Fui uma menina magrela e muito ativa. Fugia de casa, roubava dinheiro do bolso do meu pai para comprar balas, saía com a molecada da rua para infernizar o pároco da igreja bem no centro da praça. Ninguém tinha coragem de tocar a campainha para chamá-lo então, punham-me à frente, e, audaciosa, eu estava sempre pronta para atazaná-lo e sair correndo, com a “gang” eufórica com o mal feito!
Tinha respostas prontas e inusitadas para qualquer tipo de pergunta e dava-as a quem perguntasse o que eu não desejava explicar.
As minhas molecagens eram quase sempre aparadas pelos policiais da delegacia local, pois, além dessa época ser muito mais pacata, meu pai era delegado e punha o destacamento a me procurar quando dava o sumiço!
Entretanto, tinha um medo enorme de cachorros. Não tenho idéia do tipo de trauma que provocou essa reação. Talvez nem seja trauma, mas a moda hoje é ligar tudo ao lado emocional. Daí...
Tive uma infância muito marcada pela presença do meu avô, figura disponível, contador de estórias sem fim, e de imaginação fertilíssima. Lembro-me muito de conversarmos e ele até acobertar algumas das minhas traquinagens!
Certa vez, estava tentando sair escondido da minha mãe, mas ao chegar à porta dei de cara com um cachorro, que, para mim, estava com ar feroz. No mesmo instante fui buscar a ajuda do meu avô, que se dispôs a calcular o perigo de uma possível saída naquela circunstância.
Ao avistar o cão magro e debilitado e perceber todo meu medo, resolveu ajudar-me com eficiência. Talvez desejasse que eu garantisse minha segurança para sempre conseguindo resolver esse meu medo.
Foi então que me perguntou se eu conhecia a “reza para espantar cachorro bravo”. Na inocência dos meus seis anos respondi-lhe que não. Ele disse que iria ensinar-me e a partir daí toda vez que avistasse um cachorro era só rezar e estaria completamente protegida!
Começou a desfiar extensa ladainha inventada naquele momento, deliciando-se com a minha total confiança na sua sabedoria de avô.
Ouvi tudo com a maior atenção e ao final da demonstração da prece perguntei ingenuamente:
-Mas vovô!...Se eu rezar direitinho posso sair sem medo?
Ele me assegurou que assim seria.
Enchi-me de coragem e já ia saindo, rezando o que me lembrava, quando meu avô deu-me seu último aviso:
- Ah... Esqueci-me de dizer-lhe que também deve levar aquele pau que está ali no canto!
Espantada perguntei:
-Mas a reza não funciona?
E ele, como sempre, imperturbável, me explicou:
-Reza é muito bom minha filha... Mas a gente deve sempre levar um pau, pois,
SE A REZA NÃO FUNCIONAR A GENTE “SENTA” O PAU!!!!!
Tenho usado esse fato através da minha vida como uma boa metáfora...