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Erotico-->50. INTROSPECÇÃO -- 18/05/2003 - 07:48 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

No caminho, Juvenal ponderou a respeito das razões que teriam levado Macedo a prendê-lo. Resolveu que o melhor a fazer naquela circunstância seria esperar as conseqüências da atitude do policial. Parecia-lhe ainda ouvir Glorinha a pedir-lhe que não dissesse mais nada, crente de que era a irmã quem a inspirava. Tal pensamento levou-o a desligar-se de sua triste situação, para recolher-se em prece, solicitando força para enfrentar as crises de personalidade que pressentia. Via a mãe acabrunhada e o tio desesperado. Não conseguia imaginar a reação do pai, onde quer que estivesse. Também não sentia medo de nada, recordando-se da expressão final da fala da namorada: “Deus o que mais quer é a salvação do pecador.”

Admirou-se o rapaz com a clareza dos pensamentos, muito menos turbulentos que há alguns meses atrás, antes de receber os remédios. Antes, porém, que pudesse terminar a prece que iniciara, ouviu que uma voz chamava Macedo:

— Atenção, inspetor Macedo. Responda.

— Inspetor Macedo.

— Um aviso para o senhor. Dirija-se à Homicídios, deixando o suspeito sob custódia dos agentes Clóvis e Raimundo, do Narcotráfico.

— Positivo. Onde devo encontrá-los?

— Na vigésima terceira.

— Positivo.

Ao se aproximar a viatura da delegacia de destino, o trânsito estava congestionado. Apesar da sirene, os carros não tinham como ceder passagem, de modo que os policiais se viram detidos no meio da avenida.

Acendeu-se o temor de um resgate, de forma que os quatro policiais engatilharam as armas, forçando Juvenal a encolher-se sobre o banco, entre dois soldados.

De fato, houve um assalto ao carro, sem disparo de um só tiro. Bastou aos atacantes mostrarem seu armamento pesado, encostando quatro encapuzados, um em cada porta, enquanto dois outros dominavam o pára-brisa dianteiro.

Desarmados os ocupantes do veículo, Juvenal foi puxado para fora, sendo levado para o outro lado da avenida, onde esperava por eles uma perua do serviço clandestino de lotação.

Todos os movimentos foram extraordinariamente calmos e sincronizados, com as armas escondidas debaixo de amplos agasalhos, tendo ficado para trás um dos homens armados, rendendo os policiais deitados no asfalto.

Em menos de trinta segundos, o último homem era apanhado por um motoqueiro.

Quando Macedo acionou o rádio, descobriu que tinha sido inutilizado. O velho investigador, por mais que pusesse a imaginação a funcionar, não conseguiu atinar como é que alguém poderia ter tido a presteza de soltar um suspeito que havia sido detido há poucos minutos.

O carro dos fugitivos não demorou a despistar possíveis detetives amadores, largando o rapaz numa rua bastante movimentada do centro, onde um homem bem vestido lhe entregou um envelope, pedindo-lhe que entrasse numa casa de diversões eletrônicas, desaparecendo em seguida.

Juvenal não tinha como decidir sozinho o seu destino. Cumpriu, então, a ordem, penetrando no ambiente cheio de jovens, onde os ruídos das máquinas conviviam com as exclamações dos mais entusiasmados.

Havia um lugar vazio no fundo do estabelecimento, onde uma máquina desativada não atraía a atenção dos freqüentadores.

Dirigiu-se para lá e abriu o envelope, contendo uma carta evidentemente composta em computador.

Leu:

“Meu jovem:

“Você não nos serve mais. Como nos autorizou a eliminar os assassinos de seu pai e de sua irmã, estamos em vias de fazê-lo. Ou você quer voltar atrás e nos devolver toda a quantia que lhe passamos, com quinhentos por cento de juros?

“Esta missiva deverá ser devolvida para a mesma pessoa que lhe entregou, o que será o sinal de que você vai pagar o que pedimos.

