Apontaram-me para representar o grupo. Realmente, fora quem mantivera acesa a atenção para o tema por mais tempo, pelo menos, no que respeitava ao envolvimento com as tarefas de doutrinação e de elucidação dos recém-chegados.
Dirigi-me ao centro do círculo, com mais seis colegas, um para cada equipe.
Mário permanecia de fora e pediu para que cada qual relatasse o que havia sucedido nos grupos. Que a turma do centro deliberasse sobre quem seria o primeiro. Outra vez deram-me a iniciativa. Desconfiei que era por estar no grupo de Reginaldo. Comecei:
— A turminha chegou à conclusão de que deveremos discutir muito para alcançarmos condições mínimas para o exercício real do socorrismo, mesmo que as pessoas sob influenciação sejam afáveis e tenham tido vidas exemplares. Concluímos, ainda, que não devemos orientar parentes, amigos ou conhecidos, dado o comprometimento emocional tender para relacionamentos particulares, quando o que se almeja é o aprendizado da cartilha.
Mariana estava na roda do centro e se manifestou favorável a que os temas por mim levantados fossem levados para os diferentes grupos, uma vez que o seu pessoal se ativera a outras teses:
— A minha turma esteve interessada em interpretar as diferentes reações perante os assistidos...
Nesse momento, recebi instantes apelos de Maria para apartear. Tínhamos sistema de comunicação, de forma que, sem perturbar o andamento da reunião, éramos capazes de trocar informações. Não quis atender para retificar o “assistidos” e pedi à colega que se mantivesse calma. Haveria momento oportuno para a reflexão.
Mariana prosseguia:
— Representei velha senhora religiosa, absolutamente surpreendida com os eventos cármicos. Houve quem se fizesse de jovem atropelado. Outro preferiu ser homem maduro, vítima de doença do coração. E assim por diante. Vimos que houve dificuldades no estabelecimento da psicologia apropriada a cada indivíduo, mas, de modo geral, foi possível concatenar as idéias e oferecer respostas convincentes das boas intenções da instituição e do membro designado como orientador. Contudo, não nos sentimos preparados para responder a pessoas mais inteligentes, capazes de argumentação fundamentada nas premissas do pensamento teológico ou filosófico de seitas ou religiões que fanatizam os simpatizantes e cristalizam os pensamentos dos sacerdotes. Iremos querer de Mário que nos esclareça quanto a termos conhecimento prévio dos... como é mesmo que devemos chamar o pessoal novato?
Deu no que desejava Maria. Pretendi intervir, mas o representante do próximo grupo teve prioridade:
— Pela ordem, querido Professor.
— Esteja à vontade.
Lá estava Onofre, a desafiar que se quebrassem as normas dos debates.
— Vamos dizer que os que vão aprender sejam aprendizes. Vão aprender o quê? O evangelho, a doutrina, a filosofia, a verdade espiritual. São, portanto, aprendizes do evangelho. Quem irá ensinar? Nós, instruídos e instrutores. Assim, somos monitores. Poderemos chamar o pessoal ingressante também como monitorados. Se aprendizes ou monitorados não forem palavras que soem bem, proponho assistidos, alunos, pupilos, irmãos, amigos, aconselhados...
Maria, insistentemente, rogava que pedisse a palavra. Queria que desse à classe a idéia de que o assunto devesse ser discutido com maior rigor. Onofre, segundo ela, estava a desfeitear a precisão terminológica, mercê da capacidade oratória. Eu me vi atrapalhado, pois não tinha argumentos para rejeitar as apreciações do colega revolucionário. E disse-o com franqueza à companheira. Diante de minha pusilanimidade, aquietou-se. Mais tarde, por certo, iria manifestar-se favorável a que Reginaldo fosse o escolhido do grupo.
Nessa troca de informações, perdi as observações que se fizeram em torno do tema principal. Guardei apenas que Onofre considerava, ao contrário do grupo que o enviara, muito cedo para assumir responsabilidade socorrista. E se o “coitado” não tinha sequer condições de assimilar a leitura do “libreto”? Desconfiei que perguntava mais ao Professor do que aos parceiros. Mas não recebeu resposta. A palavra seguiu adiante.
