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Humor-->O segundo pai de "moi" -- 26/11/2008 - 20:31 (Fernando Werneck Magalhães) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Se a vida dele foi dura? Duríssima, para dizer o minimorum – como um coco (sem assento, digo, acento). O que é a sina da maioria de “nosotros”, creio nós. Mas tinha ele um bom espírito. Assim, mesmo depois de ter nascido, conviveu, por cerca de meio século, como se fosse um vento brincalhão, com a parte negra da vida - digo, a parte médica, mas não necessariamente a proctológica, pois, como eu, fez Clínica Geral.

Vantagem dessa postura do meu ídolo, que aliás tinha Pinto (ao contrário de mim, que não passei de um reles Werneck!) – não enfartou de angústia, embora tivesse hipertensão lábil. Que também tive, antes de me mudar para Biafra, cuja culinária ajudou-me a emagrecer 20 quilos!

Procurou (e nessa apreciação posso, com certeza, estar equivocado), quase sempre com sucesso, ignorar as desprezíveis dificuldades corriqueiras do cotidiano até que elas exigissem solução inadiável. Quando, então, ele as adiava. Muito saudável!

Ser sensiente que era, sofreu, mas nem por isso deixou de conservar um sorriso – às vezes, amargo – no canto da boca, que vivia mordendo. Por sorte, era a boca, que, como todos sabemos, foi feita para moder! Pior é o caso dos que mordem o pé. Aí tem de ser contorcionista. Mas essa piada, juro que não a espalho, pois ela é muito pedestre. Quem quiser sabê-la em seu inteiro teor, que me abduza. Lá no espaço sideral, eu prometo que conto, contanto que me dêem carona de volta, pois aposentei o meu Golzinho por tempo de serviço e o táxi anda muito caro nesta “capitar”.

Voltando a tio Gonçalo – o meu segundo pai, dos três que tive. avesso. Todos sabíamos que ele detestava imposições, especialmente quando vindas do meu pai, o primogênito dos seus vinte irmãos.. E isso ele demonstrava de maneira clara, definitiva. Mas, ainda assim, sarcástica e sutil (êpa, essa nem eu mesmo entendi direito!).

Enxergava o próximo como fonte de prazer e diversão. Brincava com todos – especialmente as crianças, que o consideravam seu rei –, embora essa postura diante da vida desse margem, às vezes, a mal-entendidos. Houve quem se ofendesse, pois viu, “hélas” ou “cuíca”, deboche onde só havia intenção jocosa.

Tinha, além disso e do mais, consciência clara de que ninguém é perfeito – principalmente nem ele, nem eu!. Natural, portanto, que, vez por outra, errasse na oportunidade de um comentário. Não deixava, porém, a mágoa se cristalizar e se enraizar. Ignorava o alegado prejuízo que causara e logo fazia as pazes implicitamente, com naturalidade, como se surfando estivesse pela vida afora.

Não se fixava malevolamente nos defeitos alheios, exceto quando ofereciam oportunidade de troça. No mais das vezes, fez o bem. Inclusive arranjou emprego e maca de hospital para amigos e parentes necessitados.

Era bom, também, no elogio, quase sempre por admiração sincera, mas, convenhamos, não foi santo. Que eu saiba, só freqüentou a igreja para namorar e casar. Nunca foi um perfeccionista – sorte dele, economizou uma nota na terapia que não fez, nem nunca faria -, nem cultivou a menor preocupação com a coerência interna do sistema de equações simultâneas em que se debatia.

Fez muitos amigos diletos. Mas não era ele que iria cobrar sinceridade ou gratidão de outrem. O que pintasse do gênero era lucro. Mas, em compensação, também não se julgava grande devedor do próximo. E por isso, não se humilhava diante de ninguém, pois, como lhe ensinou a avó argentina (por coincidência, minha bisavó), quem muito se abaixa mostra o que não deve, isto é, o traseiro – o que, à época, era considerado uma vergonha. Hoje em dia, sei lá!

Para ele e seus botões, a vida estava mais para mistério; ou melhor, samba. Era preciso, portanto, saber dançar conforme a música. Aprendeu, assim, a conviver bem com gregos e troianos, enfermeiros(as), sobrinhos(as), colegas, milicos (naqueles tempos de outrora, não havia milicas) e eclesiásticos, que respeitou mais do que eu.

A inveja (o mais grave dos pecados capitais – se não for louvável virtude, pois existe argumento que defenda até o capeta!) nunca pautou as suas ações. Como um homem do seu tempo (e de César, o Júlio, repito) admirou a virtude da coragem. E, sendo inglês no trajar, não lhe apetecia exibir-se. Como bom carioca, não tinha o rei na barriga, embora numa certa época tenha assumido cargo de importância quase transcendental. Mas, quando o perdeu, nem por isso perdeu o rebolado.

Alíás, isso ele até que fazia com uma certa classe. Como na ocasião em que, junto com meu pai (seu eterno rival fraternal) e outro irmão (dele), compareceu ao urologista para mais um teste de virilidade. A seu favor, reconheça-se que não pediu beijo, mas em resposta à pergunta “técnica” do meu pai a respeito da “natureza intrínsica” da experiência, respondeu, revirando os seus esverdeados olhos sensualmente:

– Uma delícia, Henrique! Uma delícia!

Houve quem o considerasse audacioso. Não temia assumir riscos e errar – e, portanto, ser objeto de crítica por parte dos colegas e do mundo. Por que deveria – ele que tivera origem humilde e, apesar disso, tanto trepara (no bom sentido) na vida? Como não competia abertamente com ninguém, era visto com simpatia por correntes políticas adversárias.

Por essa razão, volta e meia surgia como um “tertius” para resolver uma briga empatada por cargos de prestígio. E que não lhe dessem muito trabalho – pois a vida é curta e uma só. (Tem gente que pensa que é eterno! – certa vez disse-me ele, a fim de que eu pudesse repeti-lo, o que faço agora).

Como o comum dos mortais – que também foi, mas não é mais – voltou a dedicar algum interesse, poucos anos antes de vir a falecer, à religião católica dos seus antepassados armênios – os Magalhães. Misturando esta com a filosofia, colocou na parede do seu quarto a conhecida oração:

“Senhor, dê-me coragem para mudar as situações que precisam ser mudadas; paciência para suportar as circunstâncias que não podem sê-lo; e sabedoria para poder distinguir umas das outras.”

E, agora, só me resta concluir:

“Pax domine sit semper vobiscum!”

(“A paz do Senhor esteja sempre convosco!”, digo, com ele – fica aqui a dica para quem não foi seminarista como eu)

Concluindo mais uma vez, elevo aos Céus – em aramaico, a especialidade idiomática, minha e do Khristos - a mais bela e profunda frase do Novo Testamento, que, diga-se de passagem, deixou Jó impressionadíssimo, quando este freqüentava a parte velha do igualmente deífico e poético documento:

“Eloí, Eloí, lemá sabactáni!”

(“Pai, Pai, por que me abandonastes?”)

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