“Iremos ligar hoje à noite para o celular que o nosso contato lhe vai passar, quando marcaremos o lugar em que você deverá deixar o dinheiro. Pode ser em dólares.”

Juvenal não teve tempo de raciocinar. Tomou o primeiro táxi e mandou o motorista correr para o condomínio de luxo. Precisava entrar e sair antes que a polícia pusesse vigias lá.

Deu tempo. Quando saiu, levava duas valises com o suficiente para cobrir todo o débito, acrescentando cem por cento ao total como prevenção para possível necessidade futura. Nos bolsos, carregava quatro barras de ouro de um quilo.

Outro táxi o levou para o apartamento pequeno, que encontrou sendo municiado com os móveis que encomendara.

Supervisionou a entrega e a montagem de alguns móveis, sempre atento para as valises que deixou no fundo do quarto. Nem tudo havia chegado, de modo que ainda haveria pessoas a entrar e sair. Decidiu que deveria dedicar-se a organizar seus pertences, especialmente dispondo as roupas na camiseira e no armário do quarto.

Fogão e geladeira não haviam chegado, de sorte que se viu na contingência de ir buscar o que comer fora. As valises passaram a ser um problema, uma vez que seria muito estranho sair com elas, bem como seria perigoso deixá-las no apartamento, pois, a qualquer momento, haveria mais entregas.

Acionaria o celular para fazer uns pedidos. Viu-se perante outro problema: sua chamada poderia ser rastreada. Deu com o celular que lhe fora cedido pela quadrilha. E se fizesse a ligação através dele? Achou razoável. Examinou o aparelho que tinha em mãos. Era um modelo antigo, sem muitos recursos. Ligou para a central telefônica, para o serviço de hora certa. Funcionou perfeitamente. Quando pensou em pedir comida em algum restaurante, deparou-se com o fato de não ter de memória nenhum número e, mesmo se tivesse, teria de fornecer o endereço a alguma pessoa conhecida. Do dia anterior só havia sobrado para comer um pote pela metade de pasta de amendoim. Foi quando achou o saquinho do supermercado, com nome, endereço e telefone.

Ligou imediatamente e ficou sabendo que poderia fazer um pedido. As compras lhe seriam entregues em uma hora. Fez uma lista de mercadorias, inclusive de alimentos preparados pelo próprio estabelecimento, percebendo que poderia abastecer a geladeira e o armário da cozinha, sem sair de casa.

Enquanto esperava a encomenda, distraiu-se instalando o aparelho de televisão. Estava na hora dos informativos do meio-dia, ocorrendo-lhe que bem poderiam noticiar o resgate de que fora alvo.

A antena do prédio correspondeu e os vários canais tiveram suas imagens captadas a contento. Havia um noticiário de caráter sensacionalista que divulgava os acontecimentos policiais. Foi nele que deixou sua televisão ligada. Foi ali que assistiu à entrevista de Macedo, fornecendo nome e sobrenome do parricida e fratricida, narrando pormenorizadamente o feito dos bandidos na avenida, solicitando à população que denunciasse o paradeiro do fugitivo e que descrevesse os atrevidaços.

Notou o moço que não foi divulgada foto sua, muito embora velhos retratos do pai e da irmã tivessem sido apresentados. Considerou que sua carteira de identidade fora distribuída para várias pessoas e entidades. Examinou o original que retirou da pochete. A foto ali era de um jovenzinho de quatorze anos, época do documento. Imaginou que não demorariam para localizar uma foto mais recente, talvez de alguma reunião festiva ou mesmo de um dos enterros.

Sentiu-se acossado. Foi quando ponderou que sua vida estava nas mãos dos traficantes, por um lado, e da polícia, do outro. Imaginou que poderia fugir da cidade e do estado. Mas ir para onde? Qualquer refúgio seria devassado pelo olhar curioso e perspicaz do povo. Se, ao menos, tivesse documentos falsos. Mas isto estava fora de cogitação. Não haveria tempo para providenciar. No mínimo, volveria ao antigo hábito de apenas sair à noite.

