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Humor-->Falso Dilema -- 14/11/2008 - 18:01 (Fernando Werneck Magalhães) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Foi então, lá pelos idos de março, que, de tanto ler a peça Júlio César, de Shakespeare, acostumei-me, “ma non troppo”, a caminhar muito cedo pela vizinhança. Para incrementar o exercício e o gasto calórico, encarreguei os meus vistosos bíceps de “rebocarem” (no sentido Tollendau) dois pesinhos de meio quilo cada.

Como aquele dia, como todo sábado, era um sagrado sabath, dei-me ao luxo de iniciar a caminhada – no estilo tartaruga, que aprendi na natação em 2005 – meia hora mais tarde, ou seja, escandalosamente às sete horas da madrugada. E esse pequeno atraso fez diferença – e como! Com os agasalhos costumeiros, a manhã pareceu-me quase morna àquele horário.

Menos de dez minutos depois, eis que me defronto com um problema deveras inesperado e grave – cão solto na pista. Pior: latindo para o meu lado. Para ser sincero, tratava-se de um animal de pêlo sem dúvida bem mais bonito que o meu, de tamanho médio, claramente fugido do seu campo de concentração. Pareceu-me dialeticamente intimidado pela minha presença, ainda que disposto e meio a arrancar um pedaço dos fundilhos das minhas calças (que é fácil costurar), senão dos meus preciosos glúteos (que é mais difícil de reparar – então, não reparem! - no mercado).

Como não confio, por princípio, na firmeza das convicções pacifistas dos cachorros – e outros primos menos cotados como gatos, touros, elefantes, chimpanzés, que vez por outra encontro dando uma voltinha (quem? eles? eu?) pelo Lago Sul –, adotei, incontinenti, uma postura defensiva que aprendi com o primo Bruce Lee. Primeiro, procurei ignorá-lo. O animal recuou, mas logo voltou a estranhar-me. Fingi que não o conhecia, que não lhe tinha sido “introduzido” (onde?), digo, apresentado – dizem que o truque funciona, até hoje, na Inglaterra –, mas não tive melhor sorte.

Afinal, como os argentinos (outros primos, só que, desta feita, de verdade) deram-se conta recentemente, o nosso país é outro! Aqui raro é que se peça licença para se pisar nos calos dos outros (foi assim que conquistei um inimigo eterno na praça José de Alencar, no Rio de Janeiro), que as pessoas se desculpem ou que agradeçam favores, entre outras mínimas cortesias urbanas. Exceções existem, é claro, mas são estatisticamente insignificantes, conforme aprendi no meu curso de econometria avançada.

Rápido como o Super-Homem, optei por atravessar a pista, fiel ao propósito de dificultar a vida ao cão. Desta vez, tive sorte – conformado como um indiano hindu, reconheceu ele as suas próprias limitações intelectuais e não me seguiu. Limitou-se a ficar me provocando, rugindo. Foi o que me pareceu. Aí, deu um estalo e percebi que o percurso dele estava altamente correlacionado com a presença de uma mulher de pele muito clara e peso acima do ideal (para dizer o “minimum minimorum”).

Interroguei-a sobre aquele filho de Deus que, impunemente, me atazanava. Se lhe pertencia. Respondeu-me que não, isto é, que sim, isto é, que pertencia, isto sim, à sua patroa (que, convém deixar claro, não era a sua esposa).

- E por que você anda com esse protozoário solto por aí? Não vê que é perigoso? Se ele fizer menção de me atacar, terei de me defender com esses pesos, entende? E, quem sabe, afundar-lhe delicadamente o crânio ou estragar-lhe os belos dentaços caninos! Já imaginou a conta do dentista-veterinário?

Ela não via o assunto desse ângulo, mas doutro: assegurou-me que o cão era manso. Obtivera aprovação, com louvor, em curso de boas maneiras da Socila, no ex-RJ, que ficava no atual RJ.

- Ele saiu de casa atravessando a cerca. Pelejei, mas não consegui levá-lo de volta.

Que fazer? Ela acabou seguindo o seu caminho e eu o meu, em sentido contrário. Graças a Jeová (pois, repito, era um sabath), o cão deve ter sido tomado, no caso em pauta, por pensamentos e apetites menos antropofágicos e mais devotos. E, enquanto dava eu seqüência ao meu exercício matinal, dei, também, tratos à bola.

Se ela não conseguia convencer o seu melhor amigo – o canino cão - a retornar ao lar, uma solução possível seria que não ele, mas ela voltasse ao local do crime, ou melhor, ao mesmo local e denunciasse a fuga ao proprietário dele – que era o empregador dela. Imagino então a seguinte cena trágica: alarmado, ele sairia gritando pelo conjunto afora (pois, como se sabe, aqui dentro de Brasília não tem rua do lado de fora das casas):

- Cão, cão, por que me abandonaste (se não te encontrei)?

Assim, num primeiro instante, fiquei convencido de que à moça faltara tirocínio – o que, reconhecidamente, freqüentemente faz falta a pessoas das mais diversas idades, ideologias, pendores sexuais, colorações, crenças esotérias e desníveis educacionais. Apelando para a minha imaginação – que, de tão criativa, confunde, de enfiada, leitor e autor - diversas possibilidades se me foram apresentando:

(1) que o dono da casa estivesse dormindo e não apreciaria, em absoluto, ser acordado num sábado de judeu (ou de cristão, que diferença faz?);
(2) que a moça tivesse um compromisso inadiável, tipo tirar o pai da forca ou chegar à casa a tempo de surpreender o maridão exibindo as jóias da família para a vizinha rechonchuda e “sexy”; (3) que tivesse sido ela injustamente despedida naquele mesmo dia santo e estivesse por isso – ou seja, com mui justa razão - disposta a dançar em cima do túmulo do ex-patrão;
(4) e pleonasticamente etc.

Em resumo, qual dom Quixote, voltei a contar as séries de socos que eu desferia em inimigos imaginários, o que me servia de meditação dinâmica. Passados quinze minutos, fiz meia volta completa e, sabe Deus como, retornei ao ponto de partida. Lá pelas tantas, eis que vejo o meu primo cão de volta – desta feita, na direção do seu lar? Como sabê-lo, diria o poeta. Na dúvida, mudei de novo de calçada e, para reforçar a minha segurança pessoal, interrompi meus folclóricos exercícios de malhação pública com os meus indiscretos alteres de cinco quilos cada.

Em suma, lamentavelmente o belo cão seguiu caminho sem ao menos dirigir-me a palavra. Vejam só, caros e desaviados leitores - que falta de prestígio, o meu! Até aquele animal ignorou-me solenemente! Nem para despedir-se e desejar-me um bom final de semana! Afinal, aquele era um dia de sábado sabático, que, também para mim - um judeu pagão - não deixa de ser sagrado e meio.

E foi nessa hora que me veio, primeiro, uma dúvida – será que o cão sabia, de fato, o caminho de volta para o seu lar? E, logo em seguida, a plenitude de uma certeza – que o cão portara-se como um cavalheiro, dispondo-se a conduzir ao ponto de ônibus, sã e salva, a jovem que o alimentava cotidianamente. Afinal, ainda era um pouco escuro, e sempre havia o risco de ela ser assediada, na rua, por sujeitos estranhos como eu, armados de ameaçadores artefatos de ferro inoxídável.



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