do primeiro retrato.

Valdemar quis ressaltar:

— Tenho para comigo que a observação é importantíssima. O estremecimento, ou melhor, os estremeções resultantes da vontade de capitalizar o que foi bom na vida são momentos de felicidade que se não podem desprezar. Nós, suicidas, tendemos a ver tudo negro, sob o prisma da sensação de dor que nos conduziu ao ato desesperado. Não sei como explicar direito, mas sinto falta de meu orientador, que me daria palavras mais próximas do que estou realmente querendo dizer. De qualquer modo, tenho a certeza de que todos ganharíamos muito se nos déssemos a mesma oportunidade de estar perante alguém que amamos.

Foi Maria quem não concordou:

— Está parecendo que a ovelha negra do grupo seja eu. É que não aceito desviar-nos, agora, da experiência. Vamos realizar as observações em função do que ocorre na psique de Roberto. Depois, tiraremos as conclusões.

Valdemar concordou e demos prosseguimento à cena do encontro.

— Leocádia, querida prima, como está?

— É você, Roberto?

— Sim. Venho com a incumbência de orientá-la.

Foi uma revolução no grupo. Todos queriam falar ao mesmo tempo.

— Está fora do programado!

— O orientador orienta, não diz a que vem!

— Estamos perdendo tempo, se formos levar isso a sério!

— Eu diria outra coisa, completamente diferente!

Reginaldo pediu silêncio:

— Vamos ouvir o que Roberto tem a dizer.

— De minha parte, dada a intimidade na carne, qualquer coisa que diga terá o cunho do afeto, da boa vontade, da amizade. Se não estiver consignado o rigor doutrinário, o tom da voz, a vibração do sentimento, o envolvimento dos fluidos da simpatia irão suprir a deficiência. Por isso, disse diretamente o que iria fazer.

Maria me interrogou:

— Se não estiver diante da prima, irá dizer outra coisa?

— Evidentemente.

— O quê?

— Direi: “Meu irmão, venho a mando da administração da colônia para lhe proporcionar assistência no que diz respeito ao aprendizado das normas evangélicas. Eis aqui o seu catecismo. Iremos estudá-lo juntos, até que tudo se lhe fixe indelevelmente no cérebro. Jesus velará por nós!” Que tal?

O grupo permaneceu silencioso por algum tempo. Marlene, restabelecendo a própria fisionomia, ajuizou:

— Caríssimo Roberto, é melhor que peçamos, como sugeriu João, que a entidade que iremos orientar não nos tenha vínculo sentimental.

Naquele instante, o sinal nos avisava de que era hora da reunião da classe.

No caminho, meditava sobre as razões que me levaram a supor que iria encontrar-me com Leocádia. Conservava forte a esperança de que viesse a ser ela a orientanda. Mas a segurança do ensino da cartilha abalara-se um pouco. Era preciso que o grupo se reunisse outras vezes, antes de começarmos o trabalho. Seria essa a conclusão a que se chegaria, na presença do Professor Mário?

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