Aos poucos, sem se alimentar, começou a ter visões estranhas, mescla de episódios reais com cenas imaginárias. Viu-se subindo num patíbulo, onde aguardava por ele o carrasco com um capuz na mão. Ainda divisou um laço dependurado numa alta trave e mais alguns corpos pendendo inertes.

Percebeu que lhe faltavam os remédios a que habituara o organismo. Se tivesse a receita dada por Moacir, poderia ligar para alguma farmácia. Pensou em Glorinha. Quem sabe ela teria ficado com a pasta do hospital? Mas para que número ligar? Só se recebesse uma ligação dela através do celular, que mantinha desligado e que não lhe fora subtraído pelos policiais.

Desconfiava de que só conseguiria adquirir as drogas mediante a apresentação de receita. Conhecia de cor o nome de duas delas. Após várias consultas, chegou a um número de telefone de uma farmácia próxima. Ligou para lá solicitando os medicamentos. Perguntaram-lhe se possuía receita. Tendo respondido que não, prometeram-lhe levar uma dose de cada a ser aplicada no enfermo, a tanto por dose. Estavam explorando-o, evidentemente, mas precisou concordar com o preço. Foi assim que, vinte minutos depois, recebia as injeções que o livraram do desvario, mas que o arremessaram num estado de sonolência próximo da catalepsia.

Mal conseguiu receber as compras do supermercado, deixando nas mãos do entregador as últimas notas nacionais. Ficou com os talões de cheques, com os dólares e com o ouro, três possíveis delatores de sua condição de fugitivo.

Mas alimentou-se, ganhando uma nova energia.

Das três às cinco horas da tarde, recebeu as últimas encomendas, completando o mobiliário. Para impedir que o reconhecessem, encheu de espuma de barba o rosto, fingindo que se barbeava. Felizmente, o porteiro não acompanhou a entrega nenhuma vez.

Pôs tudo em ordem no apartamento e ficou na expectativa da prometida ligação, descartando o recebimento de alguma chamada em seu próprio celular, que mantinha desligado.

Enquanto esperava, ligou a televisão mas, desta feita, não procurou programas jornalísticos. Deixou numa novela em que jovens adolescentes da classe média descobriam a importância das virtudes, todos eles forrados de dinheiro, podendo conseguir todos os bens materiais.

Em pouco tempo estava imerso em sua própria condição de ser perseguido, considerando que bem melhor teria sido se tivesse permanecido preso. Sopesou todas as saídas naturais, detendo-se, sobretudo, no valor de uma vida estigmatizada por crimes que tendiam a apontá-lo como malfeitor, ainda que vivesse mais oitenta anos praticando o bem.

Viu-se acusado pelo tio, único parente com quem, nos últimos tempos, teve certo contato afetivo. Os amigos não contavam, porque os que mais lhe foram chegados estavam entregues ao mundo dos crimes. Lembrou-se de Armando, seu condutor nos atentados ao pai e à irmã. Ficou com vontade de conhecer-lhe o paradeiro, mas temeu que pudesse ter sido ele a denunciá-lo. Quem mais? “Formigão”, o que atirou no carro blindado, inútil tentativa de desviar as atenções para longe de si. Este bem poderia ter revelado o plano, caso tivesse caído nas malhas da polícia.

Sem transição, estabeleceu um paralelo de sua atitude mental naquele momento com as vezes em que se decidia a atentar contra a vida dos inimigos. Achou que estava medindo as conseqüências, o que não se lhe dava antigamente. Avaliou que tinha para perder antes o que acabou por perder agora. No entanto, agora estava temeroso de morrer. Sorriu por lhe ter passado pela mente que antecipara definitivamente o supremo instante da morte.

A idéia, porém, de que a facilitação de sua transferência para o outro mundo significava suicídio, calou mais fundo em suas cogitações. Quis afastar o pensamento desse tipo de reflexões morais, pensando firmemente no que aconteceria caso se recusasse a pagar o próprio resgate. Não havia garantia de que o dinheiro que desse à organização criminosa iria ser considerado suficiente. Mas, se não desse e fosse assassinado, ficaria melhor caracterizado o suicídio. Ele conhecia os métodos dos facínoras assalariados. Por outro lado, viu o dinheiro sendo empregado no fomento à viciação dos jovens.

