PACTO PARA UM CASAMENTO FELIZ
Carlão abre a cerveja, bebe um gole lentamente, deixa o olhar se perder no infinito enquanto lambe o bigode e pergunta: “Cara, você sabe que meu casamento está falido. Do jeito que está não sobrevive até o Natal... Você vai me ajudar?“
Antes de responder, eu também tenho de molhar a garganta... Mas ele segue falando: “Imagine uma separação agoral! Isso vai estragar o Natal da família toda...”
“Você está preocupado com o Natal ou com o casamento?”, questiono.
Baixa os olhos e silencia...
“Tudo bem, amigo. Posso fazer o que você pediu, mas com uma condição”, explico.
“Qual condição?”
“Você vai jurar que não me envolverá nesse dilema. Quero continuar amigo do casal e das duas famílias, certo? Além disso, não comungo nas bases de relacionamento definidas aí”.
Ele põe o copo na mesa e me estende a mão: “Fechado! Juro por tudo que é santo. A que horas pego a minuta?”
Trata-se de um favor que Carlão me pediu há tempos. Fácil para fazer, mas difícil para justificar. Ou seja, ele queria que eu elaborasse um documento, uma espécie de pacto por escrito, com cláusulas estranhíssimas, que acreditava serem capazes de pôr ordem em sua vida conjugal e trazer paz para o casal.
Foi quando anotou algumas idéias e deixou comigo. Uma parte dessas idéias dizia respeito àquilo que iria pôr fim ao seu inferno. A outra continha o que ele dizia ser a solução para velhas e estridentes queixas da mulher.
Eu conhecia a história e talvez pudesse entender. Carlão e Paula já se esforçaram bastante para encontrar um jeito de viverem felizes. Fizeram nova lua-de-mel na Europa, passeio em Cancún, trocaram os móveis, pintaram as paredes, separaram de casa, adotaram um cão e compraram um barco. Nada.
Então, trocaram presentes caríssimos, fizeram plástica, dieta e deram festas e jantares para muitos amigos. Tudo na mesma.
Mas não foi só. Também buscaram alternativas sensatas. Diálogo franco, terapia individual e de casal, conselheiros, padre, kamasutra, biodança... Depois de tudo, nada!
Então, quem desconhecesse essa história acharia a idéia do contrato uma aberração, heresia ou coisas ainda piores ... Por isso, exigi dele um compromisso: "quando lhe perguntarem, assuma que a idéia de fazer esse contrato foi sua".
Covardia de minha parte? Acho que não. Propus-me a fazer a minuta na condição de amigo. Como um amigo que se dispõe a fazer algo com o que não concorda, em nome de uma boa ação...
Bem, eis aqui a imaginada solução para a falência matrimonial do Carlão:
O PACTO
De um lado, Paula Renata Ferrareze, inteiríssima, com tudo no lugar, estado civil tetra-separada, com idade acima do que se lhe imputa, e, de outro, Carlos Felipe de Souza, tri-separado, com idade abaixo do que se lhe atribui, têm entre si justo e acordado o seguinte pacto:
DO OBJETO E DA FINALIDADE
1) Por estarem certos de que o relacionamento entre si pode ser saudável e satisfatório para ambos, se mantido o nível mínimo de entendimento, resolvem de comum acordo estabelecer o que segue.
2) Entendem que o relacionamento se tornará tanto mais viável quanto melhor circunscrito às bases de natureza sexual e amistosa. É sexo e amizade. O que de bom sobrevier será ganho adicional.
DO ANTI-MACHISMO
3) Fica entendido, explicitado e comprometido entre os copulantes que não cabe, no padrão de relacionamento aqui estabelecido, nenhuma atitude ou influência de natureza machista. Para tranqüilidade da consorte signatária, o machismo será sempre considerado coisa abominável, que ambos combaterão sistematicamente, de modo incansável e fervoroso.
DOS DIREITOS E DEVERES
4) Por assim ser, nenhuma das partes cobrará nem deverá nada à outra. Não haverá direito algum de um sobre o outro nem haverá dever algum de um para com o outro.
DOS ENCONTROS
5) Para assegurar perfeita eqüidade, os pactuantes manterão residências separadas e NÃO se submeterão ao dever nem à opressão da rotina de se verem diariamente. Por isso, encontrar-se-ão no mínimo 2 (duas) vezes por semana e, no máximo, 3 (três), exceto durante viagens que façam juntos ou separados.
6) Cada encontro ocorrerá no lugar e horário que ambos elegerem de comum acordo. Não havendo acordo, não haverá encontro nem telefonemas para cobrar explicações.
DAS DESPESAS
7) Despesas conjuntas serão divididas em partes iguais. Despesas individuais não serão necessariamente compartilhadas. Compromete-se o acompanhante a pagar à parte as despesas resultantes do seu consumo etílico. Em qualquer dos casos, nada impedirá que um dos acompanhantes assuma, de livre e espontânea vontade, as despesas totais.
