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Erotico-->AS AVENTURAS DO PADRE DEODORO EM CAMPOS ETÉREOS — II -- 18/07/2003 - 08:33 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

1. O DESPERTAR NO ETÉREO

Deodoro chegou atordoado, como se tivesse recebido uma pancada na cabeça. Mas não sentia dor alguma, senão que não conseguia concatenar as idéias, que o chão estava girando.; olhava para tudo mas a realidade se desfocava, como nos últimos tempos em que a visão quase se perdera.

Noventa e sete anos de idade e tinha momentos de arrepio, invejoso dos santos, que, com certeza, privavam da companhia de Jesus, no reino de Deus. Ele se confessara ao próprio bispo, oferecendo a descrição exata de todos os temores que lhe assaltavam a consciência, porque nem sempre se capacitara pelas virtudes para a realização das obras do Pai e da Santa Madre Igreja.

— Tenha fé, meu filho, lhe dissera aquele, porque nunca se ouviu falar de uma santa alma que tenha ido para os infernos. Você caiu em tentação mas se arrependeu e recebeu os sacramentos. Amanhã, vamos lhe trazer a extrema-unção, graças a Deus, porque, assim, você estará resguardado de todos os males e todos os pecados lhe serão perdoados em nome de Deus. Se isto lhe der conforto, saiba que tudo o que você me confessou nada representa perto dos deslizes de minha alma, que me valha esta minha confissão e que Deus me perdoe. Se você tivesse atingido o bispado ou o cardinalato, iria ter muito mais que confessar, tantas são as armadilhas morais que esses encargos...

Não ouviu na hora e não repetiu no momento em que despertava. Lembrou-se de que, no dia seguinte, os santos óleos lhe foram aplicados:

— Senhor, perdoai os pecados deste homem, que pecou pela língua, que pecou pelo pensamento, que pecou pelas mãos, que pecou pelos pés, que pecou pelo coração...

Zonzo, não se recordava exatamente das palavras que repetira tantas vezes, levando o conforto do último momento aos enfermos, quase sempre desacordados, sem saberem que Deus os estava perdoando e permitindo a sua entrada no Paraíso.

— Será que vai demorar muito para chegarem os anjos e me tirarem desta aflição?

Perguntava e se punha de atalaia para discernir a presença dos seres luminosos. Havia pedido muito que fosse alertado, no caso de ter de passar uns tempos no purgatório. Definitivamente, rejeitava a idéia de cair nas garras dos demônios, mesmo porque de há muito não acreditava na existência das penas eternas, o que pusera muito mais ternura em seus sermões, embora recebesse, toda vez que confessava o pecado, a insistente penitência do sacerdote e amigo, que não admitia esse personalismo, a que chamava rebeldia contra os sagrados ensinamentos de Jesus, que fora quem colocara nas chamas eternas os fariseus e escribas...

Novamente, fraquejava a memória e os dizeres evangélicos não tinham ressonância na consciência.

Estendeu a mão para pegar os óculos que ficaram sobre o criado-mudo, em mecânica atitude, mas passou o braço pelo vazio. Esforçou-se para ver as horas no relógio de cima da cômoda, mas nem conseguiu enxergar o grande móvel. Quis falar à madre que o atendia na qualidade de enfermeira, mas não soube como articular as palavras. O máximo que alcançou foi imaginar-se, de fato, morto.

— Como se atrasam os representantes de Deus, os mensageiros da paz, os coros graciosos de querubins e serafins, os trompistas do Além...

Parou para refletir sobre a própria condição de alma desgarrada do corpo:

— Se não me engano, tenho de freqüentar por algum tempo os pastos em que se restauram as forças, segundo a situação de pecador que me reconheci até o último momento. Vejo com clareza que a humildade elegia a minha alma como categorizada para receber os louros do Senhor. Se eu tinha como certo que iria superar as fraquezas morais pelo volume de serviços prestados à Santa Madre Igreja, também deveria ter atribuído ao Pai a vontade dele ser superior à minha. Se tantas vezes rezei o pai-nosso, querendo que a vontade de Deus vingasse para a humanidade, quer dizer que também eu devo curvar a cerviz. Mas foram noventa e sete anos de vida ativa, mais de setenta anos dedicados ao pastoreio das almas dos pecadores. É verdade que fiquei os últimos cinco anos vivendo às expensas dos capuchinhos...

