Minha mãe sempre nos surpreendeu com sua maneira de resolver as pequenas querelas do dia a dia. Tentava, sempre que possível, convencer os filhos a agirem corretamente. Exortava o máximo apelando para ditos bíblicos para que entendêssemos que devíamos ser bons por amor e temor do Senhor.
Queria que fôssemos conscientes dos nossos deveres e que os cumpríssemos, não por medo dela, mas por ser de bom senso.
Mas pedir isso a dois pré-adolescentes ranhetas, talvez fosse demais...
Éramos três filhos em casa: um irmão mais velho que eu quase dois anos, eu – única mulher- e um temporão quase nove anos mais novo que eu. E a vida naqueles idos de 1955, duríssima, em cidade de interior, sem empregada, sem o conforto das modernidades de hoje, tudo começando a aparecer ainda no mercado das facilidades domésticas. Dinheiro curto, dois adolescentes brigões, um bebê chorão, fogão a lenha (ainda!)e minha mãe no meio desse redemoinho tentando aparar a tudo e a todos. E faz bolo para um, goiabada cascão para o outro, mamadeira para o menor, leva a escola – a pé! - Carro? Luxo sem tamanho! Panelas? De ferro, pesadas, cheias de fuligem... E ela, pequena, tendo de dar conta... Tudo isso ao som de um disse-me-disse entre meu irmão e eu. E ela adivinhando que, pela milésima vez, ia acabar em sopapos e que teria de apartar a briga...
Enquanto tentava segurar a barra ia falando|:
-Gente... Bem que a Bíblia diz: “-Como é bom os irmãos viverem em união!”
Nada... A discussão ficando cada vez mais intensa...
E ela:
- Meus filhos! Tenham pena da sua mãe! Estou cansada e isso não vai acabar bem!...
Sem dar atenção, continuávamos a escalada da briga iminente...
E ela:
- A Bíblia diz que devemos amar o próximo como a nós mesmos!
E a gente continuando a discutir...
Quando ela já estava lavando os últimos utensílios com os quais havia acabado de bater uma goiabada, a situação chegou ao pico e ela viu que não conseguiria minimizar o caos que iria se instalar entre nós dois...
Tomou uma decisão imediata e a pôs em ação. Enxugando as mãos no avental molhado, olhou firme para nós. Pegou uma colher de pau enorme que acabara de lavar,e avisou:
-Tentei tudo! Vocês não me ouviram! Pois então vai ser do meu jeito mesmo!
E caiu de colher de pau em cima de nós dois dizendo:
NESSA CASA VAI REINAR O AMOR NEM QUE SEJA A PORRETE!
Voou menino prá todo lado, e, pelo menos até o final do dia, ela garantiu seu sossego!