Carlos Ênio, excelente aluno das aulinhas de redação, suicida por enraizada convicção materialista, tomou a palavra:
— Somos de parecer que o tema proposto está à altura do desempenho moral da classe. Se assim não fosse, os mentores não se teriam inclinado a determinar que chegássemos tão depressa ao socorrismo prático. Entretanto, quero ressaltar, em nome do grupo, com quem mantive contato durante as apreciações anteriores, que devemos receber informações exaustivas a respeito das entidades que iremos instruir. O treinamento teórico está a ensejar-nos “programar” as pessoas com quem melhor desempenharíamos as funções. Esse é o objetivo curricular. Feito o levantamento dos problemas, somos capazes de indicar as deficiências pessoais ao grupo. Fazendo todos assim, formar-se-á o quadro geral do que precisamos aprender. Essa matéria não há de ser mais difícil do que temos estudado até agora. Basta acreditar que temos condições de amar o trabalho e iremos amar também a quem se apresentar ávido por crescer nos conhecimentos. Concordamos com Onofre no aspecto das inúteis pregações, quando o discípulo oferecer resistências. Mas contamos com o amigo para nos explicar como é que tais pessoas reagem...
A brincadeira surtiu efeito. O ambiente tenso pela série de conclusões pendentes de encaminhamento aos superiores se desanuviou. Carlos Ênio conseguira o intento de resumir as diferentes posturas diante do tema. E o fizera com felicidade, tanto que os demais se manifestaram apenas para confirmar que os seus grupos tinham chegado a resultados muito parecidos.
Mário solicitou que a formação se desfizesse. Rapidamente nos dispusemos em fileiras, para ouvir-lhe a preleção.
— Meus amigos, não vamos perder-nos pela imposição das opiniões pessoais. Enquanto se discutiam os principais resultados, percebi que muitos se desgostavam do desempenho dos selecionados, havendo até o caso de um deles se esquecer de que fora voto vencido na reunião particular e ter exposto seu próprio ponto de vista. Quanto à discussão dos termos para a fixação das diretrizes metodológicas, na apreciação das leis cósmicas, não discordarei de que seja de alta relevância a definição dos conceitos, através de nomenclatura especialíssima. No entanto, no que concerne à designação da entidade que estará sob amoroso amparo intelectual, não vejo a transcendência da necessidade de absoluta coerência. Na verdade, dado que cada qual mantém personalidade própria, é compreensível que se utilizem de vocábulos diferentes, segundo o prisma em que se colocam seja mais ou menos emotivo, mais ou menos racional, mais ou menos humano, mais ou menos angélico, mais ou menos divino. Espero que finde esse discurso de quem não se interessa, realmente, em auxiliar os que estão em momentânea inferioridade cármica.
Desconfiava eu de que Maria tinha vontade de desaparecer. Enviei-lhe palavras de conforto, pedindo para voltar a levantar o problema na próxima reunião da turminha. Queria comprovar que havia aspectos do seu discurso em que tinha inteira razão. Perguntou-me, imediatamente, quais aspectos seriam aqueles. Percebi que fora afoito, que não pensara direito no que dizer. Fora levado pelo interesse em não vê-la arrasada. Pedi-lhe para prestar atenção à aula. Não queria perder nada das explicações. Notei que o aparelho da companheira se desligara. Teria ficado brava também comigo? Como são estranhos os espíritos femininos! E eu que desejava ter Leocádia como orientanda!
Mário prosseguia:
— ... todos receberão instruções minuciosas a respeito do comportamento habitual, bem como resumo extraído da memória. Não se esqueçam de que estamos aparelhados para gravações completas, segundo o influxo vibratório das mentes. O tempo se condensa ou se alarga pela necessidade psíquica. O mais virá com o desenvolvimento da próxima tarefa. Cada grupo receberá três históricos ilustrados de diferentes desempenhos de instrutores como vocês. Num, o sucesso foi total.; noutro, parcial.; no terceiro, houve completo fracasso. Vocês vão analisar o que aconteceu e propor modificações para melhorar o processo de aconselhamento. Não se prendam a problemas particulares. Vejam o trabalho do ponto de vista da organização socorrista, como se estivessem gerenciando a formação evangélica dos instrutores.
Quis conversar imediatamente com Maria. Achava que tinha sido indelicado. Encontrei-a em animada discussão com o Professor. Deixei-os em paz. Mário daria rumo certo aos implementos de rancor da aluna. Honorato me teria sugerido prudência e recolhimento espiritual. E uma prece, em favor de todos os que se retiravam frustrados. Era entre estes que me incluía. Mais que nunca, não me senti competente para instruir a quem quer que fosse, muito menos Leocádia. Se o curso levava ao aperfeiçoamento na área da assistência doutrinal, estava conseguindo remar contra a corrente, com extraordinária facilidade.