Todos os dias, lá ia eu no pós-almoço para a casa lotérica, do centro da cidade, conferir minha “fézinha”. Tinha a absoluta certeza de que, qualquer dia destes a sorte ia me sorrir e eu, como se diz lá no interior, ia “tirar o pé-do-lodo”. Mas qual o que! Quando o bilhete dava troca, eu já me sentia super feliz. Afinal tinha empatado com a sorte e isso era um bom indício. E foi numa dessas idas a conferir essa minha tal sorte que, presenciei uma cena, que se não fosse meio que dolorida, iria ser hilariante na sua totalidade. Descia eu pela Rua São Bento, onde todo mundo em Araraquara conhece como Rua 3, pois lá cada rua possui um número. As ruas são numeradas em ordem ascendente de um em um e as avenidas de dois em dois em números pares. Até hoje ninguém sabe por que. Bom, vá lá! Estou descendo pela então rua 3 e estava quase defronte ao Hotel Municipal. O prédio abaixo, é um salão de barbeiro muito tradicional também chamado Salão Municipal. Na seqüência o Café Municipal e um cinema chamado Cine Capri. Distraidamente olho para dentro do Hotel e vejo um senhor de mais ou menos 60 anos de idade, baixo, meio calvo, paletó branco, de óculos, portando um pasta preta em uma das mãos. Estava vindo em direção a porta onde iria descer dois degraus para chegar à calçada e supostamente subir a então rua 3. Em direção contrária, desce correndo um jovem de uns vinte anos, camiseta branca e calça jeans surradas. O rapaz corria ofegante em direção ao ponto de ônibus que ficava na próxima quadra. Foi então que, mal o senhor coloca o primeiro pé na calçada e acontece a colisão. E colisão frontal. Como o rapaz era mais alto do que o velho, o peito do jovem se chocou contra a cabeça do velho que foi lançado para trás, caindo de costas na calçada e lá ficando nocauteado. O Jovem por sua vez, permaneceu sentado no chão, com uma das pernas esticada para a frente e a outra para trás. Lembrava muito um bailarino fazendo aquele movimento de abertura de pernas no solo. Levava a mão no peito, tentando respirar e o fazia com dificuldade. Corremos, eu e o dono do Café Municipal (Ademir) em socorro ao velho. Mal conseguíamos coloca-lo em pé, pois suas pernas mal obedeciam. Quase recomposto, e já em pé, ele indaga o jovem ainda sentando naquela incomoda posição e com uma das mãos ainda no peito:
- Você está maluco! Onde já se viu andar de bicicleta sobre a calçada! Irresponsável!
E o jovem:
- Mas que bicicleta? Eu estava a pé!!!
Nessa altura, já tinha mais de 50 pessoas ali em volta fazendo perguntas:
- Foi briga?
- O velho é forte, heim! Conseguiu derrubar o rapaz!
E mais:
- Não “deixa barato” não vovô! “Mete a boca” nele!
E o velho:
- Vô! É a P....!!!
E os curiosos chegando e fazendo comentários sem saber do fato:
- O que houve? Por que tanta gente?
E um desavisado:
- Não sei, mas parece que um carro subiu em cima da calçada e atropelou um rapaz, mas não dá pra ver direito pois tem muita gente na frente
E era verdade. A rua estava cheia de curiosos.
Rapaz em pé, pedidos de desculpas aceitos, cada um seguindo em sua direção e mais uma vez o velho:
- Espera um pouco ai! Onde estão os meus óculos e a minha pasta?
E o rapaz:
- E eu vou saber... Acabei de me levantar do chão agora!!!
E saímos a procura.
Enfim a pasta foi achada defronte a entrada principal do cinema, que ficava à uns 15 metros do local da “batida”, mas os óculos... Ah! os óculos! Esses ninguém sabe, mas tanto eu como o dono do Café Municipal deduzimos que este foi parar sobre a marquise do cinema...