Ainda é muito cedo para se antecipar como será a Rússia neste século XXI, mas, após termos sobrevivido, incólumes – ela e eu - aos trágicos eventos do século passado, adquiri a convicção de que parcela considerável da psiquê do cidadão russo, assim como a história recente desse país (e seus impactos pelo mundo afora) foi muito influenciada pela biografia e obra de Dostoiéski, Tolstoi e Tchekhov – seus três maiores escritores.
Segundo conta J. Frank, em sua obsessiva biografia de Dostoiévsky, este casou-se em segundas núpcias com Anna Grigoriévna (25 anos mais jovem) quando já tinha ele quarenta anos (além de outros cinco, que guardava na algibeira). Muito instrutiva a forma como ele propôs casamento à sua taquígrafa.
Tendo lhe indagado a opinião se deveria ele valorizar mais a inteligência ou a companhia agradável de uma nova esposa, Anna sugeriu que ele se guiasse pela primeira qualidade. Dostoiévski manifestou-se, entretanto, radicalmente a favor da segunda qualidade.
Disse preferir a gentileza de uma mulher que “se apiedasse dele e o amasse”. Hoje em dia, essa pareceria uma proposta impossível de ser aceita. E não é que deu certo? (Já sei por quê: a psicanálise ainda não havia surgido, pois Freud ainda usava calças curtas!).
A audaz Anna Grigoriévna aceitou o desafio e os dois viveram juntos (e bem) até 1881, quando o famoso escritor veio a falecer com apenas 60 anos (sua saúde, que herdei, não era boa) – que, aliás, também completei no mesmo ano.
Otelo – que trucidou a dulcíssima Desdêmona quando o ciúme doentio apossou-se de sua mente – usou argumento semelhante para explicar às autoridades de Veneza o amor que despertara na sua jovem esposa. Teria ela se apiedado dele por causa de suas aventurosas e dolorosas batalhas pela vida afora! Quem não as teve?
Nos dias de hoje, o primeiro “cientista da cuca” que fizesse a anamnese de qualquer uma dessas duas criações (o Dostoiévski, de Deus – supondo que Este herói exista; e Otelo, do Shakespeare de há 400 anos – mas teria este, de fato, também existido?) provavelmente os acusaria de estarem necessitados do colo de mãe, ao invés de mulher.
E, sendo esse o caso, por que não cair antes no colo de algum(a) terapeuta (meio caro, é verdade), vez que os confessores (mais em conta) já saíram irremediavelmente de moda, principalmente depois que as estrepolias de alguns deles foi descoberta pelo papa, que de imediato tentou, muito eticamente e a custos exorbitantes para os seus (dele) fiéis, escondê-las debaixo do tapete. E haja tapete!