Fugindo do beco sem saída em que se metera, pensou seriamente em distribuir a fortuna entre entidades assistenciais. Ele teria de fazê-lo no anonimato, caso contrário, de duas uma: ou a polícia tomaria conhecimento da origem da contribuição, entendendo de requisitar os valores.; ou os próprios responsáveis pelas instituições de caridade poderiam recusar-se a aceitar um dinheiro maldito. Rapidamente, imaginou que muitos indivíduos não hesitariam em desviar para os próprios bolsos as quantias ofertadas sem registro de origem.

Novamente considerou que se achava num labirinto, sem encontrar um fio de Ariadne que o conduzisse para fora. A lembrança de um dado cultural fez que o rapaz se emocionasse. Somou as horas que dedicara ao estudo, fez um apanhado dos conhecimentos que armazenara no cérebro e cotejou com os elementos que precisaria utilizar naquela circunstância para se safar dos perigos maiores.

Após uns minutos de reflexões no campo da matemática, das ciências exatas e humanas, buscou refrescar a mente mergulhando fundo nos textos jurídicos das obras paternas. Mas sua angústia se acentuou, porque via o pai como ser de carne e osso, falido e esfarrapado, e não nos escritos vigorosos produzidos por uma inteligência brilhante.

Notou que o sentimento predominante relativo ao progenitor era o mesmo dos tempos em que o velho lhe causava asco. Pensava principalmente na decadência moral de quem acumulava bens, sem praticar um só ato de caridade. Mas não acusava Renato de usura. Antes, via-o como perdulário, gastando com mulheres e toda espécie de devassidão, arruinando a saúde, começando a tornar-se ele mesmo uma ameaça para o próprio renome.

Não aceitou a desculpa para atirar nele. Queria um motivo mais adulto, mais histórico, mais racional. Surgiu-lhe a idéia de que fora levado ao parricídio por razões desconhecidas de uma provável vindita cármica. Se fosse isso, que papel exerceria seu livre-arbítrio? Quer dizer que não soubera vencer sua vocação existencial? E sua esquizofrenia? E sua debilidade moral? Teria amado o pai quando criança e odiado depois de adolescente? Que responsabilidade poderiam atribuir-lhe, se tantos engastes prendiam aquela pedra sem valor ao adorno de uma vida sem objetivo?

As perguntas se acumulavam sem que obtivesse respostas. Foi quando teve a atenção voltada para a tela luminosa: estava uma fotografia sua no velório de Lutécia sendo comentada pelo apresentador. Diziam que ele matara a irmã para ficar com a herança do pai só para si.

Em outras épocas sorriria. Ali ficou como que petrificado diante da maldade humana. Acusava as pessoas, mas seu raciocínio evoluía para conclusões bem mais positivas em relação ao assassinato da irmã. Se o povo soubesse que ele tivera uma fortuna na adega, fortuna cujo conhecimento era apenas dele...

Volveu o pensamento para a época da morte da irmã. Viu-se atarantado perante a impotência de mantê-la sob vigilância. Achou que ela iria tornar-se um peso difícil de carregar para o restante dos dias. Depois, a retirada dela de cena iria facultar-lhe uma liberdade de movimentos...

Desligou o aparelho, não querendo ter a atenção chamada para mais nada. Queria manter-se concentrado nos motivos mais profundos que o levaram a praticar um atentado contra três seres inocentes. Em relação ao pai, chegara a suspeitar de que tivessem sido inimigos desde sempre, ligando o presente na matéria a um passado que se perdia no tempo. Quanto à irmã, não via como aquele encanto de mocinha, cuja lembrança agora o comovia, pudesse ter sido uma ameaça. Ao contrário, sopesando bem tudo quanto lhe adveio após sua morte, ficava claro que ela armara uma situação francamente favorável, para que ele pudesse aproximar-se da doutrina espírita, doutrina que o mergulhara num mundo de questões e de respostas que nunca antes tivera oportunidade obter.