DA CÓPULA
8) Nos encontros, assim como nas viagens, haverá acasalamento ou não, a depender sempre da sincronização do desejo, disposição e oportunidade de ambos. Em copulando, a duração, ritmo, alvo do intercurso, erectibilidade do penetrante e receptividade da penetrada, assim como eventuais variações na modalidade das práticas, dependerão da afinação conjunta e da pacífica cumplicidade dos copulantes. Não havendo acordo, dispensam-se temporariamente da conjunção carnal. Não haverá telefonemas cobrando explicações.
9) A cópula haverá de ser isenta de atitudes, expressões e símbolos de dominação e opressão machista. Para que a mulher não se sinta subjugada, o homem não acasalará “por cima”. Tampouco ficará “por baixo”, por mera questão de igualdade. Ninguém ficará em cima nem em baixo, salvo se um deles quiser e pedir para ficar em baixo. Nesse caso, o solicitante assinará previamente o termo de responsabilidade em que isentará o parceiro de acusações pertinentes.
10) Antes, durante e depois da cópula, nenhum dos parceiros falará ao outro com palavras ou gestos que sugiram humilhação, desonra ou degradação moral, nem que reduzam seus direitos. Isso só poderá acontecer se solicitado pelo outro, mediante prévia assinatura de termo por escrito (modelo anexo). Incluem-se nessa proibição as típicas expressões chulas e a clássica fraseologia do apogeu sexual. Substituirão as expressões chulas por versos poéticos, trechos de ópera ou citações românticas.
11) Em consumando-se o ato sexual, é vedado ao macho dormir imediatamente depois. Permanecerá acordado por, pelo menos, 10 minutos, durante os quais dispensará a ela delicada atenção e carinho. A ela será vedado questionar detalhes irrelevantes que tenha observado no curso da sessão sexual, como “por que você estava mais frio?”, “por que terminou tão rápido?” ou “por que não me beijou como naquele dia?”.
DOS CONFLITOS
12) Se e quando ocorrer deslealdade, descontentamento sexual, desapontamento ou alguma contrariedade do gênero, a parte contrariada poderá suspender o contato e afastar-se sumariamente, vedadas quaisquer reações físicas, verbas, marciais, financeiras ou de qualquer natureza ofensiva, agressiva, hostil, desonrosa ou capaz de produzir constrangimento ostensivo a qualquer das partes.
13) Atitudes implícitas como silêncio, fisionomia inamistosa ou alteração na expressão vocal não serão consideradas ofensas, constrangimento nem descumprimento do pacto. Não haverá telefonemas cobrando explicações.
DAS DISCUSSÕES
14) Contatos telefônicos e por outros meios on-line, entre os coligados, não excederão ao total de 20 (vinte) minutos por dia. Nos contatos pessoais diretos, nenhuma discussão, diálogo, monólogo ou contenda poderá exceder ao tempo acumulado de 25 (vinte e cinco) minutos em um dia, observando-se o intervalo de 10 (dez) minutos para relaxamento muscular e descontração emocional.
15) Quando em companhia da co-participante ou em contato telefônico com ela, uma vez por semana o varão poderá calar-se o tempo todo, ininterruptamente, sem o dever de explicar o seu silêncio. Poderá prorrogar o silêncio por 60 (sessenta) minutos, mediante consentimento da varoa. Por óbvio, nesses períodos ele poderá ficar sexualmente inoperante. A presente cláusula só se aplica aos períodos de vigília do varão.
16) Quando em companhia do seu par ou em contato telefônico com ele, admitir-se-á que a varoa tenha episódios de erupção emocional ou de autocombustão histérica com duração máxima de 15 (quinze) minutos ininterruptos a cada semana, podendo incandescer por mais 5 (cinco) minutos, sob permissão do parceiro. Nos casos previstos nesta cláusula, e somente nesses casos, a mulher estará dispensada de expor as razões do surto.
17) O varão compromete-se a ser sempre gentil, atencioso e cordial para com sua companheira. Assim sendo, ele não se esquecerá das datas mais significativas. Portanto, registra antecipadamente, neste documento, seus PARABÉNS e SINCERAS CONGRATULAÇÕES pelo aniversário natalício da consorte, pelo aniversário de casamento, Natal, Ano Novo, Dia dos Namorados, Dia das Mães, Dia da Sogra, Dia da Mulher e Dia do Beijo, pelos próximos 20 (vinte) anos.
18) Expressa desde já, igualmente, suas congratulações à sra. sua sogra pelo seu natalício nos próximos 20 (vinte) anos.
DAS OBRAS
19) Enquanto durar a união, haverá construções e reformas em suas moradias ou mudanças para novas casas. Por isso, ao término de uma obra ou mudança, o casal iniciará imediatamente o planejamento de outra. As obras e os sonhos da nova casa serão prova material da felicidade no amor. Nas obras, o casal desfrutará a sensação de que a união é sólida, promissora, aconchegante e fundada em bases inabaláveis.
DOS PRESENTES, MIMOS E OFERENDAS
20) O parceiro presenteará atenciosamente sua companheira nas datas especiais. Para manter a eqüidade, ela poderá fazer o mesmo em relação a ele. Isso ocorrerá assiduamente no Dia dos Namorados, no aniversário da união dos pactuantes, no aniversário natalício de cada um e na celebração do Natal Cristão. Dispensam-se de comemorar a data do noivado, do primeiro beijo e do primeiro filme a dois.