Mas não ia muito adiante nas reflexões. Espicaçava-lhe a curiosidade o fato de não sentir nenhum órgão dolorido. Podia esticar os braços e as pernas pois nada sentia. Era como se não existissem ou não fizessem falta. Se a vista estivesse melhor, iria tentar levantar-se para olhar-se no espelho. A madre é que lhe alisava os raros cabelos brancos e lhe mostrava a sua imagem, dizendo como estava belo e forte e outras baboseiras que não valia a pena recordar naquele momento supremo.

— E os anjos que não aparecem!...

— Estamos aqui, caro Deodoro. Mas você vai ter de suportar por algum tempo mais o seu desconforto moral, porque não podemos removê-lo nesse estado de fraqueza em que você se encontra.

— Quem fala comigo? Essa voz eu reconheço. É o meu amigo, o Padre Eufrásio?...

— Sou eu mesmo, para seu espanto, bondoso amigo.

— Você... ou devo chamá-lo por “Senhor” ou “Monsenhor”?

— Você está muito bem. Faça de conta que voltamos ao seminário e que estamos estudando Teologia juntos.

— Você sabe que sempre preferi História do Cristianismo e a Vida dos Santos.

— Que seja. Como você verá, teremos de refazer todos os cursos.

— Onde é que estamos? Não me consta que o Purgatório seja lugar para tais cuidados. Ou quer dizer que esse é o castigo por não termos realizado os estudos com a devida propriedade e atenção?

— É de tudo um pouco: desleixo no exame e na aplicação dos conceitos à nossa própria vida. Você não se confessou pecador...

— Que é que você sabe a respeito disso?

— Ora, Deodoro, você não acredita que as coisas fiquem reservadas para aqueles que se postam do outro lado da vida. Aqui nós sabemos de tudo.

— Eu não acredito. O Padre Eufrásio está fazendo papel do Demônio, para me impressionar. Se fosse desse jeito, Jesus nos teria dito e os evangelistas teriam registrado. Eu não me lembro de jamais ter lido algo semelhante. Nem nas bulas papais nem nos textos sagrados dos concílios, esse assunto foi ventilado. Deus, sim, tem o poder, porque também tem o reino e a glória, de saber tudo o que cada pessoa faz, onde acerta e onde erra, se pratica o bem ou se tem a intenção de prejudicar os outros. Mas o amigo aí está a mangar comigo, a me pôr caraminholas na cabeça. Se você fosse aquele ser angelical, aquele querubim, aquele serafim ou se pertencesse às...

— Como você está me vendo?

— Não preciso ver você para saber que está a serviço das forças infernais. Quer dizer que vai me carregar para as regiões das eternas desventuras? Mas não vai, não, que a partir de agora você não vai conseguir dizer mais nenhuma palavra, que eu vou pedir ao Pai que me abençoe, que me ajude, que me ampare: “Pai nosso, que estais no Céu, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na...”

Ia dizer “na Terra” mas suspendeu a prece. Estaria mesmo na Terra ou estava no Céu? E se estivesse prestes a ser atirado no Inferno? Não podia ser, porque não sentia nenhuma dor física. Estava angustiando-se com as palavras que o Padre Eufrásio...

De novo desviou-se do caminho em que ia. As considerações a respeito da identidade do outro se confundiram em sua mente. E se aquele não fosse o padre mas alguém fazendo-se passar por ele? Não seria próprio dos seres renegados do Senhor disfarçar-se para a tentação?

— “O pão nosso de cada dia dai-nos hoje.; perdoai os nossos pecados, assim como perdoamos os nossos inimigos.; perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos os nossos...”

Passou-lhe pela idéia que deveria perdoar aquele que se fazia passar pelo amigo. Teria mesmo de fazê-lo, se não tinha a menor idéia de quem pudesse ser? A dar razão aos ensinos que aprendera desde a juventude, era o próprio Demo ou alguém subalterno, que a sua alma não deveria ser tão importante. Como não era importante? Um sacerdote que praticou o bem e a caridade, que foi misericordioso, que levou tanto conforto às mães que perderam os filhos, aos filhos que perderam os pais, aos irmãos e irmãs, aos avós e aos netos e até aos amantes que vinham confessar o seu amor impuro...

