Tem gente que gosta. Frio assim no sul é refresco, lá eles devem estar se abanando. Fosse mais ao norte, teria sido decretado estado de calamidade pública. Aqui, todos os cães já se recolheram. Difícil ir ao toalete, risco de congelamento súbito. Fora o trajeto do vento que arrepia coluna de estátua. Cuidado com a língua, dona Candinha, que fofoca em dia de vento forte traz o jeito certo de tornar vossa senhoria muda. Outros que podem ficar em maus lençóis são os bêbados de primeira viagem, com essa mania de lamber o colarinho do chopp. Cuidado, que gruda no vidro e babaus, nada mais de couvert nem de namorada. Mas tem gente que gosta. Gosta de levantar cedo e o frio na orelha é tanto que você imagina que não é cartilagem que você tem pendurada ao lado do pescoço, logo abaixo do couro cabeludo; melhor seria descrever uma asa delta gelada e dolorida. Fora o rio de lágrimas ao vento seco e horripilante e o nariz com jeito de Danúbio, tal seu fluxo. Ah, tem gente que gosta. Se eu fosse gaúcho, tchê, já tinha chimarrão pro resto da semana. Se fosse pinguim, é claro, já estaria andando de pés descalços em plena duna de gelo duro. No entanto, não sou. E frio, para mim, só para dormir e olhe lá, porque dormir demais é para urso e eu estou mais para corisco que para lampião.
