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Erotico-->15. SOMBRAS QUE SE DESFAZEM -- 12/06/2003 - 06:44 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Lourival orava em silêncio, sem saber direito o que pedir ou como agradecer. Maravilhara-o a solução dos relacionamentos infelizes ou misteriosos. Queria acreditar que estivesse em condições de enfrentar até os disparates de Margarida e os próprios ciúmes, lembranças que não se apagavam de sua retina metafísica.

Outros olhos, todavia, deveriam ser retirados da figura não tão monstruosa que tinha à sua frente.

Como num passe de mágica, foram desprendendo-se do conjunto centenas de criaturas, muitas das quais reconhecia. Eram aqueles seres que dele se riam durante o velório. Eram antigos desafetos das mesas de atendimento mediúnico que não alcançara doutrinar. Eram amigos dispersados pelo tempo, relacionamentos de um dia, encontros fortuitos para negócios. Fornecedores de peles. Companheiros de terreiro. Alguns conhecidos dos centros espíritas. E sacerdotes, pastores, pais de santos, mães de santos. Mulheres de vida fácil, companheiras de algumas horas. Ninguém com quem tivesse mantido longos contactos. Mas expressivos em seus semblantes de admiração, de rancor, de indiferença, de ódio, de suaves recordações, de esperanças desvanecidas...

Desejou amar a todos, na expectativa de que cresceria em virtudes. Mas eram muitos e não estavam dispostos a atendê-lo. Quando estendeu o braço para alcançar os mais próximos, muitos desapareceram. Queria tê-los ali para entretenimentos filosóficos, morais, vitais. Não tinham tempo a perder. Outros foram esfumando-se, até restarem alguns que se deixaram tocar, como com Jesus, quando impunha as mãos para a cura dos doentes da alma e do corpo.

Eram os mais cordatos, os mais generosos, os mais afáveis, mas, mesmo assim, as vibrações eram sentidas rudes, grosseiras, inferiores. Seriam seres de baixa extração espiritual, ainda pouquíssimo evoluídos? Sem dúvida necessitariam de auxílio para a conquista dos valores evangélicos. A cada um em particular, Lourival prometeu ajuda, assim que se desvencilhasse da condição de recluso da morte.

Aí todos os demais se retiraram, bruscamente, restando alguns olhares naquele ser disforme que o observava.

Quem permaneceria? Seriam parentes esquecidos, tios, avós, primos, irmãos, falsos e verdadeiros, que muitos tinham partido nas diversas encarnações sem que lhes desse muita atenção? Temeu por não ter-lhes oferecido o apoio de suas luzes e o abrigo de suas preces.

Enfrentá-los-ia.

Um a um, os espíritos foram aparecendo para os abraços mais comovidos. Eram, sim, parentes de outras eras, muitos com auras distintas, brilhantes, a maioria capacitada para entendê-lo e perdoá-lo. Queria ofertar a mão, a mente, o ombro. Vinham para demonstrar que estavam, eles sim, em condições de dar-lhe novo ânimo. O mais que faziam eram demonstrar solidariedade e apoio, em vibrantes manifestações de alegria pela regeneração das faculdades enegrecidas dos defeitos e pela aquisição das virtudes do amor, da fé, da esperança, da caridade.

Acreditasse, diziam todos, o futuro estava garantido.

Mas o que era bom não durou muito em sua visão alterada do perpassar do tempo. Num instante, estava de novo diante da criação fantasmagórica, simples agregado de luminosas ondas coloridas, nuvem cósmica a flutuar perante seus olhos extasiados.

Quem restaria ali?

Imediatamente, perfilharam diante de si cerca de dez criaturas de muito boa aparência. Eram, sem dúvida, os seus benfeitores. Dentre eles, destacava-se a figura de um amigo de muitas encarnações. Não acreditava. Sentia-se envergonhado. Rojou-se por terra, pedindo perdão.

Fizeram-no erguer-se e controlar-se. A solenidade da hora não dava azo a manifestações pueris de fraquezas e melindres. Empertigou-se e serenou a fisionomia, na grave postura de quem se põe perante o tribunal de Deus.

Também não era para tanto. Alguns começaram a sorrir-lhe afetuosamente, embora impedidos de se aproximarem para as efusivas congratulações por estar adentrando etapa nova no círculo evolutivo das espirais que conduzem ao Senhor.

O tempo começou a estender-se indefinido, lento, vagaroso. Cada pequenina transformação facial era como que o desabrochar de uma flor, passo a passo. Tudo se desenvolvia como nas cenas em que se utilizou de câmara rápida para o efeito da lentidão. O seu célere raciocinar se bloqueava e ele também se desligava das habituais expressões, segundo as quais exigia de todos que se desincumbissem das tarefas o mais depressa possível.

A felicidade, pensava com muita dificuldade, requeria morosidade, permanência, eternidade... Lembrou-se vagamente da descrição bíblica da criação do mundo e percebeu que Deus não tivera pressa em trazer do nada, do caos, da confusão, do verbo, cada pequenina peça do enorme quebra-cabeça. E descansou no sétimo dia, afinal.

Amainou os desejos de entendimento, de compreensão, de elucidação e pôs-se a fruir das benesses da paz. Era a primeira vez, na existência incorpórea, que chegava a tanta perfeição espiritual.

Influxos vibratórios provindos dos benfeitores estimulavam-no para a percepção do bem e do amor que lhe dedicavam os seres evoluídos. Todas as ansiedades desapareceram e o único que pôde construir no íntimo da consciência foi um mundo de extraordinário êxtase. Perpassava-lhe pela mente a idéia sublime de como seria estar com Jesus, nos páramos superiores da bem-aventurança. Lembrou-se de Deus, do paraíso celeste, e orou, agradecendo a existência. Finalmente, compreendia o que é o ser.

Quanto tempo ficou ali, não sabia.

Quando acordou, sentia-se absolutamente íntegro, pronto para os trabalhos que o conduziriam para níveis evolutivos superiores. Mas uma surpresa o aguardava, naquele ambiente renovado, pois ainda se encontrava junto à sepultura. Tudo o mais, cruzes, estátuas, imagens de santos, de anjos, velas, vasos, árvores e até a linda capelinha, que jurava ter visto lá no fundo, desaparecera.

Que mais poderia haver escondido nas profundezas da tumba?

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