O Quarto secreto. Era assim que o chamávamos. Ficava no corredor do sexto andar do HC, no caminho para a enfermaria de clínica, aonde dávamos plantões no quinto ano da faculdade. Eu costumava tirar ali algumas pestanas de tarde, porque ninguém o achava (assim pensava eu em minha inocência de interno recém-nascido, nos idos de 1981). O plantão era de noite, tínhamos de acompanhar os pacientes clínicos, fazer internações, prescrever, evoluir de noite alguns leitos, enfim, plantão baba.
Eram mais de onze horas da noite... Tudo feito. Dividimos o horário, fiquei com o segundo horário, meu colega ficou vendo mais algumas coisas e eu... Bem, eu fui para a minha sala secreta. Era um dormitório, bem ao lado do corredor e ninguém imaginava que, atrás de uma enorme porta de correr, existiam dois beliches altíssimos. Bom, não havia ninguém ali. Eu tirei minha camisa, tirei minha calça e me enfiei debaixo do cobertor quente e amarelo, grosso e felpudo (engraçado, posso lembrar-me de detalhes assim!). Dei uma lida no "Washington Manual" de capa amarela (!) e apaguei a luz.
Dormi.
Lá pelas tantas, acordei com um estranho ruído. A visão que tive foi perturbadora! Entrou no espaço uma moça, muitíssimo bem dotada de corpo e não menos de rosto (residente de Oftalmologia, um colírio!!!). Eu a vi subindo pela escada do beliche, eu vi a luz iluminando seus olhos negros e cheios de sono. Eu vi seus pés desnudos terminando a escada. Senti, acima de minha cabeça, a presença de uma deusa em carne e osso!! Gemeram as madeiras do beliche. Eu, embaixo, de cueca. Se a moça me pega ali, naquele estado, ia ser sem dúvida uma enorme gritaria.
Já via escrito nas manchetes: "Interno tarado é pego em flagrante de cueca na enfermaria da clínica em estado lastimável..." "Só podia ser interno mesmo, esse menino cabeludo e pelado!" "Não é show medicina nem show da vida: Interno dá show de strip em plena enfermaria secreta" e aí vai. A gente delira nestas horas e eu a via se mexendo acima, se ajeitando pra dormir. E eu ali, suando, vendo a hora em que iam entrar suas companheiras ou, pior, o namorado pra me tirar a pele do couro. Se eu bem conhecia o namorado da sílfide, era um cara que jogava rugby. "Sou largo", já dizia o Cesar do PSC. Estou ferrado porque ele vai me pegar de calças (opsss sem calças) curtas e vai me usar como bola nos próximos treinos. Vai me fazer correr atrás da bola de cueca e sem piedade. Vou ter que dar um pique e me esconder na piscina no próximo milênio...
A bordo de minhas divagações nada românticas (a última coisa que eu pensei--juro, foi em dar-lhe um beijo!), esperei a moça acalmar e cair nos braços de Morfeu. Assim que a princesinha caiu no sono, eu com enorme cuidado apanhei minha calça e a vesti como uma cobra silenciosa. A camisa atendeu ao meu chamado e se colou ao corpo (36 horas de convivência, a camisa já era minha quase eterna companheira). Pus o sapato, peguei meu jaleco, o "Manuel" e fui à enfermaria.
Cheguei ao posto de enfermagem.
--Menino, o que faz aqui a esta hora?
--Tem alguma gaso pra colher?
Assim, ela nunca ficou sabendo de mim, eu nunca contei para ninguém isto aqui; também a faculdade nunca ficou sabendo destas peripécias... Ainda bem. Ainda existe o tal quarto secreto????
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