21) Os presentes dados por um e outro serão sempre do mesmo valor monetário, podendo oscilar entre U$ 10 (dez dólares) e U$ 100 (cem doares), a depender de prévio entendimento entre as partes.
22) Para simplificar tarefas e encargos, decidem que simplesmente creditarão à conta corrente do presenteado o valor correspondente à soma dos presentes anuais
23) Como haverá reciprocidade de créditos e de valores (cada um depositará o mesmo valor na conta do outro), decidem pela simplificação contábil dos procedimentos. Assim, adotarão a operação “mata-mata”. Dispensam-se os depósitos e ninguém paga nada a ninguém.
DAS DEMAIS GENTILEZAS E HOMENAGENS
24) Por ser gentil e ter profunda consideração por ela, o consorte também deseja esclarecer dúvidas que a parceira possa ter e, desde logo, evitar discussões desnecessárias, antecipando-se às perguntas que ela possa fazer nos próximos 20 (vinte) anos.
Assim sendo,
a) para a pergunta “você me ama?”, a resposta é “te amo muito e te amarei para sempre”
b) para a pergunta “querido, em que você está pensando neste exato instante?”, a resposta dele é: “nas soluções para nossas dívidas, na minha carreira e no contínuo aprimoramento da nossa relação”
c) para a pergunta “você acha que eu estou gorda?”, a resposta dele é “não, querida, você está ótima, mais bela do que nunca”
d) para a pergunta “ai que dor de cabeça... querido, se eu dormir antes de você se deitar, vai me perdoar?”, a resposta dele é “claro, querida, não se preocupe comigo, procure relaxar e dormir. Estarei velando seu sono e recordando nossos melhores momentos”
e) para a pergunta “querido, você pode ir comigo ao shopping?”, a resposta dele é “sim, querida, sempre que você quiser. Mas hoje, infelizmente, tenho de preparar aquela maldita apresentação para a reunião da diretoria...”
f) para a pergunta “chegando em casa agora? Você sabe que horas são?”, a resposta dele é “desculpe, mandei que te avisassem, mas a secretária se esqueceu. Tive reunião de diretoria, relatórios de última hora e os computadores deram pane geral”
g) para a pergunta “você não acha que está sendo muito machista?”, a resposta dele é “eu odeio machismo, acho justíssimas as reivindicações feministas e defendo a igualdade entre homem e mulher”
h) para a clássica pergunta “foi bom pra você, querido?”, a resposta dele é “com você, melhor impossível”
i) para a pergunta “por acaso essa sua resposta ‘melhor impossível’ seria uma ironia?”, a resposta dele é “longe de mim ironizar, querida, não dá pra fazer piadinha com isso”
25) Por delicadeza e consideração a ela, compromete-se também o feliz consorte a não perguntar-lhe “Por que você fala sem parar?” nem tampouco perguntar “Querida, você está conseguindo respirar enquanto fala?”
DA OBRIGAÇÃO DE FAZER COMPANHIA UM AO OUTRO
26) Delicada e gentilmente, o consorte não exigirá que sua coligada o acompanhe em atividades não afins, como partidas de futebol, luta-livre na TV, filmes eróticos, sites pornográficos e happy hour com colegas de trabalho.
27) Igualmente gentil, a consorte não exigirá que seu feliz consorte a acompanhe durante atividades não afins, como nas compras em shoppings e feiras, cerimônias de casamentos, aniversários e batizados, novelas, programa da Hebe, Big Brother Brasil, reuniões com amigas em casas de chá, visitas a estabelecimentos de beleza (cabeleireira, manicure, depilação, etc) e sessões de videokê/karaokê com duração acima de 2 (duas) horas.
DAS INFRAÇÕES
28) O descumprimento de qualquer das cláusulas acima implicará, ao consorte infrator, automática privação de todo e qualquer contato com o outro por 7 (sete) dias no mínimo e por 15 (quinze) dias no máximo, podendo oscilar entre esses limites a juízo e critério da parte prejudicada.
29) O descumprimento de 3 (três) cláusulas por uma das partes, simultaneamente ou não, no período de 6 (seis) meses, ou a soma de 3 (três) infrações do mesmo pactuante no período de 6 (seis) meses dissolverá automaticamente o relacionamento e extinguirá este acordo, sem nenhum ônus, obrigação ou penalidade decorrente deste instrumento a nenhum dos parceiros.
30) Não haverá telefonemas cobrando explicações nem indagando “quem era aquela mocréia ao seu lado no restaurante?”, dias depois da dissolução deste pacto.
Por estarem de acordo, assinam o presente documento em duas vias de igual teor.
(Local e data),
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Carlos Felipe de Souza
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Paula Renata Ferrareze
Se o leitor chegou até aqui, deve estar com a mesma curiosidade que eu tinha quando trabalhava nessa redação: Paula vai assinar isso?
Ainda espero essa resposta. Nunca mais tive notícias do Carlão, nem de Paula, nem do casamento.
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