A partir desse instante, imergiu nas recordações, foi atrás das lembranças que lhe evocavam os pais, os avós e até um bisavô que conhecera. E, desde a mais tenra idade, repassou todos os episódios de sua longa vida, sem detença e sem amargura, mas com um sentido crítico que não conhecia. Dava a cada cena um determinado valor, passando batido pelos longos períodos de atividades repetitivas até que surgiam personagens mais significativas, de forma que as imagens se destacavam por momentos, pressionando a memória, a consignar com mais profundidade as observações a respeito de quem lhe determinava os sentimentos e o fazia refletir sobre os sucessos e circunstâncias de cada episódio.

A impressão da crítica ia definindo-se cada vez mais nítida, até que, ao chegar ao final dos dias, tinha na consciência uma série de acontecimentos em relevo e todas as pessoas que tiveram papel destacado no roteiro que havia deixado escrito no livro da existência. Dentre as pessoas mais importantes, figurava justamente o Padre Eufrásio. Esforçou-se Deodoro para fixar a fisionomia daquele que permanecera calado. Queria comparar com os retratos mentais que tão nitidamente se fixaram em sua lembrança, tão diferentes das sombras que mais pareciam figuras de um sonho indistinto que se acostumara a captar dentro do cérebro nos últimos tempos.

— Você está encafifado quanto a ser eu mesmo, o seu amigo e protetor...

— Não me lembro de me ter auxiliado em coisa nenhuma. Fui eu quem lhe dei assistência nos estudos, porque, se não fosse por minha ajuda, você teria até abandonado o seminário. Mas essas águas são passadas. Eu não vou cobrar nada do que fiz por você, mas também não posso aceitar que você inverta o que aconteceu na realidade.

— Deodoro, eu lhe peço perdão pelo que lhe disse. Na verdade, estou muitíssimo agradecido por tudo quanto você fez por mim. É por isso que disse que eu o protegi, mas foi depois que eu morri...

— Quem está morto, está morto. Não tem que fazer mais nada na Terra. Vai cantar os hinos de louvor ao Pai, aprendendo a conviver com Jesus, no Paraíso, tendo a honra de conviver com a mãe dolorosíssima e felicíssima, a Virgem Maria, protetora da humanidade. Ou vai tostar nas chamas dos infernos, sendo espicaçado pelos tridentes de Satanás, de Lúcifer e da legião dos demônios que Jesus retirou do homem possesso e fez penetrar nos porcos que caíram despenhadeiro abaixo.

— Que você ache que eu merecia ir para o Inferno...

— Eu sempre achei que você estava no Céu. Agora é que estou desconfiado...

— Eu não estou reconhecendo o meu amigo. Não era você que condenava a idéia das penas eternas e que dizia lá do púlpito que Deus saberia reconhecer os crimes e os criminosos e que daria uma penalidade mais branda, porque todos os que praticavam algo contra os irmãos inocentes, facilitavam a entrada deles no Paraíso?

— Eu dizia isso mesmo. E ainda digo. Quem mata um inimigo de maneira injusta dá a ele a possibilidade de obter a comiseração do Senhor. Não foi Jesus quem rogou ao Pai do Céu que perdoasse os seus próprios algozes? Então, se quem matou, antes mesmo do Cristianismo existir, e não foi batizado, não mereceu ir para o Limbo, porque não podia saber quais eram as virtudes e as leis de Deus? Nesse caso é que eu dizia que os maiores criminosos...

Deodoro não quis prosseguir. De repente se viu justificando-se perante alguém que lhe havia dado tantas alegrias, companhia sempre risonha, sempre proveitosa, sempre saudável, tanto que mantiveram a doce amizade da juventude, encontrando-se quando podiam, até que o amigo faleceu, aos setenta e dois anos, vítima de um problema cardíaco. Recordava-se de que ele o havia chamado e que fora quem lhe dera a última partícula sagrada e lhe ministrara os óleos santos. Não chegou a ouvir-lhe a confissão, mas que pecados podia ter aquela criatura dedicada ao sacerdócio, sem paixões feminis, ao contrário...