Se Lutécia não significava, de fato, um perigo para seu equilíbrio existencial, por que elaborara o plano mais perverso de sua vida? Tremeu quando levantou a hipótese que lhe parecia a mais correta: teria sido para evitar o matricídio, num momento em que ferir um anjo seria o mesmo que atingir-lhe o comparsa demoníaco, aquele ser que o fizera infeliz para sempre.

Recordou-se de haver criado na mente o quadro ideal de ter a irmã na quintessência da beatitude, uma santa no reino de Deus, ao mesmo tempo que castigava a mãe com as chamas mais terríveis do inferno.

Suava frio, sentindo-se o pior dos mortais. Compreendia, finalmente, que cometera um crime aos olhos de Deus. Pela mente em desalinho, passavam-lhe de carreira todas as pessoas a quem propiciara o transe da morte. Mas a idéia de que poderia dar-se o mesmo destino rejeitava aterrorizado, porque tinha bem vivos na memória os quadros dolorosos dos relatos dos suicidas contidos nas obras espíritas.

Ao mesmo tempo que lhe crescia a noção da necessidade de resgatar todas as más ações, crescia-lhe também a compreensão de sua incapacidade de fazê-lo. Como dizer a Tadeu que Tiago e esposa receberam os balázios de sua automática? De resto, naquela altura, ele deveria estar a par de tudo. Se Terê acrescentara ao luto pela filha, o doloroso sudário da alma hedionda do filho, que dizer de um fiel escudeiro que vê seu cavaleiro atacar a inocência feliz de uma jovem grávida, alegria de uma promessa de vida para um rapagão que atingia o ápice das realizações a que se pode aspirar na face da Terra?

Indignou-se consigo mesmo. Como lhe passara pela cabeça a idéia de que ficaria impune? Como entendera que conseguiria esconder das pessoas sua miséria moral e intelectual? Como se lhe formara na mente a errônea intenção de praticar atos de caridade aleatoriamente e com isso superar os traumas objetivos dos homicídios?

E, no entanto, entreviu os argumentos, que agora tinha certeza serem de Lutécia, segundo os quais de nada lhe adiantaria a revelação de tudo, mas que precisaria ocultar ainda os piores crimes para dar-se a oportunidade de criar soluções que atenuassem as mágoas, na hora de dizer a cada um o prejuízo que causara.

Voltou a pensar nas valises com os valores de seu próprio resgate, não no sentido de preocupar-se com o mau uso que poderiam dar ao dinheiro, mas no de representar bem pobre liberdade de ação para cumprir um destino de recuperação da inocência infantil, que perdera bem cedo. Viu Jesus agasalhando as crianças, prometendo aos homens recebê-los também quando se transformassem, adquirindo a pureza das virtudes excelsas, virtudes que ele decorara nos últimos tempos e que se constituíram num alvo colocado muito além dos limites de seu poder. Como realizar o amor pelo próximo, se não tinha nenhuma certeza do amor a Deus? Pior ainda: como amar o próximo como Jesus amou a humanidade, se esta lhe figurava degenerada e corrompida? No auge das considerações, perguntava-se como é que conseguiria amar ao próximo como a si mesmo, se estava criando um ódio integral, um ódio funcional, um ódio ínclito, um ódio tangente e helicoidal a si mesmo...

Não atinou com o desarranjo do cérebro, permanecendo nos vórtices dos pensamentos provocados pela hélice a turbilhonar a água, transformando o simples agitar de um fundo de copo de liqüidificador numa algazarra oceânica a cobrir as terras ribeirinhas, avançando destruidoras pela superfície dos continentes.

Naquele momento, bateram na porta, acompanhando os toques com os gritos tantas vezes ouvidos nas cenas dos filmes:

— Abra, Juvenal! É a polícia.


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