Minha avó materna morava em um grande solar, na cidade de Manhuaçu onde meu avô tinha uma fazenda de café.
Estou falando do “tempo do onça” ( início de 1900), já perdido na memória dessa nova geração a quem pretendo deixar esse legado de histórias familiares ouvidas por mim.
Como mostram as fotos dessa época, e ainda ouço minha mãe dizer, o piso era todo em taboas corridas de madeira de lei, que eram rigorosamente lavadas para manter tudo limpo e organizado. E o dia da faina, era uma verdadeira revolução! Os móveis tinham de ser retirados, e, no cômodo vazio, o chão era esfregado com sabão preto feito pela minha avó no seu fogão a lenha. Depois, tudo voltava ao seu lugar completamente limpo da poeira que grassava a semana toda vinda dos arredores sem pavimentação. Era o orgulho das famílias fazer essa limpeza e sentir o cheiro refrescante trazido pela água-de-cheiro – também preparada em casa- que era espalhado após tudo pronto.
Depois dessa faxina, minha avó dava-se o direito a um descanso na sua sala de visitas, quando aproveitava para ler poesias - seu maior gosto! -. Ela memorizava textos inteiros de Catulo da Paixão Cearense, seu autor predileto. E declamava-os nos saraus promovidos pelos amigos e vizinhos, já que sua casa ficava em uma das ruas principais da cidade, bem próxima da Igreja Matriz central.
Como também era costume da época, as casas ficavam rente às calçadas, com as janelas dando diretamente para a rua. Com isso, facilitavam os encontros e os bons dias, já que os mais conhecidos paravam, batiam palmas para chamar os moradores, e ali punham as conversas em dia.
Num desses dias em que ela usufruía o merecido descanso, passou por ali um dos personagens mais folclóricos da cidade... Agenor, o doido!
Ele era uma pessoa completamente desequilibrada, mas não oferecia perigo algum à integridade física de ninguém. Deixavam-no andando pelas ruas, falando sozinho, provocando as pessoas, e era a alegria da molecada que gritava pelo seu apelido causando-lhe irritação. E a criançada saía correndo com ele atrás dizendo que ia bater em todos eles! Mas qual o quê! No meio do caminho, já nem lembrava mais o motivo da corrida e deixava prá lá, voltando à falação desconexa de sempre!
Pois foi esse maluco que passou frente à casa da minha avó, e, atrevido como era, pôs a cabeça pela janela e, ao vê-la, saudou-a com um belo bom dia! E logo implicou:
-Mas a senhora tinha de lavar tudo desse jeito?
Já conhecendo a “peça”, imediatamente ela tratou de avisar:
-E não entre com esses pés sujos!
Foi a conta!... Ao ser repelido, não teve dúvida, lançou uma cusparada bem no meio da sala limpa e acabada de lavar.
Minha avó, tremendamente irritada, levantou-se, pegou Agenor pela camisa e mostrou o que ele havia feito. Passou-lhe uma bela carraspana, obrigando-o a lavar o local infectado com água e sabão, enxugando tudo outra vez.
Agenor era doido, mas não o suficiente para teimar com minha avó! Fez tudo direitinho, limpou “no capricho”, e deixou tudo como estava antes.
Vitoriosa, ela guardou o material de limpeza e disse a ele que se fosse, pois nada mais havia a fazer ali.
Agenor não desobedeceu, nem falou nada. Saiu quieto, mas furioso, sob o olhar desafiador da D Elisa. Ao ver-se na rua, passou novamente pela janela da sala e, sem que ela pudesse evitar, LANÇOU MAIS UMA CUSPARADA, aprumou-se todo e saiu triunfante...
Não preciso dizer que minha avó nem tentou repetir o castigo!.....