Ouço sempre contar que a mulher sempre foi um ser oprimido e que só agora obtém, a duras penas, a sua emancipação.
Vivi numa família em que as mulheres sempre foram figuras fortes e talvez por isso mesmo, nunca tenha entendido muito bem essa necessidade de lutar por um espaço, que pelo menos na minha família, sempre existiu.
Não falo de pequenas conquistas. Falo de ter visto e ouvido muito das histórias das minhas tias e avós que ganharam seus espaços no trabalho, na vida, e no amor. Por tudo que vi e ouvi, sempre foram mulheres que viveram livremente. Verdadeiras mulheres guerreiras, que receberam a admiração de seus maridos e viveram plenamente sua individualidade.
Não vou me estender demais nesse assunto, mas a pontuação se faz necessária para contar esse caso hilário acontecido entre meu avô e minha avó.
D. Rosinha, minha avó paterna, não cheguei a conhecer, pois faleceu uma semana após o casamento de meu pai. Mas tive uma convivência estreita com meu avô, que nunca mais se casou, e manteve até o final da vida um imenso orgulho da companheira não conseguindo encontrar outra mulher da mesma fibra e da mesma coragem.
Viúva, com duas filhas do primeiro casamento, mulher forte e decidida, foi fator decisivo na criação dos filhos-três homens e uma mulher- e por sua capacidade especial de perceber a vida, sempre pretendeu dar a eles estudo e ambiente saudável de família.
Pessoa de visão, estimulou meu avô a ter uma vida regrada e próspera, já que, quando o conheceu, era pessoa simples e trabalhava como pedreiro. A ela, meu avô deveu todo o progresso de vida que teve. Entretanto, até “entrar nos eixos”, gostava de uma cachacinha e vez por outra tomava uns pilequinhos quando saía para conversar ou jogar um carteado com os amigos em finais de semana. E minha avó abominava esses encontros e as conseqüências dos mesmos...
E ela avisava sempre:
-Seu Chico... Seu Chico... Os meninos estão crescendo! Temos de olhar o tipo de exemplo que estamos dando a eles. Se o senhor continua assim daqui a pouco não teremos como contê-los! E não é isso que desejo para eles! Quero-os íntegros, decentes e “estudados”...
Dia a dia essa ladainha ia se fazendo, e a preocupação dela crescendo junto à falta de paciência de trabalhar, cuidar da casa e dos filhos e ainda ter de aparar as eventuais “tonteiras” do meu avô.
Não faltou aviso. E a situação foi se transformando em urgência. Os filhos chegando à adolescência, começando a fumar escondido e ela vendo que a coisa ia só crescer...
Foi quando resolveu tomar uma atitude extrema. Não havia mais como esperar. Era naquele instante ou nunca mais. Precisava fazer algo que servisse de exemplo a todos e ficasse gravado como lição permanente de vida e diretriz para seus filhos.
Respirou fundo e decidiu.
Um dia, sabendo que meu avô ia voltar novamente “alto” após o carteado, ela se postou à porta de casa a esperá-lo, determinada em acabar com a farra de uma vez por todas.
Ele voltava, e ela avistou-o já de longe, vindo meio sem prumo, visivelmente alcoolizado. Não teve dúvida. Assim que meu avô botou os pés dentro de casa ela, diante dos filhos, teve uma conversa séria com ele dizendo:
-Olha seu Chico! Eu tenho avisado ao senhor de que bebida não é boa coisa! Nem para o senhor, nem para nossos filhos! E dessa vez eu vou provar a todos vocês, que isso não é atitude para quem deseja crescer e ser melhor na vida! E tem mais, bebida não prova a ninguém que se seja mais homem do que os outros. Pelo contrário! Bebida deixa o homem fraco! Tão fraco que apanha! De mulher e de chinelo! E pegando o chinelo de meu avô deu-lhe umas boas chineladas das quais não pôde se proteger por realmente não estar em condições...
Nunca mais se ouviu falar em bebida naquela casa. E nós, da terceira e quarta geração, ainda permanecemos abstêmios por natureza.....