Seu Antonio era um homem consciente de seus deveres e também de seus direitos.
Acreditava na democracia. Tomou conhecimento desta palavra pela primeira vez, através da televisão. Mais tarde aprendeu a interpretá-la, através das atitudes dos netos e dos filhos. Foi alegando que vivia numa democracia que a neta mais velha optou pela carreira de modelo, quando já era tradição na família, as mulheres serem professoras. Graças à democracia, o filho mais novo de seu Antônio divorciou-se da esposa.
E assim, numa tarde de sábado, dentro de um supermercado, seu Antônio resolveu ser democrático. E usou da sua liberdade de escolha. Parado em frente a uma prateleira que exibia diversas marcas de erva-mate, ele escolheu: Doce-mate. Isto mesmo! Iria experimentar a tal erva com açúcar. Com o coração acelerado, pegou o pacote, colocou-o rapidamente dentro do carrinho, não sem antes olhar para os lados, inseguro frente à tão inusitada escolha.
Seu Antônio era um homem de bem. Só tinha um vício: o chimarrão, que levava uma boa parte do seu salário de aposentado.
Tomava chimarrão de manhã cedinho, logo que acordava, acompanhando as notícias pelo rádio. Antes do almoço também tomava chimarrão, que era para abrir-lhe o apetite. À tarde, junto com a mulher ou algum vizinho, jogando conversa fora, continuava a “chimarrear”. Às vezes até mesmo depois do jantar tomava mate, que era pra ajudar na digestão.
No verão, o chimarrão lhe matava a sede, no inverno, aquecia-lhe o corpo.
A vida inteira tomou mate amargo, que mate doce era coisa de mulher.
Talvez por encontrar-se já adiantado na idade e como muitos dizem, retornando à infância, seu Antônio começava a ter cada vez mais vontade de consumir doce. Seu médico aconselhava-o a manter distancia das doçuras, por causa da saúde, mas, desta vez ele não resistiu. Comprou a erva mate com açúcar e preparou um belo chimarrão! Até com florzinha de marcela no topete da erva. Sorveu o mate com tanta vontade que sentiu uma alegria interior que há muito não experimentava! E a partir daí não trocou mais a marca da erva. Era mate doce o dia inteiro! Seu Antonio ganhou peso. Ao ser interrogado pelo médico sobre o consumo de doces, respondeu que só comia ambrosia na sobremesa de domingo e nada mais!
Tempos depois, seu Antonio começou a ter uma sensação esquisita nos poucos dentes que lhe restavam. A água fria, a ambrosia e até o arzinho frio do inverno que lhe invadia a boca quando respirava, causava arrepios nos dentes. Um arrepio que se transformou em dor. Dor de tirar o sono! Aí seu Antonio tomou a decisão de procurar um dentista. Após a anamnese e o exame clínico, o dentista diz a seu paciente: - O senhor tem cáries de chimarrão! Ao que seu Antonio retruca: - De chimarrão não doutor, são cáries da democracia!