Suburbano convicto, eu morava – e suava – numa vila do antigo IAPC (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários), situada no tórrido Méier, RJ. Muito simpáticos, solidários e gentis, os nossos vizinhos de porta – o seu Rubens e a dona Olímpia, uma mulher de origem grega e riso fácil. Incautos e desprovidos de filhos, vieram a apegar-se a mim e ao Afonso – e, principalmente a uma formidável sobrinha, dois anos mais jovenzita que eu, que, entre outras matreirices, era capaz de sorrir com todos os seus dentes! Quanto à minha pretendida juventude, cabe registrar que, até a presente data, o fato surpreende os meus mais incrédulos desafetos!
Tínhamos o encanto da infância! Bonita a frase, né? Mas os traços essenciais de nossas estranhas personalidades já começavam a transparecer. O Afonso, sempre metido em confusão, brigando, se machucando. Eu, como hoje, já metido a sério, careta, responsável – um exemplo de comportamento a ser evitado!
Certa vez, tomavam banho juntos, o Afonso e a menina em pauta, numa daquelas banheiras amplas de antigamente. Era uma festa. Dona Olímpia, que usufruía o raro privilégio de trabalhar na agência da Caixa Econômica Federal fincada na própria vila, tinha tudo, quase tudo (exceto filhos biológicos) para ser feliz. Só sei que se divertia à beça ora esfregando as costas de uma criança, ora ensaboando as pernocas da outra. Quando se cansou de brincar – ela, não as crianças –, decretou o fim da farra e pôs-se a enxugá-las.
Foi quando notou o olhar ferrenho da santa sobrinha, voltado para a genitália impúbere do Afonso.
- Que foi, minha filha?
Sem pestanejar, a menina indagou:
- Tia, quando eu crescer também vou ter uma garrafinha igual à do Afonso?
- Vai sim, filha. Uma só, se tiver juízo. Muitas outras mais, em caso contrário. E tem mais: quando a garrafinha dele, feito homem, se encher demais de leite condensado, ele vai ter que dar uma colher de chá para a mulher dele. E aí, pimba, nascem os bebês.
- Bonito, tia. Imagine a senhora, porém, que a história que me contaram na escola foi totalmente diferente. Uma história de muito contorcionismo e libidinagem. Afinal, como os bebês nascem de verdade? Não me enrole!
- Filha, vou ser absolutamente científica. Se eu usar algum termo que você não entenda, dê o grito. Pois é, existem duas formas clássicas de se fazer o “download” de um bebê. Mas nada impede que, no futuro, com o avanço da ciência, se inventem outras. O importante é que cada uma delas faz uso de um orifício diferente. Um dos muitos que o corpo humano possui, inclusive o da mulher – que também é gente, uma tese até pouco tempo considerada suspeita por muita gente santa.
- Não enrola, tia. Dispenso o preâmbulo. Pode ir direto ao assunto.
- Ia dizendo. São dois os métodos. O primeiro, mais antigo e tradicional, diz-se instrumental, porque para a sua operação necessita-se de uma chave de fenda. Esta é usada para desatarraxar o umbigo da mãe – daí que lhe cai a bunda, digo as nádegas, minha filha; bunda, só diz gente de baixa extração. Feito isso, o bebê cai fácil, pois ele já estava de saco cheio de ficar nove meses dentro da barriga da mãe, de castigo, sem poder ver televisão.
- O segundo método, mais moderno, diz-se hidrodinâmico, porque o neném vem à luz descendo de “jacaré”, a uma incrível velocidade, pelo tobo-água de sua mãe – a mesma pista que ele usou, nove meses antes, embrulhado num pintinho para não sentir frio e penetrar na barriga dela. A desvantagem é que o bebê chega todo molhado, coitado, sem fôlego. Aí, o médico precisa “ajudá-lo”, sacudindo-o de cabeça para baixo e dando-lhe as primeiras porradas da vida. É aí que o bebê fica muito “p.” da vida, e põe-se a espernear e gritar, como você bem sabe, sabida que é, né! Pois é.