Além do danado do Alzhie, devo confessar - por detestar generalizões indevidas - que existiram também, na minha vida, diversos gentis alemães, cujos nomes e prenomes omito, com receio de trocar uns pelos outros, pois recém fugi da França. Resumindo: “Tutti buona gente”, isto é, gente fina, inclusive porque bem mais magros do que quando, inacreditavelmente, também fui um jovenzito.
A gentileza do primo alemão, que se intrometeu, fora do contexto, no título deste texto, conheci-a em meados da década de 70 quando me aventurei pelo sertão germânico sem saber ler, sem entender, nem falar uma palavra sequer desse suave idioma.
Aqui, minto: igual a Einstein, eu também nasci gênio e, portanto, desde criancinha já conseguia soletrar “W-e-r-n-e-c-k”, o meu sobrenome materno; além disso, após sete semestres de estudos intensivos de alemão, aprendi a dizer “danque shem” (que eu traduziria para o vernáculo como “obrigado”), ocasião em que me tornei uma pessoa cortês.
E, acreditem ou não, nesse incrível estado de ignorância lingüística desembarquei furiosamente, com o meu Austin, de motor rachado, nas Europas, onde, devidamente apetrechado - samurai que era - varei, com a espada em punho e em questão de minutos, a Bélgica, as Terras Baixas (onde fiz um “break” num vilarejo chamado Werneck para tomar um chopp com um parente distante, que reconheci jogando porrinha atrás de uma cervejaria), o Luxemburgo e o vale do Reno. Logo, logo, me dei conta que já estava em Heidelberg.
Aí, dobrei à esquerda e tomei a estrada em direção a Rotemburgo, em cujas redondezas achei um camping que, desavisado, me aceitou, apesar de eu não saber falar holandês. Foi lá que mergulhei na primeira piscina aquecida na minha vida. Também, com o frio terrível que fazia naquele verão! O guardião do templo dos atletas era um pobre de espírito, de temperamento nazistóide, justamente obcecado em evitar que a minha toca de campeão master de caratê tombasse na água e lhe entupisse os filtros – não sei se os dele ou os da piscina!
Havia até sauna no local, onde conheci diversos tedescos semelhantes a mim – nus como vieram à luz! Eu, todo pudendo à época, recusei-me a descalçar os calçados.
E foi nesse ambiente paradisíaco que descobri o gentil alemão – a única pessoa que falava francês no local (inglês, nem pensar!) e, portanto, com ele consegui me entender mais que razoavelmente. Como piloto de prova, vivera ele na França algum tempo, ocasião em que conquistara o amor, a devoção e o afeto de uma gaulesa de verdade. Parabéns para os dois!
Certa vez, enrolado com uma problemática, lá veio ele, o berlinense, a me oferecer os préstimos de sua última aquisição: um instrumento mágico, capaz de encher ou esvaziar meus pneumáticos em questão de segundos, o que me poupava o carma de diversos impropérios. Doutra feita, convidou-me o próprio para uma rodada de vinho (de que gostei, apesar de ser branco e suave) no trailer em que vivia.
Aí eu, estudante maneiro de economia e cultor de outras milongas mais, calculei-lhe o peso e a idade (não a da patroa, pois sou um gajo refinado) e mencionei-lhe, muito “en passant”, que o meu tio Edu, muito farofeiro, tivera destacada atuação nas batalhas de Monte Cassino ou Monte Castelo em 1944 na Itália (que simplesmente a-d-o-r-o-u!), como motorista de jeeps, tanques e veículos afins.
Aí, o gentil tedesco não resistiu e soltou o seguinte comentário, onde vislumbrei ironia machadiana:
“Ah, ele estava lá embaixo? Pois eu estava lá em cima!”
Gargalhamos tanto que o pesado trailer balançou. Depois, abelhudo que sou, consegui saber também que ele servira no norte da África com o general Rommel, a Raposa do Deserto, que eu admirava e cuja biografia descobrira, jovem ainda, bisbilhotando as estantes do escritório de papai, onde vivi, escondido deste mundo-cão, por 15 anos. Até que, intimorato, resolvi sair – e foi aí que dei com os burros n’água!
Eu, porém, careço de formação militar. Salvou-me uma bendita varicocele, combinada com uma reprovação dupla no exame psicotécnico para a reserva naval, a qual, diga-se de passagem, “fez história” na história da marinha brasileira. Muito competente o psicólogo que o elaborou, pois estou para conhecer sujeitinho mais avesso a hierarquias!!