Vamos fazer um exercício de reprodução da mente conturbada de Juvenal raciocinando a respeito dos eventos dos derradeiros dez dias:
“Se eu tivesse... desde que soube... os fusos horários... minha irmãzinha doce e prestimosa... substituição... fazer valer minha carta de motorista... liberação do veículo... delegacia... dinheiro que vem fácil... dificuldades... subjugação... Armando deve estar estranhando... colocar vidro à prova de balas... meu tio não deve saber... Tadeu batendo a cabeça por aí... sintomas de agonia... submetralhadora e munição para... alimentar os cães... Francisca não serve para mais nada... necessidade de exterminar o casal... luto e febre... Faculdade de Turismo... exame de habilitação... “hackers” e “furos” nos “sites” bancários... não ser dono do próprio destino... minha mãe e minhas irmãs... genomas, ADN, cromossomas... não do mesmo jeito... manter as professoras... assistir às aulas... ler sem decorar... estipular horários...”
Apesar da velocidade com que passava de um tema a outro, eram todos recorrentes, voltando a passar pela mente sem solicitação da vontade. De positivo, como realização que alterou sua vida, pediu a Ângela que continuasse ali dando as aulas aos dois alunos, porque pretendia assistir a todas. Poderia trazer mais dois ou três: não tinha importância que a matéria a ser dada ele já houvesse estudado, pois refrescar a memória com os tópicos básicos parecia-lhe importante.
Também dispensou todos os empregados, conservando apenas Tadeu com a tia, esta por estar velha.; aquele por ser o único que restara capaz de dar conta de recolher os cães pela manhã.
Quanto à Professora Elvira, não encontrava desculpa para obter dela cooperação no sentido de continuar freqüentando a casa na qualidade de profissional da área de Educação Física. No entanto, considerava importante realizar exercícios que o mantivessem saudável. De qualquer forma, tinha de conversar com ela, pagar-lhe o que lhe devia e sondar-lhe as pretensões ao levar Lutécia ao centro espírita.
À tarde do dia do contato com a organização, ligou para a professora e combinaram encontrar-se à noite, justamente no centro a que ela se dedicava.
— Tio, o senhor vai comigo? — perguntou Juvenal ao telefone.
— Por que você quer que eu vá também?
— Estou muito só nesta casa imensa, ainda mais agora que nem empregados tenho. A Francisca desapareceu e o Tadeu fica conversando com os cães, como se eles tivessem respostas para lhe dar. Eu nem chego perto. Fico olhando da janela.
— Por que você não vem morar comigo?
— Nem pense nisso. Eu estou bem aqui. Tenho a Internet e os canais pagos, com os filmes que me agradam.
— Eu sei: os “thrillers” de “suspense”, os dramas e documentários de guerra...
— O senhor andou olhando a minha videoteca...
— Eu conversava sobre isso com sua irmã, coitadinha.
Naquela noite, José e Juvenal chegaram juntos ao encontro com Elvira.