Minha mãe é caçula de uma família de treze irmãos. Contando os que sobreviveram...
Meu avô, o capitão Juca Faria, era próspero fazendeiro até a Grande Crise de 1930, que “quebrou” os plantadores de café no Brasil.
Minha avó materna, Elisa, casou-se aos 15 anos teve o primeiro filho aos 16, e a última aos 50 anos de idade!... Dá para imaginar a trabalheira que dava criar uma família tão díspar em necessidades e idades...
Meu avô trabalhava na plantação de café o dia todo e voltava à tardinha morto de cansaço desejando um bom banho, um jantar soberbo preparado por dona Elisa, e uma cama limpa e arrumada para descansar o corpo dolorido pelo trabalho braçal.
Numa dessas tardes de calor e cansaço, ele voltou para casa e encontrou um dos filhos pequenos fazendo uma birra sem limites. Caído em um canto da cozinha, fazia-se de vítima cruel da humanidade, e chorava bem alto como um lobo uivando para a lua. Dava para perceber claramente que se tratava de um capricho não realizado.
Minha avó, pacientemente, preparava o jantar enquanto meu tio Abner fazia seu recital...
Meu avô, já não era tão calmo e quando se irava, perdia a medida e ia direto buscar o relho para dar uns bons couros em quem precisasse. Mas nesse dia, ele estava especialmente tranqüilo. Chegou, perguntou à minha avó o motivo da gritaria e ela explicou que ele queria de qualquer maneira que ela buscasse e descascasse uma cana... Coisa que se negou a fazer. E pediu a meu avô que deixasse o Biné – esse era o apelido – gritar até cansar e dormir.
Mas meu avô preferiu agir de outra forma até mesmo em respeito ao cansaço da esposa que ficaria ouvindo aquela lamúria. Fingiu-se irado, olhou para o filho estirado no canto da cozinha e disse alto e bom som:
- Biné!...Levante-se que vou mostrar a você o que acontece com menino birrento! Meu tio empalideceu com a voz forte de meu avô... Antes que esboçasse resistência, meu avô pegou um facão, agarrou-o pelo braço e saiu arrastando o menino porta afora. Sem saber o que ia acontecer, meu tio foi tomado de pavor pensando que o pai fosse assassiná-lo a facadas. Meu avô percebeu a aflição e aí caprichou na dramatização, puxando-o com firmeza, enquanto meu tio apavorado caía de joelhos pedindo perdão e prometendo nunca mais fazer birra. E dizia:
-Pelo amor de Deus, papai, eu não quero mais cana! Eu juro que nunca mais faço birra por causa disso!
Meu avô, em silêncio, continuava arrastando o menino, plantação adentro. Só se ouviam os pedidos de clemência de meu tio, enquanto meu avô avançava a passos firmes canavial afora.
Ao chegar ao destino desejado meu avô mandou que meu tio sentasse e não se mexesse, pois seria pior para ele. Paralisado de medo o menino atendeu e ficou sentadinho onde fora mandado.
Calmamente, meu avô pegou o mais belo ramo de cana caiana que encontrou e o cortou com o facão afiado diante dos olhos apavorados do birrento. Depois, diante do filho, sentou-se, descascou a cana, cortou-a em gomos, ofereceu ao filho e maroto perguntou:
-O que pensou que eu ia fazer? Por que estava tão apavorado? Pelo quê pedia perdão?
E meu tio, estatelado, sem entender coisa nenhuma! Completamente mudo pelo susto que acabara de passar!
Silenciosamente meu avô retornou a casa sem maiores explicações com o chorão devidamente castigado pelo medo sofrido...
Que eu saiba, birra por cana nunca mais houve naquela casa... Daí por diante, foi paz total!...