— Deodoro, vejo que você está bem lembrado de quem eu fui. É preciso saber agora quem eu sou.

— Quer dizer que a gente perde a identidade quando morre? Estranha maneira de se chegar ao Paraíso: “Quem vem lá?” “É o Padre Deodoro.” “Já não é mais.; agora é o Triburtino das Neves.” “Pelo menos ainda sou padre?” “Que padre que nada! Você é um sargentão do exército.”

— Deodoro, você está brincando mas, mesmo assim, parece que está adivinhando o que se passa na realidade.

— Quer dizer que eu não sou mais o Padre Deodoro?

— Como é que eu o venho chamando?

— Deodoro, é claro.

— Então, você continua sendo o Padre Deodoro.

— E por que é que você pareceu concordar com o Terebentino...

— “Triburtino!”

— Dá na mesma, que o que eu desejei dizer...

— E eu não sei o que você desejou dizer?

— Pois me pareceu que não, que está só de brincadeira comigo.

— Pois, caro Deodoro, vou falar muito a sério, mas penso que você não vai me dar crédito.

— Vamos ver se o que você vai dizer tem lógica e está abençoado por Deus.

— Certamente, Deus, que criou o Universo e tudo o mais que existe nos diferentes planos...

— Você já está dizendo coisas em que não vou acreditar?

— Estou resumindo algumas idéias correntes nesta região verdadeiramente abençoada.

— Mas vamos ao que interessa, porque você prometeu dizer quem é na verdade e agora está indo por outros caminhos.

— Quando eu lhe disse que era seu protetor...

— Sobre isso já conversamos!

— Mas é justamente aí que reside a chave de tudo...

— Meu protetor é meu anjo da guarda, designado por Deus dentre as vastas legiões dos seres que o servem na qualidade de mensageiros. Será que você se esqueceu de que anjo é uma palavra de origem grega...

— ...que quer dizer aquele que leva as notícias, que foi assim que Gabriel foi até Maria, como porta-voz da deliberação de Deus de torná-la mãe de Jesus, conforme está nas Sagradas Escrituras.

— Mãe de Deus, isto sim, que Jesus é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade! Ou vai ser essa a sua contradição?

— Em que parte dos Evangelhos, qualquer um deles, está escrito que Jesus é a Segunda...

— Foi Jesus mesmo quem se disse filho de Deus. Ora, para ser filho e se unir ao Pai, também tem de ser uma parte dele, como também é o Espírito Santo, formando a Santíssima Trindade, mistério de grande envergadura dentro dos conhecimentos da Madre Igreja, constituído em dogma de fé pelo...

— Mas foi Jesus mesmo que disse que era filho unigênito de Deus e da Virgem Maria?

— O que você está insinuando?

— Estou dizendo que Jesus jamais mencionou o fato de ser filho de uma mulher virgem, o que, se fosse verdade, faria muito sucesso junto aos fiéis que o seguiam montanha acima, montanha abaixo, até às margens dos lagos e do mar...

— Eu acho que você deveria respeitar muito mais as pessoas divinas e não ficar provocando as minhas reações, para testar se tenho a minha fé intacta. Sinto que você esteja apenas tentando saber se mereço seguir para junto do Senhor, o que devo confirmar, como no Crisma e nas renovações das promessas após o sacramento do perdão do confessionário, que resulta na Comunhão, pela absorção do divino corpo de Jesus, simbolicamente representado pela hóstia, que se deixa impregnar de sua poderosíssima presença, desde que Deus é onipresente, onisciente e onipotente.

— Que tal refrescar a sua memória, no que diz respeito às palavras de Jesus, quando, perante o cálice das amarguras, se propõe sorvê-lo até às fezes, pela humanidade que logo mais iria crucificá-lo?

— Que tem de notória essa frase, em função do que estamos discutindo?

— Se Jesus fosse realmente a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, portanto, Deus ele mesmo, conforme você está propugnando...

— Não sou eu que digo nada disso. Eu creio nisso, porque essa é a verdade que aprendi e que aceitei de todo o meu coração, pelos ensinos teológicos que nos passaram os mestres, conforme as lições que receberam dos santos que foram inspirados diretamente pelo Espírito Santo e que se estabeleceram nos cânones da religião do Cristo, conforme...

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